O psicopata embaixo da cama – Parte I
31 Outubro 2014.
Arquivo MSM.
(Apontamentos inspirados pelo livro Russia’s kleptocracy de Karen Dawisha e à luz da metodologia de Golitsyn)
“Por podermos constatar que há um sistema astuto e complexo na Rússia — que por sinal é opaco e cheio de detalhes interessantes e regras internas — deveríamos concluir que o sistema só veio a se concretizar por causa de um projeto consciente. Mas como? Evidências mostram que indubitavelmente ele não se concretizou por acaso. Este livro rejeita com veemência a ideia frequentemente disseminada pelos meios acadêmicos ocidentais de que Putin é um ‘autocrata acidental’ ou um ‘bom czar rodeado por maus boiardos’.”
Karen Dawisha, Putin’s Kleptocracy: Who Owns Russia?
“As elites formam a autoridade fundamental [na Rússia]: elas abastecem a autoridade coletiva a qual elas mesmas compõem [inclusive fornecendo o presidente] e decidem, entre outras coisas, por quanto tempo deve servir o presidente. Essas elites necessitam de um mecanismo ao seu dispor para que, por meio dele, decisões como essa possam ser tomadas e tornem possível que se coordenem os eventos políticos. É essencial ao sucesso dessa estratégia que esse mecanismo esteja bem escondido do Ocidente. Me faltam os recursos para estudar como esses mecanismos funcionam. No entanto, a probabilidade é que ele funcione de modo sub-reptício dentro de uma instituição conhecida publicamente. O Conselho de Segurança Nacional pode ser um candidato a ser investigado como possível front desse mecanismo secreto.”
Anatoliy Golitsyn, Memorando à CIA, 1 de outubro de 1993
“Quero alertar os americanos. Como povo, vocês são demasiadamente ingênuos acerca da Rússia e suas intenções. Vocês acreditam — porque a União Soviética não existe mais — que a Rússia agora é amiga. Ela não é e eu posso mostrar como a SVR [serviço de inteligência estrangeira russo] está tentando destruir os EUA hoje mesmo e com muito mais intensidade do que a KGB durante a Guerra Fria.”
Sergei Tretyakov, citado por Pete Early em Comrade J: The Untold Secrets of Russia’s Master Spy in America After the End of the Cold War (2007)
O velho inimigo da América ainda está aí planejando destruir o capitalismo. Entretanto, isso parece um paradoxo, pois o comunismo supostamente morreu há 23 anos. É claro então, que o que morreu foi algo diferente. Na verdade, o que morreu é a velha prática de admitir as crenças comunistas. Foi isso que morreu! A moda hoje — em Rússia, China, EUA, Europa, América Latina e África — é negar que alguém seja comunista. Foi assim que se disse que Nelson Mandela não era comunista, mas um “democrata”. Hugo Chávez não era comunista, mas um “populista”. O presidente Xi Jinping não é um comunista, mas um “pragmático”. Vladimir Putin não é um comunista, mas um “cristão”. E assim joga-se o jogo ao redor do mundo, de maneira que ninguém é comunista, exceto aqueles que vestem um capuz vermelho com um martelo e uma foice desenhados na testa.
