Um filósofo na igreja
Por Renan Martins dos Santos
Foto: Olavo de Carvalho e sua esposa Roxane na igreja St. Joseph, em Petersburg, Virgínia.
Como bem convinha, foi numa igreja que conheci o prof. Olavo de Carvalho. Tudo aconteceu no dia 3 de novembro de 2018, na bucólica St. Peter’s Church, em Petersburg, Virginia. Ansioso, eu havia chegado cedo demais de viagem e encontrei o local ainda vazio, faltando um bom tempo para a missa. Então saí a palmilhar o jardim lateral, o hall de entrada, a ante-sala do confessionário; depois, contemplei algumas pinturas e esculturas nas paredes e passei os olhos pela nave, como que pressentindo a lenta aparição de uma presença etérea, de uma aura que pairava sobre minha vida e que agora finalmente estava prestes a se materializar.
Em seguida, pus-me a rezar umas Ave-Marias num dos bancos, com a esperança de que o tempo voasse. Passados alguns minutos, ouvi a porta de entrada se abrir, e reconheci, num discreto burburinho de vozes, o timbre de um certo filósofo. O coração acelerou, mas permaneci imóvel, fingindo seguir em profunda oração. A expectativa do iminente encontro me paralisava. Escrúpulos meio bobos surgiram como pretensas justificativas. “Melhor deixar que vá se confessar, em vez de importuná-lo com ares de tiete em plena igreja…” Queria adiar como podia o momento culminante. De repente, ouvi-o interagindo com um rapaz que recém surgira dos bancos, um outro provável aluno à sua espera, alguém cujo atrevimento era tudo o que eu procurava imitar naquela hora. Não havia outra saída. Encerrei com um sinal da cruz a oração desatenta, levantei-me do genuflexório e dirigi-me, enfim, ao tão aguardado encontro.
Conforme eu avançava, ainda hesitante, foi configurando-se diante de mim uma cena quase iconográfica, que jamais me abandonaria a memória. A silhueta do prof. Olavo projetava-se, em contraluz, sobre um dos vitrais dianteiros da igreja. Para espanto do meu imaginário ainda infantil, entretanto, não via ali nenhum super-herói filosófico. Tudo o que contemplava era um senhor atarracado, pacato, risonho, a distribuir palavras de carinho enquanto autografava uma cópia de algum livro seu, aguardando a sua vez no confessionário.
Ele percebeu minha aproximação e dirigiu-me o seu arquiconhecido semblante. Com o peito invadido por um calor repentino, senti como se reencontrasse um parente de longa data. Apresentei-me de modo breve, tropeçando nas palavras. A intenção era dar-lhe um abraço longo e apertado, mas tudo que consegui naquele momento foi estender a mão. Com sua proverbial gentileza, perguntou-me de imediato se, por acaso, eu chegara antes dele na fila da confissão. Respondi negativamente, trocamos mais umas poucas palavras e logo despedi-me com a desculpa de deixá-lo em paz para seu exame de consciência.
Horas depois, já em sua casa, foi quando consegui finalmente completar o arco daquele desajeitado encontro. Encerrada mais uma aula do COF, passo por trás de sua célebre escrivaninha, esquivando-me das conversas que vão espocando na platéia, e avanço a passos firmes, competindo por uma das raríssimas oportunidades de lhe falar em particular. Já agora refeito do furacão de emoções, confesso-lhe que a ocasião na igreja não me havia permitido cumprimentá-lo como gostaria. Ele parece não entender, mas mantém o sorriso estampado no rosto – aquele sorriso ecumênico de quem se esforçava em enxergar o bem até nos sujeitos aparentemente mais esquisitos.
Então, armado da franqueza e sinceridade que aprendi em suas aulas como lição imortal, peço-lhe uma única coisa: um abraço. Ele ri. Por um brevíssimo instante, parece encabulado, pego de surpresa (até o filósofo mais descarado do mundo sofre lá suas rasteiras). Sem demora, tenho o meu pedido atendido, e nos abraçamos. Em seguida, recordo-me de regurgitar-lhe duas frases há muito ensaiadas na cabeça, desde que sentira na alma os primeiros efeitos profundos de seus ensinamentos. Num frêmito de síntese confusa, disse-lhe qualquer coisa como: “Obrigado por tudo. Você mudou a minha vida”.
E continuava mudando, naquele mesmo momento.
Renan Martins dos Santos é editor na Editora Concreta e Minha Biblioteca Católica, dois empreendimentos nascidos das inúmeras sementes plantadas pelo professor Olavo de Carvalho no castigado solo brasileiro. Que ele possa, agora na presença do Senhor, da Virgem Maria e do seu amado Padre Pio de Pietrelcina, seguir intercedendo pelo nosso futuro.
Que bonito! Descreve tão bem que vi num filme.
Belo testemunho
Emocionante. Muito bonito.