A fé, vista pelas lentes distorcidas do Novo Ateísmo é uma aberração psicológica que só pode ser encontrada nas mentes religiosas delirantes, ou nas “cabeças de fé”, como Dawkins zombeteiramente as denomina. Em sua ponderada opinião, a fé não é apenas um delírio, mas um delírio moralmente repreensível: “A fé é um mal, exatamente porque não exige justificativa e não tolera argumentação alguma [1]”. Segundo ele, também é algo insano. Dawkins cita Robert Pirsig, autor de Zen and the Art of Motorcycle Maintenance (Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas): “Quando uma pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama Religião [2]”.
A ideia de que a fé em Deus é um delírio não teve, é claro, de esperar por Richard Dawkins. Antes de navegar sob a vigilância de guardas até Roma para ser ouvido por César, o apóstolo cristão Paulo fez sua defesa final do evangelho em Cesareia, quando ele foi convocado a comparecer perante o governador romano Pórcio Festo e o Rei Herodes Agripa. Festo fez a célebre interrupção do discurso de defesa de Paulo dizendo: “Estás louco, Paulo! As muitas letras te fizeram delirar! [3]” Se Paulo foi acusado de delírio nos primeiros dias, então talvez não seja surpreendente que estejamos vendo uma nova onda desse acontecimento hoje.
De acordo com o OED [4], a palavra “delírio” (Latim deliriu – atuar falsamente, zombar, enganar) originalmente significava simplesmente “enganar a mente ou o julgamento para fazer algo falso ser aceito como verdadeiro”; mas hoje quase invariavelmente implica a suspeita de enfermidades psiquiátricas. O delírio é “uma crença fixa falsa”, “uma falsa crença persistente mantida em face de forte evidência contraditória, especialmente como um sintoma de transtorno psiquiátrico”.
É digno de nota que Dawkins classifica a fé de acordo com a primeira parte dessa declaração, e é óbvio que, nesse sentido, parte do que ocorre em nome da fé é claramente delirante – como a fé no Monstro de Espaguete Voador, ou até mesmo em duendes, se você for irlandês. Na verdade, os novos ateus gostam de catalogar a fé em Deus junto com a fé em Papai Noel e a Fada do Dente. Mas isso é algo bastante tolo, Alister McGrath recorda:
“Quando era criança, acreditei (por um curto período de tempo) em Papai Noel. No entanto, logo descobri a realidade da situação, embora deva confessar que guardei minha dúvida sobre a existência do Papai Noel para mim mesmo por algum tempo, porque também notei que havia vantagens materiais em fazer isso. Nunca ouvi falar de um adulto que viesse a acreditar em Papai Noel ou na Fada do Dente. Tenho conhecido muitas pessoas adultas que passam a acreditar em Deus. Então, evidentemente, há uma grande diferença. Mas ainda vale a pena fazer a pergunta: Por que a fé na Fada do Dente é um delírio? A resposta é óbvia – a Fada do Dente não existe” [5].
Isso nos leva a uma questão fundamental que é facilmente passada por alto. A questão é esta: a fé em Deus certamente é um delírio, se Deus não existir. Mas e se Deus realmente existir? Então o ateísmo é um delírio. Assim, a verdadeira pergunta a fazer aqui é: Será que Deus existe?
Esse ponto é tão importante que gostaria de colocá-lo de outra forma e, simultaneamente, confrontá-lo com outra objeção. Muitos ateus (inspirados em Sigmund Freud, que pensava que a fé em Deus é uma ilusão [6]) afirmam que eles têm uma explicação muito simples e convincente do motivo pelo qual as pessoas acreditam em Deus. Ela surge da incapacidade de lidar com o mundo real e suas incertezas. Michel Onfray diz que “a religião é imaginada porque as pessoas não querem enfrentar a realidade [7]” . Elas “preferem a fé que acalma a razão, mesmo que seja pelo preço de uma mentalidade perpetuamente infantil [8]”.
Para os novos ateus, Deus é então a realização de um desejo, é uma figura paterna fictícia projetada no céu de nossa imaginação e criado por nosso desejo de consolo e segurança. Segundo esse ponto de vista, o céu é uma invenção para lidar com o medo humano da extinção ao morrer, e a religião é simplesmente um mecanismo de fuga psicológica, para que não sejamos forçados a encarar a vida como ela realmente é.
Em seu livro best-seller God: a Brief History of the Greatest One (Deus: Uma pequena história do Maior [9]) , o psiquiatra alemão Manfred Lütz ressalta que essa explicação freudiana para a crença em Deus funciona muito bem – contanto apenas que Deus não exista. No entanto, ele continua, pela mesma razão, se Deus existir, então, será exatamente o mesmo argumento freudiano que vai lhe mostrar que o ateísmo é que é um delírio reconfortante; uma evasão da realidade, a projeção de um desejo de não ter de encontrar-se com Deus algum dia e prestar-lhe contas da sua vida.
Por exemplo, o polonês ganhador do prêmio Nobel, Czeslaw Milosz, que tinha motivos para saber, escreve: “O verdadeiro ópio do povo é a crença em nada após a morte – no enorme consolo de pensar que não seremos julgados por nossas traições, cobiça, covardia, nem pelos assassinatos [10]”. Assim, se Deus existir, o ateísmo pode ser visto como um mecanismo de escape psicológico para evitar assumir a responsabilidade final pela nossa forma de vida.
Lütz sublinha a implicação de seu argumento: quanto a se Deus existe ou não, Freud não lhe pode dar tipo algum de ajuda [11]. Se os ateus usarem Freud, eles também deverão dar outras razões para rejeitar a existência de Deus. De maneira similar, se os cristãos usarem Freud, eles também deverão brindar outras razões para acreditar em Deus. Freud, sozinho, não ajuda com a verdadeira questão em jogo: Deus existe ou não?
Notas:
- God’s Delusion, p. 347.
- God’s Delusion, p. 28.
- Atos 26:24.
- Oxford English Dictionary.
- Alister McGrath, Dawkins’ God: Genes, Memes, and the Meaning of Life (O Deus de Dawkins: Genes, Memes e o Sentido da Vida), Oxford, Blackwell, 2005, p. 87.
- Sigmund Freud, The Future of an Illusion, 1927 (O futuro de uma ilusão) traduzido ao inglês por James Strachey, Nova Iorque, Londres, W. W. Norton & Company, 1975.
- Michel Onfray, In Defense of Atheism, Londres, Profile Books, 2007, p.23.
- In Defense of Atheism, p. 27.
- Manfred Lütz, Gott: Eine kleine Geschichte des Grössten, München, Pattloch, 2007.
- Veja a crítica do New York Review: http://www.nybooks.com/articles/archives/1998/nov/19/discreet-charm-of-nihilism/.
- Lütz, Gott: Eine kleine Geschichte des Grössten – Lütz também argumenta em detalhes que o mesmo é válido para Jung e Frankl.
John Lennox, 76 anos, é matemático, filósofo da ciência, apologista cristão e professor de matemática da Universidade de Oxford. Conselheiro do Green Templeton College, Oxford e um fellow em matemática e filosofia da ciência pela mesma universidade.
Extraído da obra “Em defesa de Deus“, escrita por John Lennox (John Carson Lennox). Publicada pela Editora Verdade Divina, sob ISBN: 978-8564006331.
Tradução: Maria Oliveira
Publicado no Culturateca.
(Agradecimentos a Eric Rabello.)