A unidade entre o ser e o bem, e a “inversão revolucionária” de Kant

Por Olavo de Carvalho

“Ens et bonum convertuntur”, ensinava John Duns Scott: o ser e o bem são no fundo a mesma coisa. A existência, por si mesma, é boa, e o mal só pode ser concebido como uma privação, uma forma de existência deficiente. O mal não existe como substância, apenas como qualidade, ou melhor, como falta dela.

Com essas ou outras palavras, quase todos os filósofos desde a Antiguidade pensavam assim. Os teólogos cristãos, é claro, também.

Não é preciso pensar mais de dois minutos para admitir que tinham razão. Se o mal estivesse na própria constituição do ser, se ele tivesse existência substantiva, não poderia ser percebido como mal, pois seria um ente positivo como qualquer outro. É verdade que essa confusão se dá em muitas mentes humanas, mas elas mesmas são a prova de que estão erradas: se a inteligência humana não fosse um bem positivo, ela não poderia identificar o mal como mal, e no mais extremo sofrimento estaria se sentindo perfeitamente bem. Afinal, o próprio Diabo não passa de um anjo estragado, um bem que se perdeu.

A noção do mal substantivo só parece ter surgido no cenário cultural com Immanuel Kant, segundo o qual a inclinação para o mal é inerente ao ser humano, sem necessidade de nenhuma colaboração dos demônios.

Tendo ou não consciência do que fazia, Kant arruinou inumeráveis mentes humanas, fazendo-as acreditar na substantividade do mal e a conceber o bem, portanto, como mera recusa de fazer o mal. O mal torna-se o fator ativo, e só a “lei moral” tem algum poder contra ele. Mas Jesus nos ensinou que a própria Lei não é em si coisa essencialmente boa: é o que sobra quando o amor sucumbiu. Kant é, no campo moral, o autor da mais grave inversão revolucionária de todos os tempos. Não espanta que ele próprio usasse a expressão “inversão revolucionária” para nomear a única medicina capaz, no seu entender, de sufocar o mal. “Inversão revolucionária”, no vocabulário dele, significa aderir à lei moral.

Um dos efeitos mais devastadores que essa idéia produziu foi tornar impossível, à mentalidade revolucionária, perceber a superior substantividade do bem e obrigá-la a só perceber o bem como ódio ao mal.

Exemplo claríssimo disso é o ódio que os comunistas têm aos nazistas, ódio que os autoriza a praticar, com total boa consciência e até com plena convicção de santidade, males iguais ou maiores do que aqueles cometidos pelos nazistas.

Nota publicada no perfil do filósofo no Facebook  ontem, 01/12/21.

 

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