Enquanto a política de Covid Zero acentua a desaceleração econômica e o esmagamento das liberdades individuais, Xi Jinping assume publicamente que vai pelo mesmo caminho que Mao.
Quando Xi Jinping (foto) tornou-se líder do Partido Comunista Chinês (PCC) em 2012, e depois do Estado chinês em 2013, era possível pensar que ele seguir os passos reformistas de seu ilustre predecessor Deng Xiaoping.
E, de fato, foi para Shenzhen, principal centro do desenvolvimento econômico da China e de sua abertura para o mundo tais como foram encorajados por Deng desde 1978 que ele levou seus colegas do Comité permanente do PCC para inaugurar simbolicamente seu primeiro mandato. Nesta época, ele até se destacava no cenário internacional até o fórum econômico de Davos (janeiro de 2017), tendo na boca apenas as palavras “livre-comércio”, “fim do protecionismo” e “liberalização do comércio e dos investimentos”. Você pode imaginar o êxtase ocidental. Enfim, a China desperta, e ela se parece conosco!
Era esquecer um pouco rápido que se Deng tinha tido uma influência decisiva sobre o aspecto econômico do desenvolvimento humano e se ele tinha bem percebido, graças ao exemplo de Mao, que o poder pessoal ilimitado é fator de corrupção e de estagnação econômica, a ponto de ter sido o autor da reforma constitucional limitando o mandato dos presidentes chineses a dois quinquênios, ele foi também o homem que deu a ordem de enviar os tanques contra os estudantes contestadores da praça Tiananmen em 1989.
Assim como eu já tive ocasião de escrever anteriormente, nunca foi previsto, nem por Mao, nem por Deng e nem pelo atual presidente chinês que a modernização da China pudesse ser, nem mesmo um pouco, estendida às liberdades individuais.
Logo depois de suas grandes declarações sobre as belezas do comércio internacional, Xi Jinping se apressou em anular (em 2018) a limitação dos mandatos presidenciais afim de recolocar a presidência na posição desejada por Mao – o que lhe permitia agora iniciar um terceiro quinquênio, triunfantemente aprovado no final do vigésimo congresso do PCC que teve lugar no mês anterior.
Da mesma forma, ele se apressou em “continentalizar” Hong Kong, ou seja, de despojar seus habitantes de suas intoleráveis liberdades civis e políticas e de amordaçar a oposição democrática, desprezando os acordos de 1997 que previam que o território continuaria a se beneficiar do Estado de Direito instaurado pelos britânicos, bem como de uma relativa autonomia em relação à China comunista por no mínimo cinquenta anos. Mas para Xi, a intervenção chinesa permitiu a Hong Kong passar “do caos à governabilidade” – como ele reafirmou de forma incisiva em seu discurso inaugural no Vigésimo Congresso.
Ah, a governabilidade! Essa é sua grande palavra. E ele a aplica, não sem uma gula doentia, à governabilidade das massas. As massas de uigures, as massas religiosas, as massas de potenciais doentes de covid – as massas chinesas, finalmente. Nenhum país do mundo exerce um controle mais estreito e mais terrível sobre a totalidade de seus cidadãos.
Não há necessidade de suportar uma repreensão como a de Tiananmen para domesticar a população e pôr na linha os eventuais cabeças-duras, pois o desenvolvimento tecnológico dos “big data” e a multiplicação alucinante das câmeras em espaços públicos permitem estabelecer uma vigilância de todos os instantes de todos os cidadãos. O controle social chega à plenitude na China com o objetivo final de extinguir qualquer veleidade de oposição política através de uma sútil administração de castigos e recompensas.
Mas aí, também, ainda retornamos a Mao. Nos anos sessenta, esse último promovia um modelo de vigilância de baixa tecnologia, mas terrivelmente eficaz, chamado “modelo de Fengqiao” (aqui, e aqui), do nome do vilarejo onde o sistema em questão tinha dado resultados excepcionais. Tratava-se de combater os elementos reacionários da sociedade, os elementos hostis à brilhante revolução maoista… incentivando a delação dos vizinhos. Na prática, as famílias eram postas em grupos de dez sub a vigilância de um chefe que chamava a atenção das autoridades para os comportamentos ou os discursos inoportunos de uns e de outros às autoridades.
