Islã, Turquia, Rússia e assuntos correlatos

Por Daniel Pipes

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Foto: Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdoğan, presidente da Turquia.

 

Entrevista de Rolf Ostner a Daniel Pipes, para o Global Review (Alemanha).

Global Review: é certo assumir que o Estado Islâmico uma vez derrotado, signifique que o islamismo deixou de ser um tema central para a política externa dos Estados Unidos. Se este for o caso, seria esta uma manobra inteligente?

Daniel Pipes: Sim, é certo assumir que tanto em relação à política externa quanto à interna, o islamismo deixou de ser um tema central se comparado ao período entre 2001 e 2016,em parte devido ao recuo do ISIS. Mais importante ainda é o fato da violência jihadista ter praticamente acabado, enquanto a China, a Esquerda Global e a COVID-19 viraram a hora da vez nos noticiários. No entanto, não é uma manobra inteligente, o islamismo continua sendo uma grave ameaça ideológica.

GR: Trump dirige o foco principalmente sobre a China e o Irã. O senhor concorda com esta ênfase?

DP: concordo, estes países são ameaças de primeira ordem, juntamente com a Coreia do Norte, Rússia, Turquia e Venezuela. Minha principal crítica à política de Trump em relação a estes regimes hostis diz respeito à sua estranha estreita relação com Recep Tayyip Erdoğan da Turquia.

GR: John Mearsheimer sustenta que uma Rússia enfraquecida se depara com a opção de se sujeitar à China, Turquia ou ao Ocidente, o que o senhor acha? É possível uma aliança Ocidente/Rússia contra o islamismo?

DP: a Rússia está em franco declínio, principalmente porque seu recurso mais importante (petróleo e gás) e a sua população estão encolhendo. Concordo que Moscou se depara com a opção chinesa ou a Ocidental, mas a Turquia é uma parca potência, portanto não uma opção. E sim, o Ocidente e a Rússia poderiam se aliar contra o islamismo, se houvesse uma liderança diferente em Moscou.

GR: a abordagem Trump-Netanyahu de elaborar uma aliança de países muçulmanos anti-Teerã tem condições de dar certo?

DP: o execrável JCPOA (Plano de Ação Conjunta) de Barack Obama (acordo nuclear com o Irã) teve o lado positivo de acordar inúmeros líderes árabes no tocante à ameaça iraniana. Ao acordarem, para eles o papel de Israel mudou de inimigo dos palestinos para amigo em relação ao Irã. Essa abordagem tem suas limitações, mas também potencial. Mal posso esperar ouvir a notícia que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita Mohammad bin Salman desembarcou em Israel.

GR: a campanha de “pressão máxima” dos EUA contra os mulás está dando certo? Como ela pode ser melhorada?

DP: ela deu certo quanto aos quesitos de abalar a economia iraniana e limitar os meios do regime em adotar políticas agressivas, contudo ela não deu certo nos quesitos de causar fissuras no governo, tampouco em mudar aquelas políticas agressivas. Caso Trump seja reeleito, estas questões também poderão ser geridas. Caso contrário, os mulás ficarão muito felizes.

GR: é possível conter um Irã com armas nucleares, dados os arsenais avassaladoramente mais poderosos dos Estados Unidos e de Israel?

DP: não, não há como contar que os governantes de Teerã sejam atores confiáveis. Por exemplo, a mentalidade mahdaviat poderia induzi-los a iniciar uma conflagração nuclear. Eles não podem de maneira alguma adquirir armas nucleares.

GR: o perigo de um Irã nuclear é primordialmente relacionado à ameaça a Israel ou à proliferação nuclear?

DP : a ameaça a Israel e a muitos outros países é de longe mais iminente do que a não proliferação nuclear.

GR: Erdoğan se enquadra melhor na Organização para a Cooperação de Xangai dominada pela Rússia e pela China do que na OTAN?

