Imagem: “Narcissus ” (1597 – 1599), por Caravaggio (1571 – 1610).
Eis o que dizia Olavo de Carvalho ainda no segundo episódio do True Outspeak, ao ar no dia 11 de dezembro de 2006:
“(…) do Ortega y Gasset peguei sobretudo essa ideia de que a filosofia deve se articular muito em torno da vida pessoal do próprio filósofo, quer dizer, a vida pessoal do filósofo é uma interpretação que ele dá à sua filosofia. Ortega y Gasset dizia que essa forma de existência tipicamente humana que é ter uma biografia, uma vida narrável desde a primeira pessoa, é um dos eixos articuladores da filosofia. Eu também acho que é. (…) Acho que quando uma filosofia não se justifica na vida pessoal do filósofo é porque ele não acredita nela; mas se ele não acredita nela, por que nós deveríamos acreditar?”
Esta lição, que pode e deve ser aplicada não só à filosofia, mas a tudo o que fazemos, nunca nos foi tão urgente. A já moribunda vida cultural brasileira, mesmo nos meios ditos conservadores e cristãos, está se tornando cada vez mais uma caricatura, um circo de “likes” e “views”, em lugar de proporcionar o necessário saneamento intelectual e moral. Não se trata de ter “mais gente falando de assuntos conservadores”, e sim de se perceber mais coerência, maturidade e seriedade naqueles que o fazem, por poucos que sejam. É uma questão qualitativa, e não quantitativa. Um único sujeito verdadeiramente interessado, ainda que silencioso, converte mais do que mil desinteressados barulhentos que, no íntimo, estão pensando apenas em si próprios.
Não se trata também de que nos tornemos todos um São Francisco de Assis ou um Aristóteles da noite para o dia; basta apenas realmente querer e tentar, não mais do que tentar — cada um dentro do que a própria personalidade e situação permitem –, viver um pouco mais aquilo que se professa, tendo por plateia a Deus antes de quaisquer outros espectadores. É tudo isso e só isso.
O resultado será de fato uma caminhada árdua, de cruz e solidão na maior parte do tempo. O problema é que não há outra; ou entendemos isso de uma vez por todas, ou tudo o que faremos será induzir a nós e àqueles ao nosso redor ao mesmo sono hipnótico do qual tanto gostamos de nos gabar de ter despertado.
Comentário originalmente escrito no canal do Telegram do Cultura de Fato.