Os Alienígenas do Presente

Por Diogo Fontana

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Este paciente processo de transformação da opinião pública, acredita Upton, faz parte de um “projeto de engenharia social de longo prazo desenvolvido de acordo com a abordagem ‘gradualista’ adotada pelos socialistas fabianos”.

 

Na adolescência, um dos meus passatempos deliciosos era acompanhar a Revista UFO e outras porcarias afins. Eu lia tudo aquilo, e acreditava, como se fosse a mais rigorosa manifestação da ciência, a mais espetacular revelação da verdade.

Minha geração cresceu em uma cultura crente na visita de seres de outros planetas.  A coisa nos vinha de todos os lados, mas principalmente do cinema e da televisão: era E.T., IntrudersCocoonContatos Imediatos de Terceiro GrauO Milagre veio do espaçoIndependence DayPredadorStar WarsStar TrekArquivo X, essa lixeira toda. É quase impossível alguém da minha idade não ter grudado tudo isso na cabeça. Nem a escola servia de refúgio, pois foi lá que vi o documentário Eram os deuses astronautas?, exibido na aula de História da oitava série do Colégio Positivo.

Conforme amadureci, ou quase, essa minha crença esquisita foi se tornando dormente. Parei de pensar no assunto, e anos depois, quando resolvi buscar alguma instrução religiosa, retomei a questão, refleti um pouco (muito pouco), e sumariamente concluí que alienígenas ou eram demônios, ou eram apenas uma forma de mitologia moderna.

Pequena não tem sido a minha surpresa, portanto, ao perceber que de alguns anos para cá, em especial a partir do ano passado, o fenômeno OVNI ganhou força novamente, deixou em definitivo a periferia da cultura e migrou para as páginas dos jornais “respeitáveis” – a imprensa mainstream. De repente, alienígenas já não eram mais uma esquisitice tratada por um cara de cabelo espetado no History Channel, mas um assunto sério discutido por cientistas de renome e funcionários do governo.

Vários países recentemente abriram os seus “arquivos UFO”, entre eles México, França e Nova Zelândia. Em junho de 2021, o governo americano liberou um relatório onde admite a existência de objetos voadores não-identificados. O informe de nove páginas não bate o martelo quanto à natureza dos avistamentos, porém, segundo foi ressaltado pela imprensa, tampouco descarta a hipótese extraterrestre. Além disso, confessa que “claramente representam uma questão de segurança aérea e podem representar um desafio à segurança nacional dos EUA”.  A divulgação desses registros marca uma mudança na postura dos canais oficiais em relação ao fenômeno. O que antes era veemente negado, atribuído a balões atmosféricos, caçoado como o delírio de lunáticos, passou a ser reconhecido como verdadeiro e digno de atenção. O que está por trás dessa reviravolta?

Quem nos ajuda a responder essa pergunta é Charles Upton, autor do livro The Alien Disclosure Deception: the metaphysics of social engineering, publicado há poucos meses nos Estados Unidos. Upton é um muçulmano sufista, estudioso de metafísica, e intelectualmente afiliado à escola “perenialista” ou tradicionalista. Ele é autor de diversas obras e vem estudando o fenômeno OVNI há pelos menos vinte anos. Esta sua publicação mais recente é uma compilação de artigos escritos entre 2001 e 2021 nos quais analisa a crença em extraterrestres, em especial os estudos do ufólogo Jacques Valée, à luz das doutrinas metafísicas apresentadas em O Reino da quantidade e A Falácia espírita, livros do escritor francês René Guenon.

Antes de mais nada, Charles Upton acredita no fenômeno OVNI, mas lhe atribui uma interpretação diferente da convencional e mais disseminada. Os objetos luminosos que operam acrobacias no céu não são, para ele, naves espaciais tripuladas por entidades biológicas inteligentes oriundas de planetas dos confins do universo. Não, aquilo que consideramos extraterrestres seriam, na verdade, “intraterrestres”, criaturas há muito conhecidas pelo homem e que sempre estiveram entre nós.  Estes seres habitam o plano psíquico, ou etéreo, uma esfera sutil situada acima da dimensão material e abaixo do mundo espiritual, uma espécie de istmo que interliga a nossa realidade física e o mundo dos sonhos. Os gregos os chamavam de daimones, os celtas de fadas, os muçulmanos de jinns, e os cristãos de anjos caídos. É possível que essas criaturas vez ou outra se manifestem fisicamente, mas apenas de modo temporário, pois são incapazes de permanecer estáveis na esfera material por tempo prolongado.

