“Debate civilizado”, mídia anticristã e aborto: precisamos falar sobre envenenamento salino

Por Cristian Derosa


Eis um jeito de defender, mediante o reforço do estereótipo, a criminalização dos cristãos e a legalização final do aborto em qualquer fase da gravidez. Garantindo ainda que apenas age como uma exemplar militante pró-vida.


Nota do Editor
: É esse tipo de gente que ainda vai querer se candidatar ou posar de “conservador limpinho anti-Bolsonaro”, “direita racional” ou algo similar na CNN. Fique de olho. No fim, tais figuras operam como agentes de controle comportamental, sobretudo para cima da grande massa que tende ao conservadorismo. Quem operar nessa linha terá sempre espaço garantido na grande mídia. Afinal, a grande mídia existe basicamente para isso. E é por isso que a atuação da mídia independente se tornou fundamental na sociedade contemporânea.

 

Recentemente, uma colunista da Folha que por algum motivo vagava imperceptível entre meus contatos, fez uma postagem anunciando que participaria de um debate com Joel Pinheiro sobre a questão do aborto no caso da menina K. O anúncio adiantava que, embora fosse radicalmente contra o aborto, a colunista rejeitava totalmente os “ataques” que vinha recebendo o médico aborteiro, o doutor Olímpio, já que na opinião dela os defensores da vida haviam sido demasiadamente “extremistas”, o que fatalmente colaboraria para a aprovação do aborto, disse a colunista.

Embora seja cada vez mais difícil ficar chocado neste país, confesso que fui tomado de horror diante daquela macabra “ressalva”. Afinal, o médico que fez questão de aceitar o trabalho que outros não quiseram fazer, e que impôs à menina de apenas 10 anos uma solução salina para ser injetada na corrente sanguínea do bebê de seis meses que crescia normalmente em seu útero, fazendo-o “derreter” por dentro como crianças fazem com um sapo ao aplicá-lo doses excessiva de sal, expelindo-o para tornar-se lixo hospitalar; aquele médico parecia, ao senso de proporções da colunista, merecer uma defesa contra a excessiva indignação popular.

Com isso ela pretendia arbitrar o conflito entre um monstro e a plateia horrorizada, o que, dado o absurdo, só a monstruosidade leva vantagem, ganhando tons de atividade normal ou até respeitável.

Diante de tal obscenidade, classifiquei-a de abortista enrustida e disse-lhe que não merecia nem mesmo uma cuspida na cara. Poderia tê-la chamado de pró-vida envergonhada, o que daria na mesma. Fiz isso publicamente nos comentários, o que deu margem a uma longa discussão até que ela me bloqueou, desbloqueou, enfrentou outros críticos etc. Esforçou-se ainda a tentar comprovar inutilmente o seu comprometimento com a causa pró vida, o que só piorou a situação.

Mas ao contrario do que parece, principalmente para ela, meu objetivo não foi xingar ou mostrar-me superior à moça, que nem conheço, mas expor o real senso de proporções e a distância que ela estava daquela sua clara intenção em justiça e proporcionalidade perante o drama real que pensou estar tratando. Sim, estamos falando de temas diferentes. Eu do covarde assassinato intrauterino, ela do debate. O meu ponto é que uma dada monstruosidade deve atrair muito mais a atenção do que a circunstância formal em que deveria ser tratado. O que é um xingamento perto de um envenenamento salino?

O jornalismo mainstream é um rito macabro cuja fumaça negra pode transitar nos pulmões de qualquer um que se aproxime demais. Lisonjeados pela posição de destaque num debate, rapidamente cedemos a propostas indecentes cuja imoralidade desaparece de nossos olhos. Convidada a opinar, procurou a colunista situar-se na cadeira mais confortável possível do banquete, a convite do anfitrião. Subtraiu voluntariamente de seu horizonte o fato de que o banquete somos todos nós. Os aperitivos são os critérios e pressupostos invisíveis.

Se ela não tivesse o mesmo nome da minha filha mais velha, talvez eu até passasse batido e nunca leria aquela sua miserável postagem. Assim, eu também não saberia que ela se diz filósofa e escreve para a Folha. Por isso, também não fiquei surpreso quando vi meu comentário em sua coluna, como óbvia confirmação do clichê que repetia. Afinal, se o tema mais grave que ela consegue imaginar está no nível retórico, do debate e das sensibilidades, a ofensa é o único crime. Ofender o médico, ofender ela, o seu projeto de auto imagem… Envenenamento salino é a vida, mas uma ofensa à sensibilidade merece acirramento de ânimos. Perigo: radicalismo.

