O desastre no Afeganistão: Entrevista com Daniel Pipes

Por Niram Ferretti, do L'Informale (Itália)

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Pipes: “Ironicamente, calculo que vizinhos como Irã, Paquistão e China, e outros mais afastados, como Turquia e Rússia, sofram mais com a violência apoiada pelo Talibã do que os Estados Unidos.”

 

Niram Ferreti, do ‘L’Informale’, pergunta a Daniel Pipes: Qual a sua leitura sobre o que acaba de acontecer no Afeganistão?

Daniel Pipes: Esse cataclisma motiva duas grandes implicações para o mundo exterior: a vitória do Talibã e a derrota americana. Desarrazoadamente, o triunfo do Talibã prejudica o islamismo e até o próprio Islã, porque o Talibã representa tamanho extremismo que seu sucesso causa bem mais repulsão do que sedução para os muçulmanos. A derrota americana beneficiará governos hostis aos Estados Unidos, conforme seus aliados vão deixando as barbas de molho.

P: Noah Rothman escreveu na revista Commentary: “ainda não está claro o que os Estados Unidos ganharam com a retirada da pequena, viavelmente econômica e eficaz força de dissuasão que permaneceu no Afeganistão com o objetivo de dar suporte às forças de segurança daquele país. É óbvio e ao mesmo tempo desconcertante que perdemos: prestígio nacional, enormes somas de capital político, credibilidade no cenário mundial e, de forma mais tangível, nossa própria segurança. O mundo ficou muito mais perigoso hoje do que há apenas 72 horas.” O senhor concorda?

R: Sim, totalmente. Vários fatos tornam esta retirada ainda mais dolorosa. Conforme observa Jeff Jacoby não houve fatalidades americanas nos últimos 18 meses; havia apenas 2.500 soldados americanos no Afeganistão, menos do que em localidades como Djibouti (3 mil), Bahrein (5 mil) e Kuwait (13 mil), além disso as tropas dos EUA estão no Afeganistão há apenas 20 anos, muito menos do que os mais de 70 anos na Alemanha e na Coreia do Sul. Então, por que a pressa? O ex-vice-presidente Mike Pence aventou a possibilidade de que o presidente Biden “simplesmente não queria que aparentasse que ele estava cumprindo os termos de um acordo negociado por seu antecessor”. Isso faz sentido para mim.

Biden rompeu o acordo para simplesmente contrariar Trump. Deu no que deu.

P: O retorno do Talibã introduzirá sangue novo ao jihadismo?

R: Sim. Ironicamente, calculo que vizinhos como Irã, Paquistão e China, bem como vizinhos mais afastados, como Turquia e Rússia, sofram mais com a violência apoiada pelo Talibã do que os Estados Unidos. O Talibã tem muitas contas a acertar e batalhas a travar naquela região. Além disso, proporcionar a base para o ataque do 11 de setembro não foi uma ideia brilhante para o grupo.

P: Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos afiançaram os valores e a segurança ocidental, mas os últimos 15 anos testemunharam uma propensão americana de retirar suas tropas de lugares perigosos como Síria, Iraque e Afeganistão. O que isso significa para a credibilidade americana?

R: Isso carcomeu a credibilidade e o poder de dissuasão dos EUA. Basicamente, a liderança em Washington está mais inclinada a se envolver em confrontos militares (pode-se aí adicionar os Bálcãs e a Somália a essa lista) do que a população americana. Isso leva ao recorrente padrão do país de se envolver e depois se retirar.

P: A retirada americana do Afeganistão alenta adversários ocidentais como Turquia, Irã, Paquistão, Rússia, China e Coreia do Norte?

R: Eles estão festejando o Afeganistão, quem pode lhes negar esse prazer? Dito isso, não vamos também exagerar o ganho. As localidades das retiradas dos Estados Unidos mencionadas acima sofreram alguma forma de guerra civil, diferentemente, estados integrais como Grécia, Israel, Emirados Árabes Unidos, Índia, Taiwan e Coreia do Sul não precisam se preocupar com abandono. Nenhum soldado americano está patrulhando as ruas de Atenas. Espero que os inimigos dos Estados Unidos e de seus aliados não cometam erros precipitados.

P: Certa vez, o senhor escreveu que “a diplomacia raramente acaba com conflitos”. O que acaba com eles?

R: Um lado levantar a bandeira branca. Exemplos relevantes disto incluem o Sul na Guerra Civil dos Estados Unidos, as Potências do Eixo na Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos no Vietnã e a União Soviética em 1991. Contraexemplos (nenhum dos lados joga a toalha) incluem a Primeira Guerra Mundial, a Guerra da Coreia, os palestinos contra Israel e Azerbaijão contra Armênia.

P: Iraque e Afeganistão são exemplos claros recentes que mostram a dificuldade de se exportar a democracia, não seria mais sensato aceitar o fato de que grande parte do mundo sempre será impermeável à democracia?

R: O governo dos Estados Unidos tentou e realizou algo sui generis em 1945, quando decidiu não saquear os adversários derrotados e sim reconstruí-los à sua própria imagem, um legado que japoneses, alemães, italianos e outros continuam desfrutando. Mas aquela era uma circunstância especial de guerra total e vitória total que deixou os vencedores triunfantes com uma ideologia a ser difundida e perdedores desesperados em sobreviver. Tais condições não tiveram paralelos nos esforços mais recentes, como por exemplo, no Afeganistão e Iraque. Eu concordo com o esforço em difundir a democracia, mas limitá-lo a oportunidades reais, nem sempre e nem em todos os lugares. Na maioria das situações, tal empreitada deveria ser articulada sob os auspícios de um homem forte com mentalidade democrática que possa, como Ismet Inönü na Turquia ou Chiang Kai-shek em Taiwan, introduzir a democracia por um período mais longo.

P: Gregg Roman escreveu recentemente na Jewish Press que há lições para Israel tomar com respeito aos acontecimentos no Afeganistão, mais importante ainda, que “o islã fundamentalista não desiste a não ser pelo uso da força”. Que conselho o senhor daria a Israel na esteira da conquista do Talibã?

R: Meu conselho a Israel é continuar insistindo na autossuficiência, não permitir jamais se vir numa situação de dependência de uma potência externa para a sua segurança e independência.

 

Original em inglês: Reflections on the Debacle in Afghanistan: Interview
Tradução: Joseph Skilnik

Daniel Pipes (DanielPipes.org@DanielPipes), formado no Harvard College em 1971, é o presidente do Middle East Forum.
©2021. Todos os direitos reservados.

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