DP: não resta dúvida. Espero que esta dança das cadeiras aconteça, assim a OTAN poderia ver a Turquia como desafeto e também no sentido de ver o islamismo como inimigo.

Os mulás ficarão extasiados se Joe Biden for eleito presidente, bem como o ministro das relações exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif (acima à direita, conversando com o então Secretário de Estado americano John Kerry em 2015).

GR: o que o senhor acha da teoria de dois cinturões islamistas: o cinturão do norte de Erdoğan se estendendo da Líbia à Síria aos Bálcãs ao Cáucaso e o cinturão do sul do ISIS se estendendo da Nigéria à Somália?

DP: ela não representa muito bem a realidade. Onde fica o cinturão iraniano? E as estreitas relações turcas com o Paquistão e a Malásia?

GR: o Império neo-Otomano de Erdoğan poderá se tornar do tamanho do antigo Império Otomano?

DP: “Império neo-Otomano” é um termo indefinido. Se o significado for a influência sobre (não controle) uma região, então não, ele não tem condições para tanto. Erdoğan aliena praticamente a todos, com exceção de alguns casos isolados como Azerbaijão, Catar e alguns grupos islamistas.

GR: dá para fazer uma analogia entre a Turquia de Erdoğan, situada na região central do Grande Oriente Médio e o Reich alemão situado no centro da Europa?

DP: não dá. A Turquia como país existe somente há um século, durante o qual não se viu diante de realidades comparáveis as do Reich alemão. Há vinte anos a Turquia não tinha inimigos, agora, graças à agressão e falta de competência de Erdoğan, está rodeada por eles. Basta voltar à política externa anterior e os inimigos desaparecerão.

GR: é possível que haja a islamização do Ocidente, dado que os muçulmanos são uma minúscula minoria e que uma boa parcela é formada de seculares e moderados?

DP: compare a taxa de natalidade no Ocidente com a da África e será possível ver que não se trata apenas de possibilidade e sim de probabilidade.

GR: o senhor vê partidos políticos como a União Nacional na França, PiS (Lei e Justiça) na Polônia e Fidesz na Hungria como barreiras à islamização do Ocidente; não seria isso sacrificar a democracia em nome de uma possibilidade teórica?

DP: três particularidades: primeira, conforme respondi anteriormente, não é teoria e sim probabilidade. Segunda, apesar desses partidos terem muitos pontos merecedores de pesadas críticas, caracterizá-los de antidemocráticos é mera especulação mal-intencionada. Terceira, seus opositores são ainda piores, deixe-me apresentar um exemplo oportuno da votação no senado italiano para retirar a imunidade parlamentar de Matteo Salvini para que o ex-ministro do interior pudesse ser levado às barras do tribunal (o que já aconteceu) pelo crime de “sequestro”, porque ele se recusou a permitir que uma embarcação repleta de migrantes ilegais entrasse no país. Quem mesmo é antidemocrático?

GR: será que o importante discurso de Macron sobre o Islã proferido em 2 de outubro irá impactar a política francesa? Ou a de outros países europeus?

DP: uma pesquisa de opinião realizada pelo jornal Le Figaro, constatou que três quartos da população francesa é cética quanto ao discurso fazer alguma diferença, e eu concordo. David Cameron também fez excelentes discursos que não deram em nada. Impacto no exterior? Se o discurso malograr na França, ele certamente não irá influenciar outros países.

 

Daniel Pipes (DanielPipes.org@DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum e colunista premiado dos jornais New York Sun e The Jerusalem Post. Doutor em História pela Universidade de Harvard, é autor de mais de 10 livros.

Publicado no Global Review com o título “Irã Nuclear: ‘A Ameaça a Israel e a Muitos Outros Países é de Longe mais Iminente do que a Não Proliferação Nuclear’.”

Original em inglês: The Latest on Islamism (and Related Topics)
Tradução: Joseph Skilnik

 

 

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