Sempre que o STF pula a cerca
Por Percival Puggina
Há um problema com o futuro. Quando ele chega, as pessoas esqueceram o que as trouxe até ali.
Sim, sim, gentlemen, estou falando do que acontece quando o STF pula a cerca. Deve ser uma tentação irresistível, pintar o mundo com as próprias cores e escrever o futuro numa torre de marfim.
Muitos dos graves dissabores do momento político brasileiro advêm dessa tentação. É o fruto da árvore proibida, a orgulhosa convicção, quase religiosa, de possuir a ciência do bem e do mal e impô-la, “duela a quien duela” para o bem de todos.
Eu poderia estar falando de fatos recentes, de invasões de competência confessadas nas entrelinhas de declarações supostamente harmonizadoras e logo atropeladas com inquéritos do fim do mundo e com a autossagração ao posto de poder moderador. Contudo, moderandi potestatem e inquisitionis finis mundi não integram nosso latinório constitucional ou jurídico.
Tudo isso – e muito, muito mais – faz parte de um passado cujas consequências ficam e cuja origem acaba esquecida porque o futuro é pródigo em velhas novidades que chamam atenção e aumentam a desatenção. No entanto, são produtos desses pulos de cerca do STF problemas como a impossibilidade de compor maioria no Congresso Nacional, a constante multiplicação dos partidos políticos, a ganância por verbas orçamentárias da União. Para que essas criaturas nascidas na noite das ideias possam ganhar sua vida aventureira, escandalosas dotações orçamentárias se tornam indispensáveis. As dificuldades que tais intrusões criaram à política, à governabilidade, à fidelidade e o estímulo que concederam à institucionalização da corrupção, amargam a vida nacional e agravam a pobreza do país.
Refiro-me, particularmente, à decisão do colegiado do STF que, em 7 de dezembro de 2006, derrubou a cláusula de barreira que reduziria o número de partidos políticos, favoreceria a formação de maiorias e dinamizaria o processo legislativo. Não bastasse isso, em 17 de setembro de 2015, o Supremo pulou novamente a cerca para descobrir que os constituintes de 1988, em alguma caverna da Constituição, deixaram escrito, envelopado e lacrado que ficava proibido o financiamento privado às campanhas eleitorais.
Desde então, partidos começaram a surgir debaixo das pedras de Brasília. “Pessoal! Dinheiro público na mão das direções partidárias!”. “Quem vai querer?”. “Quem vai levar?”.
Razões a Fréderic Bastiat. Há o que se vê e o que não se vê. Na farra orçamentária deste fim de ano, o botim das siglas aprovada ontem (21/12) fechou em R$ 4,9 bilhões do nosso suado dinheirinho.
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País do bandido solto cria a “preventiva perpétua” (para alguns políticos)
Os números a seguir são fornecidos pelo 15º Anuário Brasileiro de Segurança pública e se referem a crimes notificados no ano de 2020:
50 mil homicídios,
320 mil veículos roubados,
60 mil estupros,
49 mil roubos de estabelecimentos comerciais,
62 mil pessoas desaparecidas,
um policial morto a cada 44 horas.
Esse é o Estado que supostamente “prende em demasia”, na opinião de alguns desmiolados desatentos ao fato de que tais crimes são cometidos por verdadeira multidão de bandidos soltos.
O mesmo país que contabiliza esses números constrangedores, liberta corruptos condenados e lhes franqueia o retorno à vida pública. Não surpreende, portanto, que o Congresso Nacional – de olho na própria popa – aprove leis para inibir a persecução criminal e se recuse a tornar viável a prisão dos réus mesmo após condenação em segunda instância.
O Estado brasileiro, rufião da sociedade, malgrado servi-la ao mundo crime em regime de copa franca, para ser assaltada e acossada de mil maneiras, instituiu o regime de preventiva perpétua para crimes que desagradem de modo particular a membros do Supremo Tribunal Federal.
No dia de ontem (13/12), foram mantidas as prisões de Roberto Jefferson e Zé Trovão. Do primeiro, se aguarda uma altamente improvável mansidão no falar. De ambos, se diz representarem um risco para as instituições democráticas. Os dois juntam-se ao deputado Daniel Silveira, em prisão domiciliar, também cautelarmente. Sendo seu carcereiro mais jovem do que eles e sabendo-se que nenhum deixará de ser como é, receio que vão morrer na preventiva.
Enfim, o que vemos é o avesso das efetivas prioridades da população.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário, escritor, colunista de dezenas de jornais e titular do site www.puggina.org, no qual os presentes comentários foram publicados originalmente. Autor dos livros ‘Crônicas contra o totalitarismo’; ‘Cuba, a tragédia da utopia’; ‘Pombas e Gaviões’e ‘A Tomada do Brasil’. Integrante do grupo Pensar+.
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Uma questão (suprema !) de lógica: as existências do Partido Comunista do Brasil, do Partido Comunista Brasileiro e de seus análogos (PCO, PSTU etc) são também uma ameaça à democracia ?
Estes postulados dos saberes ao qual o STF utiliza como base, é como um estupro aos nossos valores e constituição. Contudo, a Lobotomia feita em uma parcela dos brasileiros os deixaram cegos frente à verdade.