E quem seria idiota ao ponto de vestir tal capuz? Apenas um tolo diria que está aí para destruir o capitalismo. Os capitalistas possuem poder e dinheiro, de modo que eles resistiriam a qualquer ataque direto e aberto às suas posições. Sendo assim, o rótulo comunista interfere negativamente no cumprimento dos próprios objetivos comunistas, pois até mesmo um homem de negócios relativamente ignorante teme a expropriação. Desta maneira, o avanço do comunismo deve ser um processo dissimulado ao qual os comunistas tomem o poder sob um estandarte “progressista” que prometa melhores condições de saúde e melhores condições de vida; ou, como prometeu Lênin ao povo russo em 1917, “Nossa política é pão e paz!”. No entanto, essa campanha se revela pela sua patente inveja e pelo seu uso de forças e desejos destrutivos — especialmente ao manterem vivas memórias de injustiças passadas e de tragédias da história as quais podem ser atribuídas de modo verossímil à “ganância” ou aos “ricos”. Na verdade não são os “ricos” que temos de temer, pois riqueza não é o mesmo que maldade. O criminoso e o psicopata não são tão motivados pela cobiça, dado que a motivação principal desses dois vem do ódio que nutrem pela sociedade normal. “Um homem não é um socialista se ele não odiar uma pessoa ou alguma coisa…”, escreveu Gustave le Bon. O pano de fundo dos grandes líderes socialistas, de Mao a Castro, ou de Stálin e Lenin, era um pano de fundo psicopatológico. O socialismo totalitário sempre foi na verdade um governo de psicopatas. A demonstração final de comunismo é a presença de criminosos de tipo ordinário dentro da liderança do Partido Comunista ou no quadro de membros. É aí que encontramos sádicos, ladrões, assassinos e os excluídos do convívio normal da sociedade. A revolução os seduz, pois ela permite que eles façam o que sabem fazer de melhor, só que sob o manto ideológico. Como observou Sam Vaknin, “A supressão da inveja está no âmago do narcisista. Se ele não conseguir se convencer de que ele é a única coisa boa no universo, ele está fadado a ser exposto por sua própria inveja assassina. Se houver outros lá fora melhores que ele, ele os invejará e os atacará de maneira feroz, incontrolável, louca, odiosa, até chegar ao ponto de tentar eliminá-los”.
Se o indivíduo for patológico então ele pertence a uma tribo patológica. E sim, eles podem reconhecer uns aos outros. É esse subconjunto que opera para destruir a civilização ocidental e eliminar o que há de melhor no mundo. O psicopata, energizado pela política, se realiza de uma maneira totalmente nova. Uma pessoa não está destinada a cometer crimes irrelevantes se houver grandiosidade suficiente. É possível assim cometer crimes contra milhões de pessoas indefesas em escalas nunca antes sonhadas. A esse tipo de maquinação é dada uma coloração ideológica. O perpetrador é apresentado como o herói dos oprimidos. É assim que toda essa empresa é vendida aos fracos de espírito, ingênuos e imaturos. É aí que está o subconjunto que atualmente seduz nossos homens de negócio para que eles formem uma relação de negócios gigantesca com a China. É aí que está o subconjunto responsável por mudar o currículo escolar em várias jurisdições dos Estados Unidos. Eles já tomaram os grandes sindicatos. Eles possuem um surpreendente grau de influência sobre a mídia e Hollywood. Eles possuem primazia na formulação de políticas ambientais e dão atenção particular na mutilação da economia capitalista para que se torne impossível à América competir economicamente. Como mostrou Trevor Loudon em seu último livro, The Enemies Within: Communists, Socialists and Progressives in the U.S. Congress [Inimigos intramuros: Comunistas, Socialistas e Progressistas no Congresso dos EUA], esses “inimigos” chegam até a redigir nossas leis — seja nas assembleias estaduais ou no Congresso.
Hoje em dia estamos condicionados a acreditar que o movimento comunista internacional não existe mais. Ele não tem mais na Rússia sua capital. Estamos condicionados a acreditar que os comunistas chineses são comunistas apenas no nome. Seria sábio acreditar que o comunismo morreu porque os psicopatas por trás dele foram curados? Ou, afinal de contas, seria mais sábio admitir que os psicopatas que compunham o núcleo de um sistema criminoso mantêm-se como eram? Por que teria alguma diferença agora? Hoje eles nos enganam dizendo que viraram a página. Mas não há página alguma e, portanto, nada para virar. Psicopatas não são curados ao tornarem-se capitalistas.
