Com o ladrão dentro de casa e um STF mui corajoso
Por Percival Puggina
Acordamos com o ladrão dentro de casa
Dizem ser das piores experiências, acordar com ladrão dentro de casa. Os rumos pelos quais essa história comum tem continuidade são os mais variados e, não raro, trágicos.
Por vezes, essa é a sensação que me vem quando penso sobre o estresse que caracteriza a política nacional. Alguns apoiam essa invasão; outros, muito recentemente, foram despertados para o que estava acontecendo com o país e perceberam o desastre eminente. Para os primeiros, errada e fora dos planos, foi a vigília de tantos, levando aos últimos resultados eleitorais. Para os despertos, é urgente recuperar a liberdade, a democracia e o efetivo pluralismo.
Durante décadas, uns poucos, em vão, alertavam para o que estava acontecendo. Modestamente, cá nesta extremidade do palco das ações, eu era um deles. Os novos donos falavam sozinhos. Faziam lembrar, por vezes, aquelas cenas de filmes italianos em que il ragazzo e la ragazza sentavam em lados opostos da mesa enquanto os pés namoravam sob proteção da toalha. E a esquerda sentiu-se dona do Brasil. Hoje, ragazzo e ragazza sentaram-se ao sofá e diminuíram as luzes do ambiente.
A tomada dos espaços importantes para o poder político, na perspectiva de Gramsci, Zé Dirceu e tantos outros, incluiu, claro, o espaço acadêmico. Dele emerge, anualmente, um exército de “lacradores” como os que produziram, contra o consumo de carne, aquela publicidade maluca do Bradesco (que parecia trabalho de grupo num curso de publicidade e propaganda). As três mocinhas e quem as orientou devem ter aprendido que criar gado é um negócio dos diabos e agir contra esse mercado merece recompensa em créditos de carbono. Que loucura!
A compreensão de tantos à natureza dos acontecimentos em curso no país é um dos fatos mais relevantes das últimas décadas. A democracia precisa disso como nós precisamos do ar que respiramos. Esse despertar causa desconforto aos invasores noturnos e diurnos, mas derrubou temporariamente a ponte para o desastre.
Festejo, então, a notícia de que o Grupo Pecuária Brasil (GPB) deixou o Bradesco. O grupo é formado por mais de 14 mil membros de 200 cidades de 17 estados brasileiros, Distrito Federal e outros três países.
É apenas uma pequena amostra de o quanto foi saudável esse despertar.
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A autoproclamada coragem do STF
Ao longo do último ano esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo também enfrentaram ameaças retóricas, que foram combatidas com a união e a coesão dos ministros; e ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte.
(Ministro Luiz Fux, no encerramento do ano judiciário de 2021)
Pus-me a pensar sobre o que faz a virtude cardeal da Coragem nesse discurso. Não existe coragem, onde não existe o medo. Entre outras características, o ato corajoso representa, necessariamente, uma vitória sobre o medo. Segundo Aristóteles, o ato de coragem envolve a aplicação da razão, a busca do bem e a disposição de superar o perigo presente na ação.
Tão nobre virtude, faz lembrar, isto sim, a professora Heley Abreu Batista, que em 5 de outubro de 2017 morreu queimada ao salvar as crianças de uma creche em chamas no município mineiro de Janaúba.
Coragem teve o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, que em agosto de 1977 pulou para a morte ao salvar um menino que caíra no poço das ariranhas. Coragem demonstraram os jovens que correram para a própria tragédia ao entrarem na boate Kiss em chamas para resgatar amigos que lá estavam caídos, pisoteados pelos que conseguiam escapar.
Coragem tiveram todos os europeus que esconderam ou deram fuga a judeus na Europa tomada pelos nazistas.
Coragem teve o padre Kolbe (São Maximiliano Kolbe), que se ofereceu para morrer por um chefe de família no campo de concentração de Auschwitz. E por aí segue um livro de muitas e nobres páginas.
Não vejo onde inscrever nelas os acontecimentos de 2021 no âmbito do STF. Não vejo coragem – e menos ainda motivos para coragem autoatribuída – por parte e arte de quem libertou corruptos e os devolveu à política nacional, efetuou insólitas prisões políticas, fechou meios de comunicação, inspirou medo, impôs censura, reivindicou para si mesmo uma fé religiosa e inibiu liberdades.
Que espécie de medo terá sido superado por quem assim procedeu? Em que dobras desse tempo se ocultaram a razão e o bem?
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário, escritor, colunista de dezenas de jornais e titular do site www.puggina.org, no qual os presentes comentários foram publicados originalmente. Autor dos livros ‘Crônicas contra o totalitarismo’; ‘Cuba, a tragédia da utopia’; ‘Pombas e Gaviões’e ‘A Tomada do Brasil’. Integrante do grupo Pensar+.
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Aqueles que defendem os árabes na Palestina tomada pelos judeus também têm muita coragem.
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