A existência de um plano psíquico povoado por seres sutis é aceita em todas as culturas tradicionais, está presente nas mais diversas tribos indígenas, no xamanismo, e também na metafísica das grandes religiões. No Ocidente contemporâneo, contudo, após pelo menos três séculos de materialismo, esse antigo conhecimento foi esquecido, varrido para baixo do tapete por uma vassoura racionalista, e, desde então, cada vez que surgiram fenômenos inexplicáveis para os cientistas, foi preciso que fossem logo declarados inexistentes e suas testemunhas depreciadas como portadoras de uma mentalidade anacrônica e supersticiosa. No lugar de análise e investigação, descrédito e careta de superioridade.

Acontece que a visão de mundo materialista, outrora dominante, começou a ruir nas últimas décadas do século XX. Abriu-se, pois, uma brecha para o retorno da metafísica. No entanto, ao invés de vermos a restauração da teologia, estamos presenciando um encantamento crescente pelos abismos psíquicos e pelas forças de fragmentação, o que se evidencia, por exemplo, na propagação da espiritualidade Nova Era. Explica Upton: “hoje, […] a crença em seres sutis e mundos invisíveis se torna mais aceitável, tal aceitação não toma a forma de um retorno à religião e à metafísica, que continuam a erodir, mas de um fascínio coletivo pelas possibilidades sinistras e misteriosas”.

A hierarquia do Ser é totalmente desconhecida pelo homem contemporâneo. A falta de instrução religiosa (a catequese virou uma palhaçada piegas) tornou as multidões ignorantes um alvo fácil para toda sorte de pirotecnia ocultista. Ninguém mais entende nada sobre os planos divino, espiritual e psíquico. É tudo rasteiro, “físico”, achatado. E também incoerente, inseguro, irracional. Por isso, tão logo as forças da barbárie pós-moderna implodiram a gaiola do materialismo, o campo ficou aberto para a proliferação das seitas mais malucas. O ataque deliberado ao conceito de verdade objetiva paralisou a inteligência humana. Derrida e Foucault limparam o terreno para o florescimento de Jim Jones, da Logosofia, da Igreja da Cientologia, e tantas outras maluquices.  Esse é o mundo em que vivemos hoje.

“Quando as pessoas não têm uma visão de mundo estável e comum na qual acreditar, tal como sempre foi fornecido pela religião ou pela ciência racional, elas passam a crer em praticamente qualquer coisa que lhes seja oferecida para preencher o vazio”, afirma Upton, e com razão.

A existência deste vácuo metafísico significa uma imensa oportunidade de poder, que parece já estar sendo aproveitada por gente oportunista. Ao longo dos últimos 70 anos, pelo menos, desde a suposta queda de uma nave espacial em Roswell, no Novo México, até as revelações oficiais de 2021, fomos pouco a pouco alimentados com pequenas rações de informação entregues por pessoas de algum modo ligadas ao meio militar, governamental ou científico, estou falando de delatores cuja retaguarda profissional confere credibilidade, e que volta e meia se apresentam como bravos emissários de revelações retumbantes e divulgadores de informações sigilosas. Em suma, enquanto os burocratas e políticos em exercício negavam a existência de OVNIs, funcionários públicos aposentados alardeavam a realidade das aparições e denunciavam um complô de ocultamento.

Charles Upton enxerga nisso um exemplo claro da conhecida técnica de estimulação contraditória, descoberta pelos soviéticos, e que consiste em apresentar informações opostas e simultâneas com o intuito de criar confusão mental e um senso de desorientação nas vítimas. As próprias narrativas dos filmes e séries sobre extraterrestres seguem esse padrão enervante, sendo as criaturas alienígenas ora apresentadas como abdutores sádicos e conquistadores cruéis, ora como seres iluminados e benevolentes capazes de tutelar a humanidade rumo ao progresso e à paz mundial.  O objetivo desse procedimento entorpecente é nublar o raciocínio do público, soterrado por informações incoerentes, e fazê-lo mergulhar num estado de estafa mental que anula todo juízo crítico e abre espaço para inoculação sub-reptícia de novas crenças e valores. Resumindo, trata-se de lavagem cerebral.

Este paciente processo de transformação da opinião pública, acredita Upton, faz parte de um “projeto de engenharia social de longo prazo desenvolvido de acordo com a abordagem ‘gradualista’ adotada pelos socialistas fabianos”. Segundo estes, uma consistente transformação das crenças coletivas e das estruturas sociais é mais facilmente atingida por meio de uma agenda contínua de sedução e sugestão, e não por uma revolução violenta que inevitavelmente traria consigo a reação contrarrevolucionária.