Dezenas de milhões foram assassinados pelo sistema criado pelo Partido Comunista que durou de 1917 a 1991. Quem foi julgado por esses assassinatos? Alguma propriedade foi devolvida às famílias das vítimas? Foi feita alguma restituição? Não. Lênin sequer foi enterrado e seus restos mortais estão à mostra em Moscou como se estivessem frescos como margarida. Suas estátuas mantêm-se todas em pé por toda a Rússia. Pode-se argumentar que em 1991 o Partido Comunista da União Soviética mudou sua formação e passou parcialmente à clandestinidade. Se o sistema russo é opaco, como mostra a expert no assunto Karen Dawisha, então ele foi cuidadosamente projetado. Por que a realidade política russa deveria ser considerada tenebrosa senão pelo fato de que a Rússia tem em mente a organização de uma fraude — com um véu escuro estendido sobre acontecimentos e personalidades chave? Precisamos olhar com maior atenção à obra de Anatoliy Golitsyn, que por sua vez previu com sucesso todo o devir da política russa desde 1985 até o presente. Ele previu a perestroika e a glasnost. Ele previu o Partido Comunista desistindo do seu monopólio. Ele previu o estabelecimento de freios e contrapesos no sistema político russo. E ele previu que esses freios e contrapesos seriam um embuste; talvez o maior embuste da história, ao ponto de colocar em risco o destino de milhões no mundo inteiro.
Muitos pesquisadores têm fortes suspeitas de que ataques a bomba nos apartamentos em 1999 na Rússia foram planejados pela FSB para que se pudesse culpar os muçulmanos e assim começar uma guerra contra a Chechênia. Alguns pesquisadores suspeitam que tal ato pode ser considerado uma ação inaugural para consolidar um novo tipo de regime na Rússia. Mas esse não é apenas um tipo ordinário de regime criminoso, mas uma reconfiguração do regime soviético (os mesmos criminosos sob um novo rótulo). Como alguém que saiu da chefia da FSB antes dos ataques, Vladimir Putin provavelmente esteve envolvido no planejamento e ele certamente foi o beneficiário político do desenrolar dessa história. A retomada da guerra à Chechênia, que então fora rotulada de “Operação Anti-terror” não foi um mero álibi antes do 11 de setembro [1]. Isso ajudou Putin a desempenhar o papel de fiel aliado aos Estados Unidos (coisa que ele nunca foi). Que esse álibi foi falso é algo admitido pelo Gauleiter da Chechênia, Akhmad Kadyrov, escolhido a dedo por Putin. No dia 7 de junho de 2000 Kadyrov deu uma entrevista ao jornal inglês de língua árabe Al-Sharq al-Awsat sugerindo de maneira oblíqua que os generais russos controlavam ambos os lados do conflito na Chechênia. De fato é algo muito intrigante! “Isso não é jihad”, explicou Kadyrov, “é apenas um embuste”. Ele confrontou pessoalmente Putin acerca desse fato e Putin supostamente admitiu que “erros foram cometidos”. Kadyrov afirmou: “Eu disse a Putin que se a Rússia realmente quisesse, nem um único estrangeiro [i.e. um terrorista da al Qaeda] poderia ter infiltrado na Chechênia ou oferecido um único dólar a ela, o que significa que essa coisa toda foi deliberadamente planejada”.
Sim, ela foi planejada por um número de razões minuciosamente planejadas. Como argumentou mais tarde Anatoliy Golitsyn, a guerra na Chechênia havia provado a todos que a Rússia era militarmente fraca e incapaz. Ela não poderia mais ser uma ameaça ao Ocidente. Isso logo adiante reforçou a retirada da inteligência ocidental que estava na Rússia e realocou-a para combater a ameaça islâmica. Como sugeriu Golitsyn, as políticas e ações tomadas pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) de 1985 a 1991 tinham em mente essas consequências desde o início.
Trinta anos atrás o ex-major da KGB, Anatoliy Golitsyn, alertou em sua obra New Lies for Old que “os próximos cinco anos serão um período de luta intensa, que será marcado por uma grande e coordenada ofensiva comunista dirigida à exploração do sucesso do programa de desinformação estratégica ao longo dos últimos vinte anos e a tirar vantagem da crise e dos erros que esse programa gerou nas políticas ocidentais dirigidas ao bloco comunista”. Essa ofensiva, segundo ele, foi cuidadosamente preparada desde o fim dos anos 1950. Ela envolveria a colaboração secreta entre Moscou e Beijing.
