Contra o mito da invencibilidade das elites globais

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Cuidado com o bicho-papão! Se isto se tornar uma obsessão, você passará a enxergá-lo como sendo invencível – do jeito que eles querem. Mas, na verdade, não é assim: até mesmo os poderosos são vulneráveis. É exatamente por isso que eles fazem de tudo para nos controlar. Os seus imensos privilégios não garantem a sua segurança. Se entendermos isso, eles, os bichos-papão, também terão medo de nós. Assim afirma Paolo Barnard, autor de denúncias realmente devastadoras contra a oligarquia mundial: livros; reportagens; pesquisas; ensaios afiados e proféticos, como “O maior crime”, que coloca em questão – muito à frente da imprensa – o nascimento na Europa de uma “ditadura” tecnocrática do Euro, desenvolvida pela direita liberal, com a ajuda da esquerda “renegada”, recrutada secretamente pela elite para demolir a democracia social no Ocidente. O mesmo Barnard adverte hoje: “No imaginário popular, há um erro trágico, que destrói as possibilidades reais da opinião pública de melhorar a própria vida. Pensa-se, de verdade, que as maiores fortunas privadas são os donos do mundo. Os Rothschild! As multinacionais! A grande mídia! Eles não são.”

Naturalmente, os mais poderosos “tentam ser” os donos incontestáveis do planeta. Eles tentam “com todo tipo de lobby, chantagem e corrupção”. Mas, para o jornalista, a verdade fundamental continua sendo esta: “Os governos permitem a Jacob Rothschild agir.” Mas atenção: “‘Se permitirem’, pois os governos ainda são os donos do mundo. E estes podem nos salvar, ainda.” Não acredita? “Pergunte ao GlaxoSmithKline, gigante do setor farmacêutico, que gera 24 bilhões de dólares ao ano.” Pergunta: “Porque é importante manter esta informação em mente? Porque os governos são sempre dependentes da opinião pública, ainda que frequentemente se esqueçam disso, por covardia. Portanto, deduz-se “sem sombra de dúvidas” que – visto que os governos ainda são “os donos do mundo” –, de fato “eles responderiam à opinião pública, se ela se fizesse ouvir”. Então, “é verdade que os homens e mulheres comuns possuem”, teórica e tecnicamente, “o máximo poder, na realidade”. Porém, eles não mostram vontade de exercê-lo, por estarem convencidos de que “o dono do mundo é o Rothschild, isto é, são as fortunas privadas.

O barão Jacob Rothschild? “É poderosíssimo”, certamente, “mas nem mesmo ele conseguiu bloquear a ação dos políticos quando, à época do tratado supranacional, criado pelo BCE (Banco Central Europeu) – o TEFU (Tratado do Funcionamento da União Europeia) –, eles escreveram uma legislação maldita, que põe nas mãos do BCE o poder de bloquear qualquer grande banco na Europa”. Resultado: hoje, na Europa, os grandes bancos “possuem uma bomba nas mãos, que pode explodir a qualquer momento, apenas por vontade política” (Na Europa, “mas também nos EUA, através de várias legislações”). O mítico Rothschild “certamente pode influenciar Mario Draghi, mas ele não tem acesso ao botão vermelho”. E quem poderia reescrever esta legislação? “O governo” que, até que se prove o contrário, ainda são organismos escolhidos de forma democrática, via eleição. Barnard diz que assim o demonstra o caso da Glaxo: a multinacional farmacêutica “onipotente” foi literalmente impedida pelo governo – a começar pelo governo Chinês. Se [os políticos] quiserem, são eles ainda quem estão no comando. E não há bicho-papão que possa impedí-los.

“Tudo começa com um tweet de Bernie Sanders, ex-candidato à Casa Branca, que neste dia se pôs a atacar as gigantes farmacêuticas”, explica Barnard, reconstruindo o caso. “Bernie acorda de manhã e escreve um tweet no qual critica, por exemplo, a multinacional Eli Lilly e, em seguida, as suas ações despencam. Uns dias atrás, ele disparou contra a GlaxoSmithKline e, de novo, um crash nas respectivas ações”. Mas sobre a Glaxo pesa um retrospecto espetacular: “A Glaxo é um colosso, habituada a fazer o mundo de gato e sapato desde sempre. Se apresenta aos governos, às agências sanitárias, aos médicos e os corrompe, impõe tratamentos e ainda faz coisas piores, como todas as suas colegas multinacionais.” Um dia, a Glaxo chega à China e, como de costume, distribui propinas. “Mas, em Londres, o nº 1 da Glaxo, Andrew Witty, comete o erro da sua vida: deixa de estudar geopolítica e não percebe que a China está mudando imensamente”. Ou então: “O presidente Xi Jinping não está de brincadeira. E então, eis que se iniciam os problemas. Tudo começa com o “delator” da vez, um hacker anônimo que envia, tanto ao governo de Pequim quanto a Witty em Londres, um e-mail contendo relatos de corrupção da Glaxo na China, que fazem Witty vomitar”. Ou seja: “O número 1 do colosso inglês pagava propina na China aos administradores e médicos, através de laranjas em agências de viagem e se divertia com prostitutas – tudo às custas dos doentes, como de costume”.