Mais uma tradição revitalizada por Xi, que a evocou em seu discurso no Vigésimo Congresso como um meio de devolver poderes de governança à nível local! Polícia digital, de um lado, polícia de vizinhança feita pelos próprios cidadãos, do outro – com certeza, “a luz brilhante da verdade”, como Xi qualifica as teorias de Karl Marx, e “o pensamento de Xi Jinping” (sim, sim, você leu bem, o dele), que ele mandou escrever na Constituição ao mesmo tempo que sua presidência perpétua, não correm o risco de sofrer a menor crítica.
Além do que a personalização do poder, em Xi, chegou a um nível de extravagância praticamente patológica, totalmente sustentado pelo conformismo mais estreito, pela semelhança de visão, pela concordância total, pelo fim da reflexão, ou, dito de outra forma, pela zumbificação da população.
Acresce a isso uma luta sem piedade contra a corrupção que significa sobretudo enquadrar ou eliminar os inimigos do povo na sociedade civil como nas instâncias nacionais ou lacais do PCC, e você obtém um novo comitê central mais dominado do que nunca por Xi Jinping. Sobre esse assunto, a farsa da saída sob escolta do antigo presidente chinês Hu Jintao do vigésimo congresso é incrivelmente reveladora. Mensagem provável deste incidente não esclarecido: todo aquele que pode ser muito ou pouco associado às simpatias ocidentais – e Hu é considerado bastante simpático ao Ocidente – deve desaparecer do cenário. Xi poderia fazer sua pequena Revolução Cultural?
Oh, certamente a nova direção política do PCC transborda de engenheiros aeroespaciais ou de segurança nuclear. É apropriado: do quântico à inteligência artificial, Xi fixou os objetivos ambiciosos da China.
Progresso fulgurante assegurado? Veremos. Não se trata da liberdade econômica garantida por um autocrata, presumido, um tanto rápido demais, onisciente, de um lado, e todo o resto, a liberdade de expressão, de opinião, de informação, a liberdade de criar e experimentar – essas loucas extravagâncias dos decadentes ocidentais – do outro. Não haverá jamais um real bem-estar econômico e social se não for possível fazer saber ao autocrata que reina espalhando o medo que ele se engana quando se engana.
Enquanto esperamos, e enquanto as perspectivas de crescimento se retraem, o mercado imobiliário chinês está entrando resolutamente em fase de estouro de bolha e a política de covid zero ainda em curso acentua o refreamento econômico e o esmagamento das liberdades individuais, Xi Jinping segue o mesmo caminho de Mao e o proclama abertamente. Sabem para onde ele levou seu novo comitê permanente para festejar sua reeleição, neste ano? A Yan’an, a cidade onde Mao e seus companheiros a Longa Marcha de 1934 – 1935.
A propósito, mais um glorioso episódio do comunismo chinês: Segundo a enciclopédia Larousse, “dos 100 mil homens que partiram, não restavam mais que 8 mil na chegada”, devido aos combates contra as tropas nacionalistas, sim, mas principalmente devido à fome, à fadiga, às doenças e a muito numerosas deserções. Para Mao, entretanto, um empreendimento muito vantajoso, pois a Longa Marcha lhe permitiu consolidar definitivamente seu poder sobre o PCC antes de tomar o poder em Pequim, em 1949.
E para Xi, determinado como nunca “a transmitir os genes revolucionários” que fundaram o comunismo chinês, uma nova ocasião de se desfilar com prazer entre os hábitos viciosos do presidente Mao. Eu derivo minha expressão do título do livro de Simon Leys, chamado “Os Hábitos Novos do Presidente Mao” (1971), no qual este autor defende a tese de que a Revolução Cultural iniciada em 1966 por Mao foi apenas uma “gigantesca impostura”. Um fato admitido hoje em dia, mas muito mal recebido pela esquerda e mesmo por uma parte da direita ocidental na época.
Quando se diz que a citada revolução foi claramente destinada a purgar os “traidores” e os “capitalistas” supostamente infiltrados no Partido Comunista Chinês e a implantar a ideologia socialista em todas as cabeças, só podemos nos alarmar com a aproximação sempre mais concreta e sempre mais elogiosamente reivindicada que Xi Jinping executa entre sua governança e a de um ideólogo irresponsável e homicida como Mao. Não tanto pelo número de mortos – como eu já destaquei, a ameaça constante de um controle social intensivo torna desnecessário chegar a esse ponto – mas precisamente pela acentuação do controle social e pela eliminação sistemática de toda dissidência até conseguir um povo e suas elites sem vontade própria. Que belo progresso!
Publicado originalmente na Countrepoints.
Tradução: Flamarion Daia