De acordo com Golitsyn, a Rússia e a China estão comprometidas com a “estratégia das tesouras” e, no “golpe final, as lâminas da tesoura se fecharão”. A opção europeia “seria levada por um renascimento da ‘democratização’ controlada nos moldes checoslovacos”. Golitsyn explicou que a intensificação das políticas linha-dura do começo dos anos 1980 “exemplificados pela “prisão” de Sakharov e a ocupação do Afeganistão, pressagiam, talvez, a saída de cena de Brezhnev”. Golitsyn então fez uma previsão espantosa: “O sucessor de Brezhnev pode bem parecer um tipo de Dubcek soviético. A sucessão será importante apenas para efeito de exibição. A realidade da liderança coletiva e o compromisso comum dos líderes à política de longo alcance continuarão sem ser afetados”. Ele previu que uma era de políticas de longo prazo estaria por vir: o controle seria descentralizado, firmas auto-administradas seriam criadas e se aumentaria os incentivos materiais. Segundo o major, “o controle do partido sobre a economia seria aparentemente relaxado e diminuído. Tais reformas se baseariam nas experiências soviéticas dos anos 1920 e 1960, bem como na experiência iugoslava”. A despeito das aparências externas, Golitsyn alertou que o partido “continuaria a controlar a economia por detrás da cena, tanto quanto controlava antes. O quadro de estagnação e deficiências, que [fora então] apresentado deliberadamente, deveria ser entendido como parte da preparação para inovações enganosas; esse quadro [tinha] a intenção de causar sobre o Ocidente um impacto maior quando essas inovações [fossem] apresentadas.”
Dentre essas inovações enganosas incluir-se-ia a liberalização política. “A ‘liberalização’ deveria ser espetacular e impressionante”, escreveu Golitsyn. “Podem ser feitos pronunciamentos formais sobre a redução do papel do partido; seu monopólio será aparentemente reduzido. Uma ostensiva separação de poderes entre o executivo, o legislativo e o judiciário pode ser anunciada. […] A KGB seria ‘reformada’”. Infelizmente, segundo Golitrsyn, “a “liberalização” seria calculada e enganosa, posto que apresentada e controlada de cima. Ela seria levada adiante pelo partido, através de suas células e de membros individuais no governo […] pela KGB através de seus agentes…”
Golitsyn nunca recebeu devidamente os créditos pelas várias previsões certas que fez, mas seus insights têm sido confirmados — embora indiretamente. No novo livro de Karen Dawisha, Putin’s Kleptocracy, podemos encontrar uma descrição detalhada do mecanismo ao qual o Partido Comunista da União Soviética contava para continuar a controlar em segredo a economia pós-soviética. É claro que Dawisha não reconhece plenamente que o objeto descrito (a conspiração da KGB que circunda Putin) é um mecanismo de controle secreto usado por um partido governante oculto. Mas ela reconhece sim que esse é um mecanismo majoritariamente composto por agentes da KGB. De acordo com Dawisha, “quando o recém-eleito presidente Boris Yeltsin baniu o PCUS após o golpe fracassado de 1991 contra Gorbachev, a chefia do partido se desfez e o controle sobre a vasta montanha de dinheiro estrangeiro que eles possuíam caiu nas mãos dos agentes da KGB que tinham acesso às operações e contas estrangeiras”.
A afirmação de Dawisha é inocente, claro; pois como ela sabia quem estava no comando? A KGB continuou a existir após 1991. O sistema militar geral da União Soviética, embora diminuto, ainda continuou a existir. Temos testemunhas sobre isso vindo de desertores da KGB, FSB e GRU. Mais que isso: a luta comunista internacional continuou a existir! (Veja este recente vídeo de Cuba.)
