Marshall Rosenberg e a revolução linguística do politicamente correto
Por Cristian Derosa.
Há quase um século, a interação humana tem sido o foco de interesse e atuação dos engenheiros sociais.
Tolerância, diálogo, empatia, encontro. Palavras que o leitor já deve estar enjoado de ouvir na mídia, ou sendo ditas por ativistas LGBT, de movimentos de minorias étnicas, raciais, enfim, todo o mosaico de abstrações associadas a certos perfis inseridos no simbolismo marxista de classe, já esvaziado pela realidade da sua insuficiência política.
Ernesto Laclau aprofundou a reflexão de outros teóricos marxistas, como os insights de Rosa Luxemburgo, por exemplo, sobre as possibilidades de ação revolucionária no âmbito cultural e político em relação às classes e grupos sociais, por meio de uma intensa “conscientização” (propaganda) que se daria na adequação linguística. Voltando no tempo, podemos traçar uma cronologia invertida dos estudos que originaram a vigilância ou até censura linguística que hoje chamamos de politicamente correto.
Prestou-se bem a tais objetivos os estudos de Antonio Gramsci, que propuseram um foco maior na construção de um imperativo categórico inserido na própria cultura burguesa. Mais tarde, na década de 1970, coube à diversidade de propostas revolucionárias ligadas aos costumes, como o caso do psicanalista David Cooper, em ‘A morte da família’, que propunha mudanças linguísticas e o esvaziamento das palavras, a começar pela família como estrutura de poder da burguesia. Ele se baseava na tese de que as palavras continham apenas duas dimensões: a histórica (história do uso das expressões) e intenção do interlocutor. Sendo assim, a dimensão histórica seria apenas o percurso das intenções de quem desejava subjugar o próximo.
Mas Cooper não tirou do nada a sua revolução linguística. Tampouco a feminista contemporânea Judith Butler, em seus manuais de “performances” de gênero, retirou da cartola ou da própria cabeça a ideia de revolucionar a linguagem através da ressignificação das palavras. Pouco antes de Cooper, durante a década de 1960, o psicólogo americano Marshall Rosenberg (1934-2015) criou a Comunicação Não-Violenta (CNV), estrutura de sugestões linguísticas para arbitrar conflitos diplomáticos. Seu objetivo era unir a ética filosófica à linguagem interpessoal em busca de um ponto em comum para iniciar debates e aproximações sociais ou pessoais. A ideia da CNV era desarmar as pessoas de suas convicções, atenuando os choques de opinião, principalmente na área da política, em uma época marcada pela polarização e conflitos geopolíticos. O princípio da união, base da ideologia pacifista que ganhou reforço após a Segunda Guerra Mundial, tinha como alicerce a construção de uma verdadeira “cultura do encontro” ou “cultura de paz” que serviria de base para uma necessária cooperação internacional.
Após ter trabalhado e ser requisitado por diplomatas e chefes de estado para a intermediação de conflitos, Rosenberg migrou da política para as relações humanas em seus estudos, o que ficou evidente em seu livro Comunicação Não Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Rosenberg fez um enorme sucesso e foi elogiado por gurus da nova era como o indiano Deepak Chopra, que considerou seu livro uma verdadeira operação de abertura da consciência para o encontro entre as pessoas. Ainda hoje, Rosenberg é citado entre ativistas pela “diversidade” e “tolerância”, além de representar forte influência para projetos das comunidades LGBT. No Brasil devem também ao psicólogo o uso de termos como “empatia” e “abordagem empática”, além de “tolerância”. O livro de Rosenberg começa com um agradecimento a um de seus mentores, o também psicólogo Carl Rogers, inspirador do CVV (Centro de Valorização da Vida) e herdeiro da chamada “abordagem centrada na pessoa”.
O personalismo
Descontentes com as correntes psicológicas praticadas na primeira metade do século XX, consideradas reducionistas, funcionalistas e mecanicistas, como o behaviorismo, Carl Rogers e os psicólogos personalistas criaram grupos de encontro psicoterapêuticos, utilizados como modelo até hoje pelos CVV. Seu estudo foi o resultado e aprofundamento de estudos anteriores, que começaram a perceber a insuficiência dos modelos anteriores de psicologia social.
A corrente personalista, que pode ser representada por autores como Max Scheller e Emmanuel Mounier, influenciou profundamente o pensamento cristão, a partir de abordagens influenciadas por ela como o humanismo integral, de Jacques Maritain. Essa linha foi uma das inspirações da corrente política Democracia Cristã e teve grande influência no pensamento do Papa São João Paulo II, bem como no Concílio Vaticano II.
Dinâmicas de grupo e a psicologia social
Retrocedendo ainda mais no tempo, vemos que a origem das abordagens interpessoais e linguísticas está na psicologia social, campo de estudo destinado a compreender a sociedade para controlá-la.
Todas essas propostas de interação pessoal e grupos psicoterapêuticos vieram da década de 1940, após os estudos de um dos mais renomados psicólogos quando o assunto era dinâmica de grupos: Kurt Lewin. Antes de Rogers, que centrava no autoconhecimento e autoanálise, Lewin já compreendia a influência da interação entre as pessoas, em seus estudos de psicologia social. Compreender essa interação era essencial para, de maneira técnica, influenciar nas mudanças culturais e políticas em longo prazo.
A psicologia social, até então, era vista de maneira muito simples, como uma questão de reação psicológica a sentimentos de ameaça. Lewin percebeu que a interação entre as pessoas pesava muito e começou a estudá-la. Para isso, criou grupos de controle e pesquisa, que se chamaram “Dinâmicas de Grupo” e serviam tanto para compreender a estrutura das relações humanas como para determiná-las. As dinâmicas passaram a ser usadas por empresas e governos que desejassem estabelecer um nível de controle e compreensão do processo social que envolvia aquelas relações.
Uma solução para o problema moral
Com a crescente secularização da sociedade, a idéia de pecado ou de freio às paixões e sentimentos ruins, cujas exigências se punham como condição para a vida eterna, migraram para o campo da ética instrumental e da sua necessidade para a boa convivência social. A sobrevivência e manutenção da sociedade passou a ser o maior e único problema a ser resolvido.
O que vemos hoje em matéria de reengenharia linguística faz parte de um longo processo de tentativa de controle e determinação do pensamento. Os sociólogos e filósofos que viam o crescimento da sociedade de massas como algo perigoso e incontrolável, desejaram reunir os meios para um controle seguro das paixões massivas. A psicologia social é resultado desse temor. O politicamente correto, a “linguagem empática” e a “tolerância”, cujo principal inimigo é o chamado “discurso de ódio”, são instrumentos de domesticação das opiniões e controle das paixões humanas após a aparente derrocada do poder social das religiões.
Cristian Derosa é mestre em jornalismo pela UFSC e autor dos livros “A transformação social: como a mídia de massa se tornou uma máquina de propaganda” e “Fake News: quando os jornais fingem fazer jornalismo”. Editor do site Estudos Nacionais e autor do blog ‘A transformação social’. Aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho.
Excelente o texto do Cristian Derosa. Simples e esclarecedor.
Excelente!
Muito interessante, bom tema para se aprofundar.
Realmente o ambiente corporativo está cada vez mais insuportável. Tudo agora tem que ser inclusivo, não-ofensivo etc.
Nem me fale. Trabalho em uma empresa americana e essas práticas são levadas ao extremo.
A última foi excluírem palavras ‘racistas/ofensivas’ dos produtos como master/slave/blacklist/whitelist.
Tô vendo a hora ser demitido por ser branco, hétero e cristão.