Linguagem metonímica e ilusionismo vocabular
Por Ricardo Alfaya Saravia
Dia desses me chamou a atenção um episódio de vida e morte apresentado em um documentário sobre o mundo animal: Uma serpente espreitava sobre um rochedo com o corpo perfeitamente camuflado, exceto pela extremidade da cauda que simulava ser uma pequena aranha a oscilar desprevenida. O movimento da isca, atraiu a atenção de um pássaro, que ao mergulhar sobre o suposto alimento foi surpreendido por um ataque da serpente. O pássaro teve reflexo suficiente para escapar do bote. Entretanto, permaneceu voando no raio de alcance da serpente por infindáveis segundos, como se estivesse preso por amarra invisível, até que com um segundo bote certeiro a serpente o capturou. Eu, que durante os segundos dramáticos torcia para que o pássaro escapasse da serpente, pensei perplexo: Que pássaro estúpido! Tendo a imensidão do céu para se salvar, como pode ter se deixado abater em um espaço exíguo ao alcance de um predador rastejante com raio de alcance limitado?!
Lembrei que sábios da antiguidade ensinavam que serpentes hipnotizavam pássaros…. Lembrei que sábios da atualidade alegam que algumas vítimas de serpentes ficam imóveis diante delas, não por serem hipnotizadas, mas por saberem que elas identificam suas presas através dos movimentos. Pensei no pássaro capturado batendo asas em frente à serpente e não me pareceu uma simulação de imobilidade…. Além disso, ponderei que sábios da atualidade também alegam coisas como a eficácia de confinamentos forçados de pessoas saudáveis para combater epidemias… e a confiabilidade de processos eleitorais com urnas eletrônicas sem voto impresso, inauditáveis e incontestáveis…. Sábios da atualidade também costumam se referir a instituições como se elas fossem pessoas físicas, vivas, inteligentes, imparciais e magnânimas…. E definitivamente, me pareceu que os sábios da antiguidade é que tinham razão.
Pensando no embuste das instituições vivas, percebi que a captura do pássaro pela serpente serve de metáfora perfeita para o que tem acontecido no embate que atualmente vivemos no Ocidente, entre conservadores(1) e progressistas(2). Nessa luta, a imensa maioria dos conservadores tem se comportado como o pássaro que se deixa capturar pela serpente. Dos conservadores que saem às ruas em defesa de valores tradicionais, mas quando voltam para casa ligam a TV para assistir novelas e telejornais do mainstream progressista. Passando pelos que embora não assistam novelas e percebam militância nas notícias dos telejornais, desperdiçam feriados assistindo filmes padrão, politicamente corretos. Aos que não costumam assistir novelas ou telejornais, e em vez de assistir os filmes mainstream, preferem ler bons livros e buscar informação verdadeira ainda disponível na internet, mas mesmo assim não conseguem se desvencilhar das teias neurolinguísticas progressistas.
Deveria bastar o bom senso elementar para qualquer conservador perceber que, até mesmo como figura de linguagem, responsabilizar instituições é algo tão estúpido quanto, culpar o sofá da sala pela traição, a arma pelo homicídio, o carro pelo atropelamento… ou permanecer no raio de alcance de uma serpente até ser picado por ela. No entanto, mesmo os mais inteligentes e combativos formadores de opinião conservadores, costumam hipnoticamente repetir a linguagem metonímica dos progressistas, engendrada por estes como ferramenta de distorção da percepção e da expressão de realidade. E eis que a todo momento conservadores repetem metonímias do tipo: “Ministério Público pede à Justiça desmobilização de acampamento de apoiadores de Bolsonaro”. “OAB pede impeachment de Bolsonaro”. “A Globo quer derrubar Bolsonaro”. “Rússia prende manifestantes”. “China escondeu informações sobre Covid-19”. “STF manda prender jornalista”. “facebook censura posts de conservadores”. Etc., etc.
Ora, em todas essas expressões metonímicas a realidade é sutilmente desvanecida: os agentes reais, pessoas de carne e osso são sutilmente ocultados nas instituições que conduzem, bem como suas responsabilidades sutilmente transferidas às instituições.
“Bobagem! São apenas figuras de linguagem”, dirão os conservadores ingenuamente apegados à linguagem metonímica.
“Teoria da conspiração!”, dirão os progressistas, com um risinho dissimulado…. E é incrível o quanto este velho clichê progressista ainda desarticula conservadores receosos de serem enquadrados entre os que não conseguem ver a roupa nova do rei.
Entretanto, nada mais óbvio do que o fato de que sistemáticas expressões deslocadas da realidade geram sistemáticas percepções deslocadas da realidade. Esse é o elemento central da estratégia dos progressistas, que não podendo alterar realidades concretas sobre as quais se fundamenta a cosmovisão ocidental, precisam distorcer suas percepções, perverter conceitos, ressignificar palavras… criando uma atmosfera psicológica deslocada da realidade, que naturalmente termina precisando ser complementada por um uma “boa ditadura do bem”.