Pense: se os comunistas não estivessem ainda no controle da Rússia, por que a Rússia estaria atualmente expandindo sua esfera de influência na comunista Nicarágua conforme documentado por Valeria Gomez Palacios? É fato irrefutável que o presidente Daniel Ortega é comunista. O Partido Sandinista é, com efeito, um partido marxista-leninista que apenas finge ser ‘social democrata’. Os gângsteres que controlavam o partido nos anos 1980 são os mesmos que o controlam hoje. E o jogo político na Nicarágua apresenta um paralelo com o jogo político russo. É evidente que esse jogo implica em colocar uma maquiagem democrática no mesmo velho porco comunista.
Se Moscou agora é russa e não comunista, por que então eles apoiariam Ortega e os sandinistas ao instalar uma base militar russa na Nicarágua? De acordo com Gomez, “Em fevereiro de 2014, mudanças ilegais na constituição da Nicarágua foram aprovadas e, dentro delas, há um novo decreto de autoridade presidencial que muda toda a essência do jogo político. A nova reforma da constituição colocou o povo da Nicarágua numa ditadura legalizada e solapou o resto de democracia que ainda havia no país”. Em outras palavras, uma tomada comunista na Nicarágua foi finalizada e bases militares russas serão construídas lá. Se o PCUS não está ainda hoje governando a Rússia, por que apoiar Ortega deveria ser uma prioridade? E por que os soldados russos marchariam lado a lado com um dedicado comunista? Indo mais direto ao ponto, por que os comunistas nicaraguenses confiariam nos russos se eles não fossem ainda fiéis à causa? Além disso, a Nicarágua de Ortega é agora uma ditadura que faz oposição aos Estados Unidos. É apenas mera coincidência que a Rússia de Putin seja atualmente uma ditadura que faz oposição aos Estados Unidos? Enfim, sejamos realistas. Admitamos o que vem acontecendo desde 1991.
Durante a década de 1990, após a suposta queda do comunismo na Rússia, o Kremlin continuou a mandar suprimentos militares aos comunistas do MPLA em Angola. Mesmo quando os Estados Unidos pararam de apoiar Jonas Savimbi, os aviões russos de suprimento continuaram a levar armas e munição. Se avançar o comunismo global não era mais um objetivo russo, por que então apoiar os idiotas do MPLA? O mesmo vale para a relação russa com a África do Sul governada por Mandela e seus sucessores do partido ANC, que é controlado pelos comunistas, e com Chávez na Venezuela. Mandar navios de guerra e aviões militares à Venezuela não foi uma mera visita amistosa. Foi algo mais.
Karen Dawisha sugere que a atual liderança russa, que provém da KGB, está focada no auto-enriquecimento. Ela não vê um partido comunista nesse grande esquema, a despeito das várias estátuas de Lênin que ainda estão em pé por toda a Rússia (assim como ainda estavam na Ucrânia até um ano atrás). Por que não derrubar as estátuas? Por que não enterrar Lênin? Por que ameaçar as pessoas que derrubaram as estátuas de Lênin na Ucrânia? Essas questões todas são minimizadas, mas não deveriam. Se esses supostos governantes da KGB não fossem comunistas, mas apenas criminosos gananciosos, como explicar o comportamento suicida de provocação à América nos dias de hoje? Como explicaríamos seus virulentos ataques? Como explicaríamos a anexação da Crimeia, a beligerância em relação aos Estados bálticos e à OTAN? Com efeito, se eles tivessem como plano aproveitar seus desonestos ganhos em paz, eles iam apenas subornar os governantes ocidentais e se apresentar como pessoas que não significam qualquer ameaça e que eram apenas “amigos” com armas nucleares que queriam acesso ao sistema financeiro, e não derrubadores de aviões civis e anexadores de territórios de países vizinhos. Que maneira melhor teria do que evitar conflitos? Por que construir bases militares na América Central? Por que enviar bombardeiros estratégicos voarem ao longo da costa da Califórnia? Que tipo de homem arriscaria uma Terceira Guerra Mundial para adquirir 80 bilhões em vez de 40? Isso não é ganância. É uma anormalidade psicológica, um defeito sintomático de um comunista desajustado.
