Quando os muçulmanos deixam a religião

Por Daniel Pipes

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No Ocidente as conversões compreendendo o Islã parecem ser uma via de mão única, somente a favor do Islã. Entre os afamados novos devotos se encontram: Kareem Abdul-Jabbar, Muhammad Ali, Malcolm X, Keith Ellison e Sinéad O’Connor, bem como empolados sedutores como Principe Charles, Michael Jackson e Lindsay Lohan. Não esquecendo que também há cerca de 700 mil afro-americanos convertidos e seus descendentes.

Contudo, na realidade, é uma via de mão dupla. Sem dúvida, os de origem muçulmana que deixam o Islã impactam com muito mais notoriedade do que os que se convertem ao Islã.

Para começar, alguns dados: na França, a cada ano, cerca de 15 mil muçulmanos se convertem ao cristianismo segundo estimativas realizadas em 2007. Em torno de 100 mil muçulmanos americanos deixam o Islã a cada ano segundo um levantamento conduzido pelo Pew Research Center em 2017. Isso representa 24% do total de muçulmanos nos Estados Unidos, constituído desproporcionalmente por iranianos. Esses dados dispõem de forma mais ou menos equilibrada os de não muçulmanos que se convertem ao Islã.

As razões para deixar o Islã variam: o Pew constatou que 25% dos ex-muçulmanos americanos têm problemas relacionados às religiões em geral, 19% com o Islã em particular, 16% preferem outra religião e 14% citam razões de crescimento pessoal. Um pouco mais da metade (55%) que deixam a religião, abandonando qualquer religião por completo e pouco menos de um quarto (22%) se convertem ao cristianismo.

As três principais formas que os apóstatas desafiam o Islã são: deixar publicamente o Islã, marcar presença com outros ex-muçulmanos e rejeitar a mensagem islâmica.

Primeiro, abjurar é uma atitude radical que pode levar à execução em países de maioria muçulmana como no Irã por exemplo. Mesmo no Ocidente, esse tipo de comportamento provoca rejeição de familiares, ostracismo social, humilhação, amaldiçoamentos, ameaças, represálias e ataques violentos. De modo que, conversões para fora do Islã são realizadas com cautela ou às escondidas, como nos casos do escritor britânico Salman Rushdie e do famoso cantor Zayn Malik. Carlos Menem da Argentina minimizou a sua apostasia, Barack Obama negou esmeradamente a sua.

Não obstante, há aqueles convertidos que fazem questão de escancarar publicamente a apostasia, estimulando outros com o seu exemplo. Ibn Warraq escreveu Por Que Não Sou Muçulmano. Nonie Darwish e Ayaan Hirsi Ali escreveram livros sobre virar “infiel.” O jornalista Magdi Allam se converteu nas mãos Papa Bento numa cerimônia amplamente transmitida pela televisão.

Segundo, ex-muçulmanos que vivem no Ocidente fazem algo inconcebível em países de maioria muçulmana: começando com o Comitê Central de Ex-Muçulmanos da Alemanha (Zentralrat der Ex-Muslime) em 2007, eles estabeleceram as bases de dezenas de organizações públicas de ex-muçulmanos, providenciaram apoio mútuo, aprimoraram argumentos, levantaram questões constrangedoras (como a mutilação genital feminina) e o combate ao islamismo.

Terceiro, ex-muçulmanos radicados no Ocidente empreenderam uma impressionante penetração nas tradicionais comunidades muçulmanas por intermédio de livros, rádio, televisão, envio de e-mails em massa, websites e redes sociais. Agindo praticamente impunes, eles disseminaram mensagens astutas em árabe e em outros idiomas importantes. Wafa Sultan, Zineb El-Rhazoui e Hamed Abdel-Samad se empenham em tecer duras críticas contra o Islã, já outros ajudam ateus a fugirem para o Ocidente. Convertidos ao cristianismo (como o Irmão Rachid) frequentemente se metem em bate-bocas religiosos ou (como Sohrab Ahmari) narram suas viagens espirituais.

Convertendo, organizando, empenhados em fazer proselitismo: é assim que eloquentes ex-muçulmanos no Ocidente desencadeiam ondas de choque em seus países de origem, principalmente onde o Islã é historicamente protegido pelos costumes e pela lei de qualquer crítica ou mesmo ironia, onde a repressão e punição tornam ilegais qualquer visão anti-Islâmica. Autoridades apreensivas proíbem conversões cristãs e censuram vozes de ex-muçulmanos. Eles chegam até a ligar esse movimento a uma “conspiração sionista,” embora tais investidas tendem a ser ineficazes por serem lugares-comuns.

Uma comovente carta anônima de Carachi, Paquistão, ao Observer no auge da polêmica dos Versos Satânicos em 1989, mostra a inspiração de uma mensagem de um ex-muçulmano. O autor da carta respondeu à convocação do Aiatolá Khomeini para assassinar Salman Rushdie porque o escritor escreveu de maneira desrespeitosa em relação a Maomé:

minha voz é a voz de alguém que ainda não foi ouvida em nenhuma coluna jornalística. É a voz daqueles que nasceram muçulmanos, mas que desejam abjurar na idade adulta, porém não lhes é permitido a ponto de se defrontarem com a pena de morte. Alguém que não vive numa sociedade islâmica não tem condições de imaginar as sanções, tanto autoimpostas quanto externas, que militam contra a expressão da descrença religiosa… Aí então aparece Rushdie e fala por nós. Diz ao mundo que nós existimos, que nós não somos simplesmente mera tramóia de uma conspiração judaica. Ele acaba com o nosso isolamento.

Com paixão e singular autoridade, ex-muçulmanos forçam crentes a pensarem de maneira crítica em relação à sua religião. Seus esforços contribuíram drasticamente para o declínio na religiosidade como um todo, visivelmente em andamento entre os muçulmanos, especialmente entre os jovens. Conforme sintetiza o Economist em um recente levantamento conduzido pelo Arab Barometer: “ao que tudo indica, muitos (muçulmanos de língua árabe) estão desistindo do Islã.”

Dessa forma obstinados ex-muçulmanos desafiam ruidosamente a religião na qual nasceram, ajudando tanto a modernizá-la como a reduzir sua subjugação. O papel deles está apenas começando.

 

 

Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum.

Original em inglês: When Muslims Leave the Faith
Tradução: Joseph Skilnik

 

 

 

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