A ironia da falsa democracia brasileira
Por Isabela Cota
Enquanto juram haver plenas liberdades individuais protegidas pela constituição, aplaudem a criminalização dos protestos populares.
Depois de uma breve discussão política com um antigo colega de ensino fundamental — de quem só tenho boas lembranças, diga-se de passagem —, fica ainda mais evidente a verdade inegável de que o Brasil sequer sabe o que é a democracia.
Sem grosserias ou xingamentos, mas com visões contrárias e igualmente enfáticas, estávamos ambos deixando bem claras as nossas posições naquilo que eu acreditava ser apenas mais uma discussão política virtual. Qual não foi a minha surpresa quando, ao notar a ausência de respostas e voltar para verificar a nossa discussão, descobri-la inexistente. Continuam lá as concordâncias. Mas não há sinal das minhas discordâncias.
Tal colega, que acaba de sair de uma corrida eleitoral para deputado federal, escolheu silenciar a voz discordante de uma dona-de-casa. Não posso deixar de imaginar o que ele pensa ser Brasília. Será o congresso constituído de scholars ingleses tomando chá enquanto discutem academicamente suas mais variadas posições e elevados ideais?
Devemos ao PT essa completa inversão do sentido de democracia. Com quase duas décadas de domínio intelectual no ensino, na cultura e na mídia; com a diluição do embate entre direita e esquerda no cenário político e a aceitação da alternância de poder entre a esquerda moderada e a esquerda revolucionária, criou-se no Brasil a falsa idéia de que a uniformidade de pensamento e a aparência de normalidade caracterizam a democracia (Cuba, China e Coréia do Norte não são aqui meras coincidências).
Com o vislumbre de verdadeira democracia e embate político a que o Brasil foi exposto nos últimos quatro anos, surge então o escândalo diante de idéias contrárias mas igualmente bem fundadas e a indignação diante da pluralidade de vozes. Quem quer que nunca tenha parado para refletir no real significado de democracia e nas conseqüências do esquerdismo cimentado em nosso país, faz-se vítima hoje da mais perfeita ironia.
Enquanto educadamente rotulam a opinião contrária de histeria, ficam extremamente ofendidos se confrontados e determinam, então, o fim da conversa que não vai levar a nada. Enquanto negam existir um estado judicial autoritário, apóiam o juiz que censura e elimina vozes dissonantes em nome do estado democrático de direito. Enquanto zombam do povo exagerado que enxerga comunista debaixo da cama, temem as perigosas famílias fascistas que tomam as ruas em protesto pacífico país afora.
Enquanto juram haver plenas liberdades individuais protegidas pela constituição, aplaudem a criminalização dos protestos populares e lideram um chamado a fotografar e reportar o povo às devidas autoridades. Enquanto votam contra o “golpista”, escolhem quem roubou mais de trilhão, foi condenado e, mediante aparelhamento de estado e golpe do judiciário, foi solto e permitido a presidir o país novamente. Enquanto julgam ser uma tolice dizer que o Brasil se tornará uma Venezuela, nem se dão conta de que, ao menos culturalmente, não só já vivem em um estado policial como agem em contribuição a ele.
É por se submeterem a esse falseamento irônico da realidade que o orçamento secreto de ontem facilmente torna-se a “emenda do relator” hoje; que as manifestações petistas eram atos de resistência enquanto as de direita são “movimentos antidemocráticos golpistas”; que a inaceitável assistência de R$ 600 torna-se a aceitável assistência de R$ 400. E é por isso que, guiados por repulsa nauseante ao imaginário presidente fascista, escolheram o verdadeiro fascista.
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O Brasil ainda é constituido por uma parcela de Bem que esta disposto a lutar por sua liberdade .
A democracia brasileira morreu quando os militares deixaram o poder…
que texto maravilhoso, coerente, sensato, etc etc etc.