Oh sim, Putin e sua gangue são criminosos. Como mostra Karen Dawisha, os líderes ocidentais sabiam disso há muito tempo. Agora o rótulo “criminoso” substituiu a ameaçadora marca “comunismo”. Eis que tivemos uma distração embrulhada dentro de um álibi, açucarado com a promessa de uma parceria lucrativa. A distração alcançou seus objetivos, o álibi foi aceito sem suspeitas e a parceria foi uma farsa. Mostrando sua verdadeira face hoje, Putin dá rosnadas ameaçadoras enquanto caminhamos para além da fase final do grande engano: rumo àquilo que Anatoliy Golitsyn chamou de “um só punho fechado”. O perigo de guerra aumenta; Os treinos militares russos têm se tornado mais frequentes; Bases são preparadas na Nicarágua; ISIS avança no Iraque; Coreia do Norte se prepara para a guerra; e a China também se prepara para uma “guerra regional”.
No livro de Karen Dawisha lemos sobre a quantidade maciça de riqueza controlada pelo presidente russo e seus associados. Essas pessoas possuem posições chave nas finanças globais, de maneira que é possível a eles (nas palavras de Dawisha) “solapar […] instituições financeiras ocidentais, bancos, mercado de capitais, mercado imobiliário e companhias de seguro…” Políticos ocidentais proeminentes foram corrompidos (e.g. Silvio Berlusconi) e as grandes companhias foram comprometidas (e.g. Banco de Nova York). O novo sistema russo controla o desenvolvimento político e econômico não apenas da Rússia, pois ele se entrelaçou e persuadiu a política e o comércio ocidental. De acordo com Dawisha, “a KGB moveu as vastas reservas do PCUS para o estrangeiro e para longe do controle do presidente Mikhail Gorbachev, fazendo com que seu regime se enfraquecesse”. Mas o dinheiro não foi transferido para o estrangeiro para debilitar Gorbachev. Ele foi transferido para o estrangeiro com o fim de infectar o Ocidente. Dawisha precisa perceber que uma estratégia estava em curso. Ela não percebe os sofisticados métodos e táticas do PCUS e sua Espada e Escudo (a KGB); ela precisa reconhecer um processo que já estava em ação em 1991. Quando Lev Pavolovsky alertou que Putin pertencia a uma “camada muito extensa, porém invisível, de pessoas que […] buscavam uma ‘revanche’ diretamente ligada à queda da União Soviética”, ele talvez estivesse se referindo ao Partido Comunista da União Soviética, que ainda continua a existir. E sim, ele ainda controla as coisas, pois ainda podemos rastrear seu projeto maior (que é completamente Vermelho). Incrivelmente, Dawisha chega muito perto de ver esse quadro maior. Ela reconhece que as músicas favoritas de Putin são soviéticas, entretanto ela tende a dar maior ênfase na ganância de Putin. Quando Putin estava alocado na Alemanha Oriental, explica Dawisha, “ele obrigava os líderes de facção do Exército Vermelho Alemão […] a roubar aparelhos de som pra ele quando eles tivessem um momento livre em meio a suas campanhas de terror”.
Comunismo, como observei anteriormente, sempre se tratou da espoliação. Ele sempre esteve infundido de inveja. Comunistas roubam, mentem e matam. Essa é a história do comunismo — seja Rússia, China, Cuba, Venezuela, etc. etc. Os agentes da KGB terem enriquecido a si mesmos com o dinheiro do PCUS não serve como testemunho de anticomunismo. Não devemos nos surpreender com o artigo de Bill Gertz no Free beacon dia 7 de abril intitulado “Putin Corruption Network Revealed” [Revelada rede de corrupção de Putin]. O que deveria nos surpreender são os recentes avanços comunistas em Colômbia, Nicarágua, Equador e dentro dos EUA. A liderança comunista sempre foi gananciosa. Acreditar em sua retórica de exploração da mão-de-obra é uma idiotice completa. Os líderes comunistas jamais deram a mínima para os trabalhadores. Narcisistas perniciosos e psicopatas não ligam para as outras pessoas. Eles ligam para o seu próprio e grandioso lugar no universo enquanto procura eliminar aqueles que ameaçam expor suas verdadeiras insignificâncias.
