Ao estilo dos ditadores, duas organizações médicas querem remodelar nossa linguagem

Por Theodore Dalrymple

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Não é fácil produzir um documento ao mesmo tempo gorduroso, prolixo e mal escrito, auto-indulgente e presunçoso; desonesto, sentimentalóide, intimidador e sinistro, mas a American Medical Association (AMA) e a Association of American Medical Colleges (AAMC), na obra conjunta de 54 páginas “Advancing Health Equity: A Guide to Language, Narrative and Concepts” (Promovendo a Equidade na Saúde: Um Guia para Linguagem, Narrativa e Conceitos), conseguiram tal feito.

O guia é uma tentativa de mudar o mundo por meio da mudança da terminologia.

Vamos começar com a gordura verbal que está intimamente associada à sua desonestidade generalizada: “A AAMC e a AMA … se enluta pela perda da vida e da liberdade de milhões de pessoas que historicamente foram oprimidas, exploradas, excluídas, segregadas, foram alvo de experimentos e desumanizadas no EUA ao longo dos séculos. ”

Aqui está uma tentativa de inflação emocional, típica do exibicionismo moral de nossos tempos. Por luto geralmente entendemos o sentimento de profunda tristeza pela perda de alguém ou algo que ou que amamos pessoalmente: mas é impossível enlutar-se pelo sofrimento de milhões de pessoas distantes de nós geografica, social e temporalmente.

Podemos lamentar ou repugnar o que aconteceu ou foi feito a eles, mas alegar que estamos de luto por eles não pode ser o caso, e é claramente uma tentativa de exibir nossa sensibilidade moral supostamente superior.

A afirmação também tem um aspecto de de intimidação, pois se você não se lamenta como nós nos lamentamos, você é evidentemente deficiente em sentimento e compaixão: portanto, a afirmação é uma tentativa de intimidá-lo, atribuindo a você cumplicidade, e é a repetição do que é essencialmente uma mentira. Isso é o que os totalitários fazem.

Se é verdade, como disse o grande naturalista francês Buffon, que o estilo é o próprio homem, o que podemos concluir sobre os autores a partir de uma frase como a seguinte, que aparece no início do documento?

“A AAMC e a AMA… reconhecem a exploração do brilho, energia e vida de milhões de afrodescendentes em prol do trabalho forçado por mais de 400 anos.”

No que diz respeito ao uso da linguagem, concordo com São Lucas: “Médico, cura-te a ti mesmo”.

Na verdade, os perpetradores do documento têm uma visão de mundo profundamente ditatorial, totalitária mesmo, na qual eles, é claro, serão os ditadores absolutos. E se esquecem, se é que algum dia souberam, que regimes como o que desejam estabelecer tendem a devorar seus próprios filhos.

Se por um lado, os autores reivindicam responsabilidade moral, como membros da classe médica, por promover as mudanças na sociedade que desejam ou consideram boas e necessárias; do outro negam a responsabilidade moral para com a grande massa da humanidade.

A obrigação moral recai sobre eles, mas não sobre seus semelhantes, que, portanto, devem ser considerados seus inferiores, vivendo em um plano de existência completamente diferente. Por exemplo, eles recomendam que os médicos “evitem usar linguagem desumanizante” –  O que eles devem crer que os médicos têm livre escolha para fazer (caso contrário, não haveria sentido para o documento) -, mas em vez disso, usar termos que descrevem as pessoas como “tendo uma condição ou circunstância.”

Assim, o gordo ou obeso deve ser chamado de “pessoa com obesidade”, como se a obesidade caísse sobre eles como misericórdia cai no discurso de Pórcia: “Cai como a chuva suave do céu / Sobre o lugar abaixo.” Isso é totalmente desumanizador.

O documento incentiva os médicos a mentir abertamente. Por exemplo, eles nunca devem se referir a “trabalhadores que não usam EPP” (equipamento de proteção pessoal), mas a “pessoas com acesso limitado a EPP”. É perfeitamente possível, claro, que alguns trabalhadores não usem EPP porque nenhum está disponível  a eles, mas também é possível que deixem de usar por escolha própria quando estiver disponível. Deve-se julgar caso a caso.

Dia desses, por exemplo, notei um jovem trabalhador da construção civil na casa ao lado da minha, cortando tijolos com uma serra circular muito barulhenta sem usar proteção para os ouvidos nem máscara para filtrar a poeira fina que a serra levantava. Decidi, depois de alguma hesitação (não gosto de me intrometer), que era meu dever alertá-lo. Acontece que ele trabalhava para o pai, que também estava presente e me disse que seu filho tinha EPP na van estacionada ao lado, mas se recusou a usá-lo.

Se eu o descrevesse como “uma pessoa com acesso limitado a EPP” e tentasse acreditar na verdade do que estava dizendo, teria de realizar contorções mentais envolvendo a mais grosseira desonestidade intelectual. Como havia EPP a cerca de três metros de onde ele trabalhava, eu teria de dizer que sua educação o deixou ignorante ou despreocupado com seus próprios interesses, e que essa ignorância era culpa da sociedade.

Na verdade, seu pai foi até ele e disse-lhe para colocar uma máscara, o que ele fez. (Ele se recusou a usar a proteção auditiva, pois tinha de preservar sua dignidade de jovem. Ele a usou no dia seguinte, no entanto.)

Os autores muitas vezes afirmam o que não podem acreditar que seja verdade, ou não poderiam acreditar que é verdade se refletissem por um momento: “Temos a capacidade técnica e os recursos materiais para garantir que todas as comunidades tenham as condições … de saber que a saúde é um direito humano. ”

Mas a saúde não pode ser um direito humano, já que a morte é inevitável e geralmente não é um sinal de saúde. Já estive gravemente doente várias vezes na vida, mas nunca me ocorreu que meus direitos estivessem sendo violados.

Não alardeio nenhum mérito particular pela minha falta de ressentimento: apenas tenho consciência e uma aceitação de que a vida às vezes me impõe, como impõe a todos, situações indesejáveis e irremediáveis. Não é uma injustiça o fato de que, na minha idade, eu sofra (ainda que não muito) de osteoartrose.

O que a AMA e a AAMC querem mesmo é fazer propaganda a favor de uma inverdade óbvia, e a crença nela obrigatória. Isso não quer dizer que não tenham sucesso em seus objetivos, mas o totalitarismo em geral, como o deles, sempre termina em desastre humano.

 

Theodore Dalrymple (Anthony Daniels), médico britânico e autor de 25 livros, dentre os quais ‘Evasivas Admiráveis – Como a psicologia subverte a moralidade’, ‘Em Defesa do Preconceito’ (leia resenha aqui), e ‘Nossa Cultura – ou o Que Restou Dela’, também é senior fellow no Manhattan Institute.

Publicado no The Epoch Times.

Tradução: Editoria MSM

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