Soljenítsin comenta a Guerra da Vendéia: coragem camponesa contra a maldade revolucionária

Por Alexander Soljenítsin

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Imagem: A Batalha de Le Mans, 1793, por Jean Sorieul

 

 Discurso de Alexander Soljenítsin, prêmio Nobel de literatura (1970), na cidade de Lucs-sur-Boulogne, em 25 de setembro de 1993, na inauguração do Memorial da Vendéia. (Levante contra-revolucionário ocorrido na região da Vendéia entre os anos de 1793 a 1796, aliando católicos e “realistas” contra os ideais e tropas “republicanas”).


Os camponeses contra a revolução
Senhor presidente do conselho Geral da Vendéia, caros Vendeanos,

Há dois terços de século, o menino que eu era lia já com admiração nos livros os relatos evocando o levante da Vendéia, tão corajoso, tão desesperado. Mas nunca poderia imaginar, exceto em sonhos, que, em meus velhos dias, eu teria a honra de inaugurar o monumento em honra aos heróis e vítimas desta sublevação.

Vinte décadas se passaram desde então: décadas diferentes segundo diferentes países. E não somente na França, mas também no estrangeiro, a sublevação vendeana e sua repressão sangrenta receberam esclarecimentos constantemente repetidos. Pois os eventos históricos não são jamais compreendidos plenamente na incandescência das paixões que os acompanham, mas sim de uma boa distância, uma vez esfriados pelo tempo.

Por muito tempo, se tem recusado a entender e a aceitar o que foi gritado pela boca daqueles que pereceram, daqueles que foram queimados vivos, dos camponeses de uma região laboriosa em nome dos quais a Revolução parecia ter sido feita e que esta mesma revolução oprimiu e humilhou até o último limite.

Então, sim, os camponeses se revoltaram contra a Revolução.

Eis o que toda revolução libera nos homens, os instintos da mais elementar barbárie, as forças sombrias da inveja, da rapina e do ódio, e isso os contemporâneos tinham percebido muito bem. Eles pagaram um pesado tributo à psicose coletiva quando o fato de se comportar como um homem político moderado – ou mesmo de somente parecer – já passava por um crime.

A revolução é a infelicidade dos povos
Foi o século XX que manchou consideravelmente, aos olhos da humanidade, a aureola romântica que envolvia a revolução no século XVIII.

A cada século ou meio século, os homens acabam por se convencer, às custas de sua própria infelicidade,

– que as revoluções destroem o caráter orgânico da sociedade,

– que elas arruínam o curso natural da vida,

– que elas aniquilam os melhores elementos da população, dando livre campo aos piores.

Nenhuma revolução pode enriquecer um país, simplesmente porque um punhado de engenhosos sem escrúpulos só podem causar inumeráveis mortes, um empobrecimento contínuo e, nos casos mais graves, uma degradação persistente na população.

A própria palavra revolução, do latim “revolvere”, significa girar de volta, reverter, retonar, experimentar de novo, reacender. No melhor dos casos, virar de cabeça para baixo. Resumindo, vários significados poucos invejáveis. Nos nossos dias, se em parte do mundo se ajunta à palavra revolução o epíteto de “grande”, isso se faz com circunspecção e, muito frequentemente, com grande amargura.

A utopia revolucionária é surda às lições do passado
Desde já, nós compreendemos ainda melhor que o efeito social que nós desejamos tão ardentemente pode ser obtido pelo caminho de um desenvolvimento evolutivo normal, com infinitamente menos perdas, sem selvageria generalizada. É preciso saber melhorar com paciência o que nos oferece cada dia.

Seria bem vão esperar que a revolução possa regenerar a natureza humana. É o que a vossa revolução, e mais particularmente a nossa, a revolução russa, tinham tanto esperado.

A Revolução Francesa se desenvolveu em nome de um slogan intrinsecamente contraditório e irrealizável: liberdade, igualdade, fraternidade. Mas, na vida social, igualdade e liberdade tendem a se excluir mutualmente, são antagônicas uma à outra!

– A liberdade destrói a igualdade social – é até mesmo uma das funções da liberdade – enquanto que:

– A igualdade restringe a liberdade, pois, de outro modo, não se saberia alcançá-la.

– Quanto à fraternidade, ela não é da mesma família da igualdade e da liberdade. Isso não é mais que um acréscimo irresponsável ao slogan e não é através das organizações sociais que se pode ter a verdadeira fraternidade. Ela é de ordem espiritual.

Além do mais, a esse tríplice slogan se acrescentava em tom de ameaça: “Ou morte”, o que lhe tirava qualquer sentido.

Nunca, a nenhum país, eu poderia desejar uma grande revolução. Se a revolução do século XVIII não conduziu a França à ruína, é apenas porque aconteceu o Termidor. (O “9 Termidor, equivalente ao dia 27 de julho de 1794, marca o fim da segunda fase da Revolução Francesa, o ‘Terror’).

A revolução russa, essa, não teve um Termidor que a tivesse detido. Ela conduziu o nosso povo até o limite do possível, até o fundo do poço, até o abismo da perdição. Eu lamento que não haja aqui oradores que possam falar do que a experiência lhes ensinou do fundo da China, do Camboja, do Vietnã, para nos dizer o preço que pagaram, eles, pela revolução.

A experiência da Revolução Francesa deveria ter sido suficiente para nossos organizadores racionais da felicidade do povo aprendessem as lições. Mas não!

Os “vendeanos” da Rússia
Na Rússia, tudo se desenvolveu de uma maneira ainda pior e numa escala incomparável.

Numerosas práticas cruéis da Revolução Francesa foram docilmente aplicadas no corpo da Rússia pelos comunistas leninistas e pelos socialistas internacionalistas. Eles apenas tinham um nível de organização e um caráter sistemático que ultrapassava largamente os dos jacobinos.

Nós não tivemos um Termidor, mas – e nós podemos nos orgulhar, de toda nossa alma e consciência – nós tivemos nossa Vendéia. E mesmo mais de uma.

Foram os grandes levantes camponeses, em 1920-21. Eu evocarei somente um episódio bem conhecido: aquelas multidões de camponeses, armadas de bastões e de forquilhas, que marcharam sobre Tambov, ao som dos sinos das igrejas vizinhas, para serem abatidos pelas metralhadoras. O levante de Tambov se manteve durante onze meses, ainda que os comunistas, o reprimindo, tivessem empregado tanques, trens blindados e aviões, tivessem feito reféns das famílias dos revoltosos e chegassem quase a utilizar gases tóxicos.

Nós conhecemos também uma resistência feroz ao bolchevismo com os cossacos dos Urais, do Don, sufocadas em rios de sangue. Um verdadeiro genocídio.

Nunca mais!
Inaugurando hoje o memorial de vossa heróica Vendéia, minha visão se desdobra. Eu vejo em pensamento os monumentos que um dia serão erigidos na Rússia, testemunhos de nossa resistência russa às destruições da horda comunista. Nós atravessamos com vocês o século XX. De parte a parte um século de terror, assustador coroamento do progresso com o qual se tinha tanto sonhado no século XVIII. Hoje, eu o penso, serão cada vez mais numerosos os franceses a melhor compreender, a melhor estimar, a guardar com orgulho em sua memória a resistência e o sacrifício da Vendéia.

 

Alexander Soljenítsin

Nota do tradutor, Flamarion Daia:
Os subtítulos foram apostos ao discurso pela redação do site Vive le Roy (http://www.viveleroy.fr) para facilitar a leitura online.

Sobre o autor, leia também O sobrevivente do Gulag que viveu para contá-lo.

 

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