Não por acaso, recomendava Lênin: “aos incorrigíveis uma bala na cabeça! Se não permitimos que nos atinjam com armas, muito menos podemos permitir que nos atinjam com palavras, que são mais perigosas que armas”.
Para ilustrar, comparemos os efeitos psicológicos subjacentes a duas formas de noticiar um mesmo fato. Notícia com metonímia: “Por determinação do STF a polícia prendeu um jornalista acusado, pelo próprio STF, de promover atos antidemocráticos contra os Poderes da República”. Notícia sem metonímia: “Por determinação de um ministro do STF, policiais prenderam um jornalista acusado, por esse mesmo ministro do STF, de promover atos antidemocráticos, contra os poderosos da República”.
Na primeira forma de relatar o acontecimento, diz-se que uma pessoa abstrata a mando de outra pessoa abstrata, prende uma pessoa física real, acusada de promover atos antidemocráticos contra pessoas abstratas, impolutas e incontestáveis…. Uma ilusão! Na segunda forma, diz-se que pessoas físicas reais, imperfeitas e falíveis, a mando de uma pessoa física real, imperfeita e falível, prendem uma pessoa física real, também imperfeita e falível, acusada de promover atos antidemocráticos contra pessoas físicas reais que exercem poder em nome de uma pessoa abstrata…. A realidade! No primeiro caso, a prisão parece tratar-se de ato legítimo e incontestável, cabendo imputabilidade de falha, culpa ou dolo apenas à pessoa física real, já que as pessoas abstratas envolvidas são encarnações de ordem e justiça. Enquanto no segundo caso, abre-se também para os agentes públicos reais a possibilidade de falha, culpa ou dolo, como por exemplo abuso de autoridade, improbidade e conivência no caso de cumprimento de ordens ilegais. Mais ainda: A primeira forma de expor o acontecimento corrobora a enganosa sentença: “a pior ditadura é a do judiciário, porque contra ela não há a quem recorrer”. Enquanto a segunda, suscita discussões e providências no sentido de defender a democracia, provendo mais proteção às liberdades individuais de cidadãos comuns – cada vez mais oprimidos por agentes públicos despóticos – e contendo os abusos dos verdadeiros donos do poder, seja por meio de punições, seja por diminuição de prerrogativas, salvaguardas e privilégios.
Agentes públicos geralmente têm plena percepção dessas sutilezas, e conforme a conveniência podem buscar pessoalizar em si os poderes de instituições públicas, ou impessoalizar suas culpas nessas instituições. Exemplo disto é o caso da prisão do jornalista Osvaldo Eustáquio, perseguido político, preso por policiais que cumpriram ordem abusiva do ministro Alexandre de Moraes, que usurpou atribuições. O jornalista, que entrou na prisão andando com as próprias pernas e saiu em cadeira de rodas, relatou ter sido agredido por um policial, que tripudiou dizendo-lhe: “O Estado sou eu”! Muito provavelmente, se o mesmo policial fosse processado por abuso de autoridade, alegaria ter apenas cumprido ordens e lançaria a culpa no Estado. Aliás, já ouvi até conservadores endossarem esse ardil, acusando “o Estado” pelos abusos e usurpações cometidos contra Osvaldo Eustáquio, em vez de acusar os agentes públicos envolvidos, que deveriam ser responsabilizados e destituídos.
Conservadores, dos mais obscuros aos mais destacados formadores de opinião, costumam se iludir com a linguagem metonímica. Certa vez conversando com três amigos, de boa formação intelectual, preocupados com a decadência da Civilização Ocidental, comentei sobre um livro de renomado historiador inglês, que concluiu encontrar-se nas instituições essenciais do mundo ocidental a chave dessa degeneração. Eu disse a eles que identificara nesta conclusão um erro-chave de percepção e perguntei que erro seria esse. Meus amigos fizeram várias conjeturas, mas envolvidos pelo poder de indução da linguagem metonímica, não conseguiram perceber que instituições não têm vida própria, portanto o problema não está nas instituições ocidentais em si, mas na mentalidade vigente, nos valores e referências adotados pelas pessoas, os agentes reais que as ocupam, e a forma como as tem conduzido.
Não apenas para pessoalizar instituições impessoalizáveis e impessoalizar responsabilidades inimpessoalizáveis serve a linguagem metonímica… há nela ainda outro efeito subjacente: promover a dissolução psicológica das individualidades em classes massificadas. Justamente o oposto do ideal civilizatório judaico-cristão ocidental. Esse propósito nunca foi segredo para os progressistas de diversos matizes e épocas, podendo ser claramente constatado, por exemplo, neste trecho de pronunciamento apresentado no XIII Congresso de Partidos Comunistas, em 1924(3): “(…) Será somente a partir da destruição de todas as sobrevivências pequeno-burguesas do ‘Eu’ individualista que se formará a falange de ferro dos bolcheviques franceses. (…)”.
