Um breve comentário sobre crises financeiras
Por Jeffrey Nyquist, em 18 de setembro de 2007.
Arquivo MSM.
Resumo: Uma crise financeira e uma crise política colocam em xeque a ordem existente. Isso deixa a porta aberta para uma nova ordem, baseada no fanatismo e no ódio, que por sua vez levam a uma mudança no equilíbrio de poder.
© 2007 MidiaSemMascara.org
Um colapso financeiro é mais do que apenas um probleminha econômico. Ele leva a um território político perigoso; um colapso pode ser o gatilho de revoluções. O aperto financeiro da década de 1780 levou à Revolução Francesa. As desgraças e infortúnios financeiros levaram os nazistas e os militaristas japoneses ao poder antes da Segunda Guerra Mundial. Um terremoto financeiro pode provocar um terremoto político. Um terremoto político, por sua vez, pode desencadear uma revolução, uma guerra civil, ou até mesmo uma guerra mundial. Isto é o que a história ensina.
É a desgraça financeira que conduz o homem comum ao desespero. A calamidade financeira muda o seu ponto de vista político: do distanciamento tranqüilo para o medo indisfarçável. Isso sinaliza a vez para o oportunista político, para o fanático e para o demagogo. Eles sempre jogam com o medo. Os EUA são um país que desfrutou da prosperidade, e isso contribuiu para a moderação política. O centro se mantém enquanto a economia caminha suavemente. Não sabemos, todavia, qual o efeito que um grande colapso teria sobre uma sociedade de bem-estar, etnicamente dividida, com uma população que está envelhecendo e sendo suplementada por uma força de trabalho estrangeira que cresce rapidamente.
E há então as conseqüências internacionais e geopolíticas: a Europa está economicamente amarrada aos EUA. O dinheiro flui de um país para outro e, com ele, os problemas financeiros. Nesta semana [início de agosto] o Banco Central Europeu lançou mão de US$130 bilhões em fundos de emergência. Os mercados estão nervosos. A Europa está nervosa. Há perdas crescentes com o mercado de hipotecas americano. Baixar a taxa de juros nos Estados Unidos não é uma opção porque os chineses ameaçam afundar o dólar.
O recente artigo de Ambrose Evans-Prichard, “China threatens ‘nuclear option’ of dollar sales”, soou mais um alarme. A tolice de fazer comércio com a China comunista agora fica nítida e clara. O mesmo pode ser dito do livre comércio com todos aqueles países que não são verdadeiramente livres. De acordo com Prichard, “O governo chinês iniciou uma campanha combinada de ameaças econômicas contra os Estados Unidos, dando a entender que pode liquidar sua vasta quantidade de títulos do tesouro americano se Washington impuser sanções comerciais que forcem uma revalorização do yuan [moeda chinesa]”. Os chineses podem, efetivamente, ditar a política econômica dos Estados Unidos. “Nós podemos destruir a sua moeda”, dizem eles. “Nós temos esta opção”.[1]
A ameaça chinesa nos faz recordar da recente jactância do presidente russo Vladimir Putin. Falando em Munique no início deste ano, Putin parecia desprezar o poderio econômico dos Estados Unidos e da Europa, apontando para o surgimento de um novo bloco econômico associado à China. De acordo com Putin, “O PIB combinado – medido em paridade de poder de compra – de países tais como Índia e China já é maior que aquele dos EUA. E, num cálculo similar, o PIB dos países que compõem o chamado BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – ultrapassa o PIB acumulado da UE. De acordo com especialistas, esta distância só tende a crescer no futuro”.
Sem dúvida, Putin sente a força crescente de sua posição em aliança com a China. A crise financeira nos Estados Unidos tem implicações geopolíticas. O poderio militar se constrói e se assenta sobre um fundamento econômico. Portanto, o equilíbrio de poder pode ser alterado em breve. Não foi por acaso que a Rússia reduziu suas reservas em dólar e títulos americanos. Os russos não são estúpidos. Eles sabem que o dólar pode perder sua posição de primeiro meio de troca internacional a qualquer momento: um grande ataque terrorista, um fundo de hedge podre, um mês ruim na Bolsa de Nova York – imagine qualquer gatilho que você quiser. A posição financeira dos Estados Unidos é frágil. E esta fragilidade deve, ao fim, levar a desarticulações.
O Ocidente parece não entender, até agora, que a crise financeira que ora emerge não é mera crise financeira. Em Pequim e Moscou, ela é vista como algo mais, ou seja, como parte de uma seqüência estratégica na qual o poder dos EUA é eclipsado. É uma seqüência que conduz a maciças mudanças globais. Os russos e chineses querem substituir os EUA como a potência militar e econômica dominante no mundo. Eles querem transformar o sistema econômico global, mas a transformação não será do tipo amistoso. Seu jogo não é o de construir um ambiente inclusivo, no qual “uma maré cheia levanta todos os barcos” [2]. O deles é um jogo de soma zero, no qual o triunfo vem a expensas de outros.
Ao compararmos a atitude mental de Putin e dos atuais líderes chineses com aquela dos ex-líderes soviéticos e chineses, vemos que pouco mudou. Considere o texto de Soviet Military Strategy [Estratégia Militar Soviética], publicado em 1963, que apresenta a idéia: “[de que] o capital monopolista americano apoderou-se das matérias-primas, dos mercados e das esferas de investimento de capital: criou um império colonial sub-reptício, tornando-se o maior explorador internacional. O imperialismo americano hoje desempenha o papel de polícia do mundo, opondo-se a mudanças democráticas e revolucionárias, lançando a agressão contra os povos que lutam por sua independência”. [Soviet Military Strategy, p. 279 da tradução Rand]. Ouvimos essa antiga arenga marxista-leninista hoje, vinda do Kremlin de Putin.
Muitos dos que se opõem à guerra no Iraque conformaram-se a uma versão atualizada da retórica soviética. Eles não apreendem a falsidade essencial dessa perspectiva totalitária, ou o perigo em propugná-la agora que a União Soviética supostamente acabou. Foram os comunistas que disseram que uma revolução global começaria com uma crise financeira no mundo capitalista. Essa idéia está embutida no pensamento totalitário (incluindo o pensamento fascista). Uma crise financeira e uma crise política colocam em xeque a ordem existente. Isso deixa a porta aberta para uma nova ordem, baseada no fanatismo e no ódio, que por sua vez levam a uma mudança no equilíbrio de poder.
Numa era de armas de destruição em massa, precisamos usar nossa imaginação para entender o que tudo isso significa. Não é um processo pacífico, mas sim agitado e que combina erro e ruptura. A violência flui naturalmente de um processo assim. Se o dólar americano entrar em colapso, o mundo parecerá ter enlouquecido. Talvez seja tarde demais. Talvez a insanidade já esteja a caminho e não há nada que possamos fazer para detê-la.
Notas:
[1] NT: A China conta com o equivalente a US$1,33 trilhão em reservas em moedas estrangeiras, que, por sua vez, equivale a pouco menos de 10% do PIB dos EUA.
[2] NT: Expressão cunhada por John F. Kennedy e que descreve a idéia de que o bom desempenho da economia beneficia a todos.
© 2007 Jeffrey R. Nyquist
Publicado por Financialsense.com
Tradução: MSM