Em seu excelente delineamento das relações criminosas de Putin, Dawisha presume que essas mesmas ligações nos dizem automaticamente quais as suas funções e quais os seus fins. Ela não parou para pensar que a riqueza é apenas uma das armadilhas do poder, e não o próprio poder. Ela não parou para pensar que se as “elites do Kremlin” definem orientações para trabalhar com estruturas criminosas é porque o principal fim é o engrandecimento estratégico por meio de um apelo ao engrandecimento pessoal. O que permitiu que Anatoliy Golitsyn fizesse tantas previsões corretas sobre a Rússia foi sua habilidade em se manter focado na significância estratégica das ações e eventos. Em sua análise Dawisha quase chega lá. Ela juntou admiravelmente as peças quando citou um promotor espanhol dizendo que “não se pode diferenciar entre as atividades do governo [russo] e dos grupos de crime organizado [na Rússia] […] A FSB está absorvendo a Máfia russa [e usando-a para operações secretas]”.
Isso é muito importante: a ‘Espada e Escudo’ do PCUS está “usando” a Máfia russa. Não é o oposto. Agora quero retornar a um dos insights mais intuitivamente brilhantes de Dawisha: “que o sistema [russo] se concretizou graças a um projeto consciente”. Poucos percebem o quão sofisticado esse projeto é e o quanto de habilidade intelectual e estudos foram necessários. Não se trata de uma mera rede de crime organizado. Eles não são meros “oficiais corruptos”. A Academia Soviética de Ciências fez sua contribuição. Os maiores peritos soviéticos também deram sua contribuição. A União Soviética moldou-se para um objetivo, uma missão, e o colapso dela não foi o fim da missão, mas um meio de cumpri-la. Novamente, o promotor espanhol que Dawisha cita fala de gravações que mostram que os chefes da Máfia russa “mantêm um nível de contato ‘perigosamente íntimo’ com oficiais russos sêniores”.
Que tipo de sistema possui a Rússia? Quem está por trás do “projeto consciente” que ela fala? “Estou sugerindo que os aspectos antidemocráticos e politicamente iliberais dos planos estavam presentes desde o começo…” De fato, Dawisha está muito próxima da verdade. E o que pode ser mais antidemocrático e politicamente iliberal que o comunismo? Fico imaginando se Dawisha procurou uma outra maneira de discutir a verdadeira situação omitindo a terminologia embaraçosa e démodé da Guerra Fria — mesmo que ainda estejamos nela e estejamos lutando contra o mesmo inimigo. Se o nome de Putin fosse Donald Duck, isso não mudaria o que ele é. Nosso hábito de confundir os rótulos com “a coisa em si” contribuiu para o atual estado de confusão; então é bom ler uma pesquisadora tão astuta como Dawisha.
O que acontece agora no Extremo Oriente, no Oriente próximo, na Ucrânia e na América Central são partes de um mesmo fenômeno. Precisamos pensar estrategicamente. Precisamos perceber que um sistema político anormal e seus líderes anormais não podem se transmutar em algo que não são. Um tigre pode se esconder numa árvore e esperar sua vítima, mas ele não pode mudar suas listras. O que interpretamos como mudança em 1989-91 foi apenas adaptação. O animal continua o mesmo, especialmente no seu interior.
[1] NT: Necessário que o leitor tenha em mente o último capítulo do livro Spetsnaz: The Story Behind the Soviet SAS de Viktor Suvorov e o conceito de “terrorismo cinza” já citado anteriormente.
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Tradução: Leonildo Trombela Junior