Mas qual o propósito de tudo isso? Em primeiro lugar, a artimanha só é possível porque se baseia em fenômenos reais. A farsa não é completa, trata-se de uma meia-mentira. Os seres sutis, de fato, se manifestam, aparecem no radar, deixam vestígios físicos, entram em contato com humanos e muitas vezes provocam consequências psicológicas devastadoras. A partir daí, a partir deste ponto de partida verdadeiro, os engenheiros sociais se valem da ignorância popular contemporânea e passam a vender realidades psíquicas como se fossem realidades materiais e extraterrestres. O objetivo é duplo: 1) unificar politicamente a humanidade; 2) destruir as religiões tradicionais para fundi-las em um novo culto. Há muito já vem sendo implantada a idéia de que a vida na Terra foi semeada por criaturas de outros planetas. Filmes como Prometheus e Alien vs. Predador, sem contar a massacrante e obsessiva repetição desta narrativa no History Channel, o que confere uma conveniente “historicidade” à fábula, enfeitiçam as multidões, passo a passo mais adestradas para aceitar o rebaixamento ontológico definitivo do ser humano. É isto que vem sendo preparado. Vão nos dizer que não fomos criados por Deus. Sequer evoluímos do macaco por meio de uma seleção cega e natural. Não, o ser humano é o fruto de um projeto de engenharia genética empreendido por visitantes extraplanetários. Todas as religiões são falsas, todas mentiram para nós. No máximo, representam leituras ingênuas de uma verdade suprema que somente agora temos condições de compreender. Sim, os deuses sempre foram astronautas, e a Criação tem uma explicação científica e material. Além do mais, os nossos verdadeiros criadores zelam por nós. São eles que devem ser cultuados num altar, a eles devem ser feitas preces e oferendas. Eles sempre estiveram no meio de nós. Ao longo dos últimos milênios, eles nos observam e nos orientam. Mas nós pisamos na bola, pecamos gravemente. Por conta da nossa estupidez, estamos destruindo o planeta, ameaçando a obra dos nossos pais. O experimento humano não deu certo. É preciso um upgrade, um upgrade genético e tecnológico. Não mais basta ser humano, devemos ir além, transumanar. E os nossos space brothers, de novo, vão nos ajudar. Veremos a criação de um novo homem, meio humano, meio máquina, um ser imortal que transcende os seus limites orgânicos. Esta é a solução, a saída da crise, seja ambiental, financeira, bélica, sanitária, qualquer coisa…

“O mito dos OVNIs é muito poderoso sobre a mentalidade contemporânea;”, declara Upton, “é um verdadeiro sinal dos tempos [grifo meu].  Isto decorre do fato que, a despeito de todas as suas implicações sinistras, há uma realidade arquetípica subjacente”. Carl Jung via nos discos voadores um símbolo do arquétipo do self e acreditava que eles representam a nossa aspiração pelo Segundo Advento. O fenômeno OVNI coopta este desejo humano e o direciona para uma paródia. A chegada dos alienígenas, compreendida como a nossa salvação, é uma contrafação demoníaca. Quando eles vierem, não haverá dissensão. Suas palavras serão ordens, ordens inquestionáveis. Ai daquele que ousar se contrapor!

Em verdade vos digo, o circo está armado para a humanidade abraçar o transhumanismo e o culto único da Nova Ordem Mundial. Minha geração não vê a hora de se ajoelhar perante o Anticristo.

 

Publicado no site da Editoria Danúbio.

Diogo Fontana nasceu em Curitiba em 1980. É escritor, editor e tradutor. Publicou a novela “A Exemplar Família de Itamar Halbmann” (Danúbio, 2018). Colaborador do Mídia Sem Máscara há anos, escreveu artigos para o jornal Gazeta do Povo e para os sites Brasil Sem Medo, Estudos Nacionais e Senso Incomum. Mora em Santa Catarina com a esposa Gabriela e o filho Constantino.

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4 Comentários
  1. Marcos Diz

    Que texto simplesmente fantástico!

  2. José Lindomar Cabral Diz

    Simplesmente sensacional. Só os escolhidos não serão enganados, nem se curvarão perante o Anticristo.

  3. Luis afonso Diz

    Um outro livro que li há anos e que traz uma perspectiva mais abrangente, é Unholy Spirits: Occultism and New Age Humanism. De Gary North, que recomendo.
    https://www.goodreads.com/book/show/2131142.Unholy_Spirits

  4. Wagner Diz

    Perfeito comentário, me surpreendi com a leitura. Parabéns Diogo.

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