Um amigo meu define uma “celebridade” como alguém de quem ele nunca ouviu falar. Essa é quase a minha definição também. Talvez seja um sinal da minha visão de túnel, ou melhor, de um túnel de atenção, que faz com que figuras mundialmente famosas sejam, para mim, muitas vezes, completamente desconhecidas.
Por exemplo, embora eu tivesse ouvido vagamente o nome de Britney Spears (foto acima) por aí, eu não sabia o que ela fazia para viver ou por que era famosa. Seria ela uma atriz, uma atleta, uma cantora ou apenas uma influenciadora de nádegas grandes? Na verdade, eu nem tinha certeza de seu sexo: seu primeiro nome parecia-me apenas um pouco mais feminino do que masculino.
Foi durante uma longa viagem pela França que fiquei sabendo de seus esforços para escapar da tutela legal sob a qual há muito tempo fora colocada. Parei para descansar e comprei um jornal que dedicou as três primeiras páginas ao caso, como se importante fosse. E devo admitir que isso teve todo o fascínio, digamos, de um bom caso vitoriano de envenenamento de um marido ou herdeira com arsênico.
O jornal publicou uma foto de 2008, logo após Britney fazer uma tatuagem e ter raspado a cabeça. Segundo a matéria, ela se submeteu a essas desfigurações em protesto contra a constante intrusão de fãs e paparazzi em sua vida.
O escape para a vida privada poderia ter sido uma solução melhor para o problema: celebridades da categoria dela são logo esquecidas.
Mas o desejo por ser célebre é tão forte que facilmente supera quaisquer desvantagens ou inconvenientes associados.
Muitas pessoas preferem ser conhecidas por algo ultrajante a não serem conhecidas de forma alguma: para elas, alguns minutos de fama ou notoriedade justificam ou validam uma vida inteira. Elas estão, portanto, mais do que dispostas a se exibir para o mundo: eles estão ansiosas para fazer tal coisa.
Me dei conta disso há mais de vinte anos, quando um jornal soube que, há trinta anos, eu não tinha mais televisão (o que era considerado quase uma perversão naquela época) e me perguntou se eu concordaria em assistir tevê por uma semana e relatar minhas impressões.
O jornal deveria me prover uma tevê, concordei com a proposta, mas uma com uma condição; que no final da semana eles levariam a tevê embora. Por mais que jornal tivesse fama de não ter escrúpulos, nesta ocasião eles cumpriram com a palavra.
Liguei a televisão após um hiato de trinta anos e o primeiro programa com que me foi um daqueles em que as pessoas desfilam sua patologia social, para o deleite de um público lascivo.
No caso, foi uma mãe de classe média que reclamou que suas três filhas, de 12, 13 e 14 anos, haviam saído de casa para se tornarem prostitutas consumidoras de drogas. (Eu conhecia tais casos pela prática médica: a degradação, para alguns, tem seus atrativos.)
Eu estava, é claro, tanto chocado como fascinado: como seria fácil se afundar e chafurdar nesse tipo de coisa, “voyeuristicamente”, por horas! Bebidas, salgadinhos e degradação: que melhor maneira de relaxar?
Não muito longe do hospital em que eu trabalhava morava um alcoólatra gordo que às vezes chamava uma ambulância, e quando ela chegava, [palavrão apagado] ele simplesmente a mandava embora dizendo que não era mais necessário.
Ele tinha três filhas enormemente gordas morando com ele, todas elas grávidas do mesmo homem. (Elas eram tão gordas que suas gravidezes faziam o Nascimento Virginal parecer uma ocorrência diária.)
Uma emissora de televisão ficou sabendo disso – fez propaganda para tais histórias – e pagou às três filhas o que seria para elas uma enorme quantia, para aparecer em um programa; com muita alegria e prazer, lá foram elas.
Provavelmente aquele foi o ponto alto de suas existências até o momento, e talvez ficasse nisso pelo resto de suas vidas. E assim, a falta de vergonha se tornou uma fonte de orgulho.
Onde o exibicionismo é um meio de realização pessoal (e para muitas pessoas é o único), não é de surpreender – na verdade, é perfeitamente lógico – que a conduta pública se torne cada vez mais estranha, pois o que antes era estranho se torna tão comum que deixa de atrair atenção.
E em uma era de celebridades, não ser notado é não existir; não ser famoso mesmo dentro de um pequeno círculo é experimentar humilhação.
Misturar-se à multidão invisível e despercebido é um fracasso total e é o pior dos destinos, mesmo que desempenhando um trabalho útil. Se Descartes estivesse vivo hoje, não diria ‘penso, logo existo’, mas ‘sou famoso, logo existo’.
Alcançar a celebridade tornou-se um fim em si, desconectado de qualquer conquista que possa justificadamente resultar nela. Como eu nunca ouvi intencionalmente nenhuma das músicas de Britney Spears, embora provavelmente o tenha feito sem saber, não posso comentar se ela merece ou não sua fama.
Tendo a duvidar, porque ninguém merece essa fama, mas posso estar enganado. Certamente, os títulos de suas canções, publicados pelo jornal, não sugerem alguém que não queira estar aos olhos do público.
A duração e os termos da tutela legal que esteve sobre Britney Spears parecem extraordinários para mim, quase como se ela fosse um animal de circo, e não um ser humano adulto: e se seu comportamento tem sido frequentemente autodestrutivo, oras, autodestruição é um direito humano e não é base para uma infantilização sancionada por lei e exigida por tempo indeterminado.
A insanidade persistente pode às vezes justificá-la, mas tal insanidade seria incompatível com a carreira que ela teve.
O tipo de incompetência na vida que ela parece ter demonstrado há muito tempo é agora lugar-comum – cada vez mais comum, se minha experiência médica serve de referência.
Uma das razões para essa disseminação da incompetência é o desejo de tornar-se celebridade a qualquer custo na ausência de quaisquer outros valores, como a mais desejável de todas as conquistas – o que incentiva e até exige uma conduta pessoal desordenada. Se essa tendência ascendente continuar, um dia todos precisaremos ser colocados sob tutela legal.
Theodore Dalrymple (Anthony Daniels), médico britânico e autor de 25 livros, dentre os quais ‘Evasivas Admiráveis – Como a psicologia subverte a moralidade’, ‘Em Defesa do Preconceito’ (leia resenha aqui), e ‘Nossa Cultura – ou o Que Restou Dela’, também é senior fellow no Manhattan Institute.
Publicado no The Epoch Times com o título “Britney Spears and The Costs of Celebrity”.
Tradução: Editoria MSM