Os “direitos constitucionais” da corrupção

Por Percival Puggina

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Nota do autor: estas reflexões me ocorrem quando penso nos muitos formadores de opinião sumariamente privados de sua fonte de subsistência porque contrariaram os donos do poder. Há algo muito errado aí.

 

A combinação da Operação Lava Jato com a jurisprudência que permitiu o cumprimento provisório da pena após a condenação em segunda instância foi a versão moderna da pesca milagrosa. Jamais se vira algo assim fora do Mar da Galileia! Era muito peixe graúdo na rede. A cada arrastão, a malha se fechava sobre poderosos empresários, executivos de inimagináveis salários, figuras destacadas da cena política nacional, tesoureiros e operadores de partidos políticos. Saqueada e abusada, durante década e meia, a nação passou a ser informada sobre o escândalo de cada dia. E cada dia tinha o seu enquanto viaturas da Polícia Federal agitavam as alvoradas em operações de estranhíssimos nomes. Um bálsamo para quem tem senso de justiça e se indigna ante o assalto ao patrimônio da sociedade.

Em longa tradição do Direito Penal brasileiro não havia interdição a que o réu, condenado em segunda instância, iniciasse o cumprimento da pena de prisão. Esse foi o entendimento até que, em 2010, o STF fez valer a letra fria e visionária do inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória”. Um desastre. Os processos eram empurrados para frente e para longe com os talões de cheques.

Ficou tão difícil ficou prender bandido rico que, em 2016, o mesmo STF retornou à orientação anterior. Foi um ano fervilhante! A operação Lava Jato desvendava os fundilhos da República, a justiça profissional de primeiro e segundo grau acelerava o passo e o recolhimento à prisão era ameaça bem próxima no horizonte dos criminosos.

Formou-se fila para as colaborações premiadas. Fila de confessionário em domingo de Páscoa. Todos se apressavam em colaborar com a Justiça, devolver dinheiro roubado, entregar bens e anéis mal havidos para salvar os dedos, cobrar o prêmio da colaboração e poder usar o banheiro de casa. Subitamente, com a nova orientação, renascia a prática do exame de consciência e ninguém tinha dúvida sobre as próprias culpas.

No contundente diagnóstico do senador Romero Jucá, tornou-se urgente “estancar a sangria”. Frear a Lava Jato. O modo cirúrgico de suturar a artéria e parar os vazamentos incluía a participação do STF. Fazia-se necessário acabar com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Afinal, a Constituição diz que só depois de sentença criminal condenatória transitada em julgado, certo?

Certo, mas errado. O preceito se opõe à proteção da sociedade, impede a realização da justiça, desmoraliza os juízos de primeiro e segundo graus, distribui a esmo atestado de inocência a criminosos que são verdadeiros flagelos sociais engravatados, muitos dos quais já condenados, sobre cuja culpa não cabe dúvida alguma e em relação a quem a sociedade tem o direito de cobrar sanção penal.

Mude-se, então a Constituição, exigem os falsos ingênuos. Eles sabem, porém, que o Congresso Nacional dificilmente o fará porque é tudo que os criminosos com mandato parlamentar não querem, ora essa! Bastaram seis anos com a “nova convicção” do STF para a corrupção se reerguer politicamente e voltar ao governo, inclusive mandando ao raio que a parta a Lei das Estatais, que saneou essas instituições vedando em seus órgãos de direção a presença de políticos e pessoas não qualificadas.

A luta de vida ou morte contra a corrupção e a impunidade prossegue. Na Câmara dos Deputados, Deltan Dallagnol propôs criar uma Comissão Especial para estudar emenda à Constituição que viabilize a prisão após condenação em 2ª instância; no Senado, Sérgio Moro consegue as 27 assinaturas necessárias para desarquivar projeto de lei dispondo sobre a matéria. E o STF?  Constrange, dói na alma dos cidadãos cumpridores de seus deveres, que reconhecem a importância das instituições, ter que se perguntar, diante de possíveis futuras decisões do Congresso Nacional, se o Supremo abandonará a nação no relento da impunidade.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário, escritor, colunista de dezenas de jornais e titular do site www.puggina.org, no qual o presente artigo foi publicado originalmente. Autor dos livros ‘Crônicas contra o totalitarismo’; ‘Cuba, a tragédia da utopia’; ‘Pombas e Gaviões’e ‘A Tomada do Brasil’. Integrante do grupo Pensar+.

 

2 Comentários
  1. Paulo Giurni Pires Diz

    Artigo lúcido, corajoso, sou advogado e estou arrasado, para dizer o menos, por presenciar, ler, ouvir, os desmandos do STF, a omissão dos juízes. Mas tudo isso se explica, criou-se neste lindo pais uma casta de funcionários públicos;para eles pouco importa se a mula manca, eles no alto de seus salários, prerrogativas e aposentadorias milionárias, como disse, não estão nem aí para o Lula incompetente mas bom ladrão, ou para Bolsonaro, patriota mas mal assessorado ( muito mal assessorado)
    Eles estão garantidos, tem carro de luxo, usam para não ostentar, carros populares, mesmos trajes, odeiam os holofotes, não querem aparecer. Só querem continuar e vão continuar, mamando. Eles se esparramam em todos os lugares, nos bairros chiques, na periferia, no interior dos estados , nas ruas tranquilas de bairros tranquilos. Fazem parte daquela massa de 32.000 milhões de brasileiros que não votaram. Só tem um jeito das coisas mudarem. Reforma administrativa seria de peso ou Luta armada, uma revolução. Mas sou contra qualquer tipo de violência, mormente uns guerra civil. O sofrimento para esta geração seria infinitamente maior que o dano econômico que esse desgoverno do PT está implantando pela terceira vez. Mas cidadãos honestos e patriotas hão de se levantar para mostrar s cólera das legiões. Pode publicar meu nome Paulo Giurni Pires – adv OAB/SP 91.830

  2. Marcio+Oliveira Diz

    Excelente artigo!

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