E aqui as coisas pioram. Continua Barnard: “Dentre os homens de Xi Jinping, quatro leem o e-mail que chocou Witty, e o conselho administrativo em Londres se dá mal”. A Glaxo “tenta de tudo para encobrir o caso, contrata um detetive particular para despistar as provas e continua com a corrupção: de fato, corrompe para comprar o silêncio dos chineses”. Um erro enorme. “São cinco da manhã de um dia de agosto de 2013. As portas do apartamento luxuoso do gerente geral da Glaxo em Xangai ou Pequim são arrombadas e os ingleses são rendidos e logo colocados em cativeiros imundos, dentre eles o notório Palazzo 803, onde os dissidentes são interrogados. A notícia chega a Witty em Londres como uma bomba. Pânico total”. Os chineses de Xi Jinping não brincam em serviço: “As provas são apresentadas antes mesmo de se interrogar os gerentes britânicos e o detetive particular. Depois, a confissão dos detidos é transmitida ao vivo, na televisão.” Uma catástrofe: “As provas são tão contundentes que Witty admite tudo, em uma coletiva de imprensa onde, literalmente, o gerente ultra-poderoso de uma gigante mundial, pede piedade e desculpas”.

A consequência: uma multa de 500 milhões de dólares à Glaxo; expulsão de alguns gerentes sob reprovação pública; e outros a apodrecer na cadeia. “A Glaxo se apressa, suando frio, para reescrever todos os seus códigos de conduta na China, e reduz o preço de seus remédios em Pequim”. O efeito cascata: “As outras gigantes mundiais, como a Pfizer ou Novartis, limpam imediatamente os seus negócios com a China”. Mas isso não acaba aqui: “A Microsoft passa a ficar atenta, pois está sob investigação pelos chineses; a Disney treme; a Apple corre para autodenunciar-se por evasão fiscal na China”. Pior ainda: “O governo americano, seguindo a política da mão de ferro do governo chinês, encontrou forças para detonar as super gigantes farmacêuticas, como Pfizer, Eli Lilly e – de novo – a Glaxo, que recebeu de Washington uma multa de três milhões de dólares, por conduta imprópria”. Barnard complementa: “Penso que Andrew Witty, no período de poucos meses, tenha passado de um esnobe ‘Rothschild da farmacêutica’ a uma simples ovelha, que sua frio à noite e, assim como ele, outros diretores das maiores multinacionais do mundo”.

Agora, seria possível argumentar que “a China é agora um monstro de poder tal que, assim como os EUA, o seu governo pode se permitir subjugar até mesmo o imperador do universo”. Errado: “Até mesmo a Suécia poderia fazer exatamente o que Pequim fez, e por dois motivos claros”. Primeiro: hoje, “se os escândalos tornam-se públicos”, ocorre que “a notícia causa um baque monstruoso nos investidores, que não querem arriscar, nem por um segundo, as suas mega-empresas e mega-bancos na Bolsa”. Basta ver o que o tweet de Bernie Sanders fez. Segundo motivo: “O governo da Suécia, com soberania monetária (assim como o da China), não teme a ameaça típica das multinacionais: ‘se tocar em mim, vou retirar os investimentos’. Isso ocorre simplesmente porque não há no mundo um poder econômico, de qualquer tipo, que possa ter o poder de fogo de um Banco Central coordenado com o Ministério da Economia”. Em outras palavras: “Na condição de soberania monetária, o Banco Central de um país em boa saúde “pode, em um estalar de dedos, destruir em uma tarde a concorrência entre Apple, Microsoft, Volkswagen, JP Morgan, Goldman-Sachs e Toyota juntas. Então, um governo que assim o quisesse, “poderia esmagar qualquer Rothschild, de qualquer setor privado, ponto”. Porque não o fazem com mais frequência? “Muito pouca pressão da opinião pública”. E então, conclui Barnard, “podemos talvez fazê-lo com o quarto barão, Jacob Rothschild? Mas não: somos um bando de tolos e covardes que ficam sentados em uma mina de ouro, pensando que é um bidê”.


Editorial do jornal Libre, de 9 de dezembro de 2016. “Sfatiamo un mito: i Rothschild e Big Pharma ci temono“.

Traduzido pelo “Tradutores de Direita” e publicado em Estibordo.org

1 comentário
  1. Tobias Diz

    Dificil acreditar que em um mundo globalizado exista um governo com tamanha independência de ação. O exemeplo Chinês não corresponde à realidade pela postura imperialista do seu governo, sem paralelos em qualquer outra administração pública.
    Será que no Brasil, mesmo sob um governo conservador e nacionalista – de fato, não de intenção como o atual – seríamos capazes de dizer não às pressões das grandes empresas? Acredito que sim, mas sei que isso é totalmente diferente de dizer não à Soros, por exemplo, que atua no underground, no deepstate, onde cada ação pode ser tomada sem afetar a bolsa do dia utilizada de alarme contra furtos no mundo empresarial.

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