No Dia da Queda da Bastilha, lembre-se: Jefferson estava errado sobre a Revolução Francesa

Por Miles Smith.

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Felizmente, Thomas Jefferson não era o presidente. Era George Washington.

A Revolução Francesa começou no dia 14 de Julho de 1789, quando os exasperados cidadãos de Paris, atiçados por um relativamente pequeno grupo de intelectuais de classe média, invadiu a Fortaleza da Bastilha e libertou os presos políticos lá detidos. Muitos americanos acreditaram que a França adotara a visão que eles tinham sobre liberdade e ordem e criaria uma república constitucional similar à americana. Os americanos, de boa vontade, sorriram para as convulsões políticas que se definiam em três palavras benignas: liberté, égalité, fraternité.

Liberdade, igualdade e fraternidade rapidamente se transformaram em opressão, desigualdade e anarquia.

A partir do momento em que a turba invadiu a Bastilha, mentiras, violência e uma teimosa dissonância cognitiva caracterizaram os revolucionários e seus partidários na América. A horda arrombou os portões do castelo e arrancou as cabeças do diretor da prisão e seu assistente. Enquanto que os rumores falavam em centenas de homens aprisionados na Bastilha, a fortaleza mantinha apenas sete homens: quatro homens condenados legalmente por falsificação e um aristocrata aprisionado a pedido da própria família por sua preferência por aventuras sexuais inspiradas no Marquês de Sade. O restante era insano – um homem que pensava ser Júlio César.

O desfile de cabeças ensanguentadas de homens mortos sem julgamento pelas ruas de Paris mostrou que desde o começo a Revolução Francesa seria feita de poder e violência. Thomas Jefferson parecia despreocupado. Ele animadamente observou que as execuções na Bastilha eram úteis para apressar os intransigentes nobres franceses a aderirem às seguintes etapas de radicalização da Revolução Francesa.

A simpatia americana pelos piores aspectos da Revolução Francesa, exemplificada por Thomas Jefferson, não é surpreendente. Os anos em que ele viveu na França lhe mostraram a evidente decadência moral da hierarquia da Igreja Católica, da autocracia e a estrutura disfuncional da monarquia Bourbon, e a relutância e o desinteresse em cumprir seus deveres da parte da aristocracia. Isso compreensivelmente convenceu Jefferson que o povo francês suportava um governo inteiramente irresponsável em relação às funções básicas e às necessidades da sociedade. A resposta de Jefferson, em público e na intimidade, era elogiar a democracia e a revolução sem qualquer princípio limitador. Apesar dos tumultos mortais e do reinado extralegal da Madame Guilhotina estarem anos no futuro, para quem vivia em 1789, o terrorismo inaugurou e sustentou a Revolução Francesa (até a ascensão de Napoleão Bonaparte) com a aparente simpatia de Jefferson, que serviu como Secretário de Estado durante os anos iniciais da Revolução Francesa.

Em outubro de 1789, outra turba violenta invadiu o palácio de Luís XVI em Versalhes. Os guardas do rei, recrutados na Suíça, lutaram com bravura mas foram subjugados, mortos e horrivelmente mutilados. Jefferson disse ao seu companheiro radical Thomas Paine que o massacre dos Guardas Suíços era uma parte natural do processo revolucionário. “Eu não tenho notícias exceto as que aparecem nos jornais ingleses. Você sabe o quanto acredito neles. Até agora, eu deduzo deles que o Rei, a Rainha e a Assembleia Nacional foram transferidos para Paris.” Jefferson sugeriu que os jornais ingleses exageravam muito a violência. “As turbas e os assassinatos com os quais [os jornais ingleses] enfeitam esse fato são como os trapos com os quais a religião veste o Deus Verdadeiro”.

Muitos americanos foram enfeitiçados por Jefferson. Depois perceberam, tarde demais, que eles apoiaram não a verdadeira liberdade, mas um violento ídolo de demagogia vestindo uma túnica ensanguentada de irrestrita e ingovernável social-democracia.