Sutilezas vocabulares e seus efeitos subjacentes não deveriam passar sistematicamente tão despercebidas pela imensa maioria dos conservadores. Afinal, a linguagem é ferramenta de precisão para expressão de percepções e ideias. No entanto conservadores geralmente são ludibriados não apenas com a linguagem metonímica, mas com todos os tipos de ilusionismos vocabulares empregados à exaustão pelos progressistas.
Há ilusionismos dissociativos, como por exemplo, empregar a sigla “ISIS” em vez do nome “Estado Islâmico”, para dissociar do islamismo seus adeptos que expuseram ao mundo as entranhas do obscurantismo islamista. Ou, usar a denominação “bolivarianismo” para dissociar do socialismo seus adeptos “socialistas do Século XXI”, que repetiram na Venezuela as catástrofes causadas mundo afora pelos socialistas do Século XX.
Há ilusionismos inversionistas, como por exemplo acusar de “islamofobia” vítimas de opressão e terrorismo islâmico. Acusar de intolerância quem se rebele contra a ditadura comportamental politicamente correta. Ou ainda, negar obstinadamente a eficácia do tratamento precoce contra o Chinavírus, e acusar de negacionistas os defensores do tratamento.
Há também ilusionismos eufemistas, como os empregados com muita eficácia no processo de impeachment de Dilma Roussef, no qual a prática de fraude fiscal foi eufemizada para “pedalada fiscal”. E a escandalosa violação da Constituição Federal, no sentido de manter os direitos políticos da presidente deposta por improbidade, foi eufemizada para “fatiamento do impeachment”. No final do processo, a presidente de um governo imerso em corrupção, que só pela negociata da Refinaria Pasadena já merecia alguns anos de cadeia, foi deposta por improbidade, mas teve mantidos inconstitucionalmente seus direitos políticos. Uma escandalosa violação constitucional, endossada pelos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, que só por essa improbidade deveriam ter sido destituídos também.
Não faltaram conservadores que se manifestassem contra toda essa vigarice judicial, mas hipnotizados pela linguagem metonímica dos progressistas, não só desperdiçaram esforços preciosos protestando contra instituições, em vez de protestar contra as improbidades dos agentes públicos desonestos e exigir suas destituições, como ainda proporcionaram o contragolpe inversionista para os vigaristas os acusarem de antidemocráticos. De que adianta lutar bravamente quando se faz o jogo do inimigo?
É impressionante a contumaz negligência vocabular da imensa maioria dos conservadores da atualidade, quando o ilusionismo vocabular – das distorções gramaticais grosseiras às vigarices semânticas, passando por jogos de palavras capciosos e teorias insidiosas – constitui justamente o elemento central da estratégia progressista. Que adianta ter o universo da instrução conservadora clássica, da filosofia, da espiritualidade e da linguagem para se elevar, mas bater asas hipnoticamente no limitado, ardiloso e peçonhento espaço intelectual progressista?…
Enquanto não se desvencilharem da hipnose progressista, conservadores continuarão a repetir a estupidez do pássaro que permanece voando ao alcance da serpente até ser morto por ela.
Notas:
1 Admita-se por conservadores os que defendem as liberdades individuais, o livre arbítrio orientado pela velha e boa moral judaico-cristã, a autonomia responsável do indivíduo e da família diante da sociedade e dos governantes, a meritocracia, a democracia representativa, o livre mercado e o estado de direito.
2 Admita-se por “progressistas”, os que defendem a desconstrução e a substituição da cosmovisão ocidental, propondo a supressão das liberdades individuais e da “família patriarcal tradicional”, o coletivismo classista, o relativismo moral, a terceirização e difusão de responsabilidades, a inversão de culpa, o controle social, o estatismo intervencionista, o estado de perversão jurídica, etc. Nesse contexto, isentões, acomodados na zona de conforto e alienados costumam servir como idiotas úteis aos progressistas.
3 Apud Livro Negro do Comunismo.
Só não dá para ficar chamando essa gente de PROGRESSISTAS, né? São COMUNISTAS mesmo.
Hahaha!! Verdade! Verdadeiro eufemismo, como alerta o professor Olavo.
“””Notas: Admita-se por conservadores os que defendem as liberdades individuais, …
2 Admita-se por “progressistas”, os que defendem a desconstrução e a substituição da cosmovisão ocidental, propondo a supressão das liberdades individuais … “””
Esse é o problema. Enquanto vocês dão esse significado para essas palavras, apenas uma vez por ano. PONTO. Os esquerdistas dizem 10 vezes por dia (ou repetem a mentira mil vezes, como ensinou Hitler), que : “Conservador, conserva tudo o que há de ruim; e progressistas, querem mudanças para melhor”.
Resumindo: Ou vocês comecem a trabalhar mais; ou parem de usar (adotar) adjetivos, para costumes.
Agudeza aquilina.