Seu texto reúne alguns belos argumentos em favor do pobre bebê assassinado. Mas a colunista achou que também devia atacar o movimento pró-vida por seu erro estratégico. Apesar disso, o texto contém uma boa defesa da vida. O problema é que ele ainda situa-se no campo de um “debate” e não toca na gravidade do assunto, apesar de ser exatamente o que pensa estar fazendo. Estamos vivendo uma era de trevas, em que as pessoas pensam que todos os assuntos são passíveis de arbítrio isento, de equilíbrio e que a balança opinativa nunca pode ser totalmente voltada a um lado. Aliás, qualquer um que defenda radicalmente alguma coisa já é visto como errado, independente do conteúdo. Isso porque o conteúdo nunca é assunto.

O senso de proporções é de longe o maior problema da discussão sobre o aborto. O professor Olavo de Carvalho conta frequentemente, como parábola, a história do homem que joga pôquer com um convidado enquanto este acaricia sua esposa por baixo da mesa. Sem saber o que se passa sob a toalha, ou fingindo não saber, o anfitrião gaba-se de vencer o convidado em todas as partidas. “Quando na verdade o que ele devia fazer é expulsar aquele cidadão da sua casa, obviamente”, conclui o professor. Muitas pessoas discutem aborto nesses termos: pensando estar debatendo, “jogando” com as opiniões que foram dispostas sobre a mesa, abstrai da situação concreta e ainda mais presente e optando pela vitória das aparências, do jogo de cartas marcadas que a mídia, o jornalismo mainstream, dita e define.

Talvez a colunista não acredite, como muitas pessoas, que o jornalismo da grande mídia seja criminoso ou anticristão, mesmo que por cultura arraigada. Talvez pense tratar-se apenas de um sistema livre e aberto a todas as vozes do debate. Eu, porém, não tenho o direito de tamanha ingenuidade. Em meus dois livros, descrevi com densa bibliografia a construção de uma hegemonia de esquerda e transformadora no jornalismo. No fim de tudo, já sem grandes disfarces, está a criminalização dos cristãos, a construção de um estereótipo ligado ao extremismo. Progressivamente, essa criminalização se dá mediante o silenciamento. Dirá que não poderão os cristãos contribuir para este objetivo, comportando-se e calando-se voluntariamente para melhor aceitar o seu destino?

Eis um jeito de defender a criminalização dos cristãos, mediante o reforço do estereótipo, a legalização final do aborto para qualquer idade gestacional, enquanto se garante estar defendendo a vida e sendo uma exemplar militante pró-vida.

O ato de cuspir na cara assusta, é externo à camada retórica, dos jogos sociais, extrapola as boas maneiras e sentencia que a realidade concreta é mais importante que as convenções sociais. A esquerda sabe muito bem colocar a sua ideologia, formulada a partir de mentiras e crenças irracionais, acima de todas as convenções e sistemas. Mas e os cristãos? Saberão colocar algum mandamento de Deus – o primeiro – acima das exigências formais dos debates e dos bons modos?

Deixo à colunista (seja ela abortista enrustida ou pró-vida envergonhada, como quiser nomear) a pergunta: e se fosse você?

Diante da proposta de uma injeção letal na sua corrente sanguínea para matá-la, inocentemente, aceitaria lidar com igualdade e isonomia a proposta do carrasco contra o seu desejo de sobrevivência? Fariam um debate civilizado?

Cabe a ela a resposta. Mas desconfio que não aceitaria, que defenderia seu direito à vida, se possível, esperneando e chorando, xingando e maldizendo tamanha injustiça. Disso apenas posso suspeitar. No entanto, diante do envenenamento do bebê completamente inocente, é preciso ressalvar a dignidade do carrasco antes de qualquer coisa e protegê-lo contra ofensas. Afinal, quem sabe assim ele sensibiliza-se. O médico-monstro, cara colunista, é símbolo do jornalismo do qual você faz parte. Se xingamentos não têm eficácia, afagos apenas tornarão os cruéis mais cruéis.

 

Cristian Derosa é mestre em jornalismo pela UFSC e autor dos livros ‘A transformação social: como a mídia de massa se tornou uma máquina de propaganda‘ e ‘Fake News: quando os jornais fingem fazer jornalismo‘. Colunista do site Estudos Nacionais e autor do blog ‘A transformação social’.
Aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho.

http://estudosnacionais.com

 

 

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