Jefferson questionava o conservadorismo dos debates da Revolução Americana e a república posteriormente criada a partir dos debates revolucionários e constitucionais dos anos 1780. Jefferson lamentava que a questão “de uma geração de homens ter o direito de criar outra república nunca parece ter sido proclamado em nosso lado do oceano”. Para Jefferson a ideia de leis atemporais e transcendentes parecia uma fraqueza no regime americano. A possibilidade de surgir uma geração com habilidade humana para derrubar todo e/ou qualquer fundamento social precedente parecia tão importante para Jefferson que ele acreditava que isso merecia um lugar “entre os fundamentais princípios de todo governo.”

Um amigo da Revolução Francesa Jefferson pode ter sido. Um crente no Originalismo (1) ele não foi.

Felizmente, Jefferson não era o presidente. Era George Washington. Jefferson e seus partidários tentaram envolver a América nas guerras revolucionárias da França contra a Inglaterra. Com considerável custo político para si mesmo, Washington recusou. O assassinato da família real francesa somente fortaleceu a resolução de Washington. Sua neutralidade baseada em bons princípios custou-lhe a ira de uma população americana que até então o adorava. Quando a França solicitou a extradição do embaixador francês, o impertinente Cidadão Genet, Washington recusou. Ele entendia que, enquanto a França pudesse parecer um ícone de liberdade para americanos, os interesses da América e sua herança de liberdade constitucional permaneciam com a Grã-Bretanha.

Para a fúria dos jeffersonianos francófilos, Washington assinou o Tratado de Jay, que permitiu o crescimento comercial da América apesar de permitir que os ingleses tivessem consideráveis privilégios na economia americana. Seu sucessor, John Adams, bombástico e desajeitado, mesmo assim recusou-se a ser intimidado pela falsa retórica de liberdade alardeada pelos sucessivos governos franceses. A França respondeu à neutralidade de Adams atacando navios americanos na chamada Quase-guerra (2). Quando Jefferson tomou posse como presidente em 1801, ele encarou a ditadura militar em que sua querida Revolução Francesa tinha se transformado. Napoleão Bonaparte tinha se tornado o líder da França em 1799 e coroaria a si mesmo Imperador em 1804. Ele depois vendeu a Louisiana para a América e deixou a república americana em paz, tratamento muito melhor do que aquele dado à América pela revolucionária França Republicana.

Apesar do apoio de Jefferson à Revolução Francesa, muitos americanos também viram sua opressiva vacuidade. Políticos e pensadores da nascente república entenderam a necessidade de deixar claro as diferenças de ideais entre Filadélfia e Paris. John Quincy Adams, na ocasião um jovem diplomata, traduziu um panfleto comparando as Revoluções Francesa e Americana porque o panfleto defendia a Revolução Americana “da imputação desgraçada de ter seguido os mesmos princípios de sua similar francesa”.

 

Notas do tradutor, Flamarion Daia:

(1) Originalismo é a teoria de que a Constituição Americana deve ser interpretada de acordo com a intenção de seus autores, que por sua vez deve ser determinada examinando os sinais que mostram como os termos presentes na Constituição eram compreendidos em seu contexto histórico.

(2) A Quase-guerra (Quase-guerre em francês), foi um período de conflitos marítimos envolvendo Estados Unidos e França, entre 1798 e 1800, que se deflagrou durante a presidência de John Adams. O termo “quase” se deve ao fato de nunca ter sido declarado um confronto entre os dois países, apesar de algumas batalhas navais terem sido travadas.

 

Miles Smith, Ph.D., é um professor assistente da Regent University, no Departamento de Governo, História e Justiça Criminal.

Publicado originalmente no Washington Examiner.

 

 

1 comentário
  1. Chauke Stephan Filho Diz

    Como é fascinante a História ! Que disciplina maravilhosa !

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