Marx contra Proudhon

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Por Ipojuca Pontes.

 

Provavelmente para dissimular a vultosa dívida contraída com o pensamento alheio e esconder a fonte de inspiração em que bebeu, Marx cola na testa de Proudhon a etiqueta de “ideólogo da pequena-burguesia”, a ser repetida indefinidamente pelos acólitos fanatizados.

 

Depois da publicação de “O que é a propriedade?”, sabe-se, Marx tentou aliciar Proudhon, por carta, convidando-o a integrar a corriola do Comitê Comunista de Correspondência, base da futura Liga Comunista (sediada em Bruxelas). Mas na carta, em que pese elogiar Proudhon, o “Doutor do Terror Vermelho” não consegue disfarçar o caráter virulento e ataca um discípulo deste, Karl Grun (inventor de mais um tipo de socialismo – o “socialismo verdadeiro”), a quem considera um tipo suspeito. Proudhon não apenas recusa o convite, como defende Grun e adverte Marx quanto ao caráter violento e nocivo do seu dogma revolucionário.

Além do mais, para desconforto dos “socialistas científicos”, Proudhon zomba da dialética hegeliana, considerando-a mera pílula de miolo de pão. Diz ele em “La Guerre et la Paix” (Editora Tops/H. Trinquier. Paris, 2000), obra admirada por Tolstoi e que e o levou a homenageá-la como título do seu romance:

“O equilíbrio instável entre dois termos (tese e antítese), não nasce de um terceiro, mas de sua ação recíproca. A fórmula hegeliana só é uma tríade por prazer ou erro de Hegel, que vê três termos onde só existem dois e que não viu que a antinomia não se resolve. Com o seu sistema, Hegel só chega ao absolutismo governamental, à onipotência, à subalternização dos indivíduos e dos grupos. Pergunto-me se, devido a esta faceta de sua filosofia, Hegel conservou um único partidário na Alemanha”.

E para ampliar o abismo que aprofundou em definitivo a inimizade entre ambos, o anarquista francês cria dialética própria, que rejeita a síntese hegeliana e procura “equilíbrios nas diversidades” e a integração dessas diversidades em “totalidades”. A dialética, que Proudhon chama de “antinômica”, serve como método para a construção do “Sistema de Contradições Econômicas” (Paris, 1846), e permite a um tempo encarar a propriedade como sendo “produto espontâneo da sociedade e a dissolução desta mesma sociedade” ou, o que dá no mesmo, entender que a “propriedade é a liberdade e a propriedade é o roubo”. Como a dialética proudhoniana não admite nenhum tipo de síntese, os elementos antagônicos que movem a história formam “equilíbrios imprevistos” – esses, por sua vez, em permanente estado de ebulição.

Marx acusou Proudhon de nunca ter entendido Hegel, embora ele próprio fosse crítico severo da dialética hegeliana, que achava não passar de mera “manifestação de raciocínio”. Em “Miséria da Filosofia” (1847), resposta ao “Sistema de Contradições Econômicas” (livro que na verdade serve de modelo para “O Capital”), ele dá o troco, à moda da casa, cuspindo no prato que comeu, sem nenhum resquício de respeito ou gratidão. Provavelmente para dissimular a vultosa dívida contraída com o pensamento alheio e esconder a fonte de inspiração em que bebeu, Marx cola na testa de Proudhon a etiqueta de “ideólogo da pequena-burguesia”, a ser repetida indefinidamente pelos acólitos fanatizados. Curiosamente, atribui a Proudhon os seus próprios defeitos, entre eles o de ser um tipo “excessivamente vaidoso” e “pavão prepotente”.

Tudo até aqui levantado não traz nenhuma novidade. A leitura anotada de uma trintena de livros, entre eles os de Marx, poderá levar o interessado a conclusões semelhantes ou parecidas. Na prática, a teoria que envolve o “socialismo científico” de Marx mostrou-se tão pouco científica como qualquer outra e – o que já é lugar comum afirmar – suas “leis”, “tendências” ou “previsões” históricas jamais se cumpriram sequer remotamente. Superado o ciclo do historicismo determinista, e com ele as irrealistas projeções econômicas, os próprios membros da seita trataram de enfiar a viola no saco e partir para a institucionalização da “crítica cultural”, elegendo o infinito conceito da “alienação” como novo objeto de culto. São, por assim dizer, os sanguessugas de Marx, repetindo em bloco o mesmo que o “mestre” fez com Hegel, Feuerbach, Proudhon e tantos outros.

A igreja mais operante dessa nova fauna é, se não já era – ao lado das elucubrações teóricas erguidas pelo templário Antonio Gramsci (1891-1937) em torno da “revolução passiva” -, a Escola de Frankfurt, curiosamente erguida com o dinheiro de Hermann Weil, capitalista e explorador do trigo (e da mão-de-obra barata) argentino. Da cátedra da “Escola”, os seus integrantes mais notáveis (alguns deles filhos de banqueiros e milionários), diante da crescente supremacia do capitalismo, atiram sofisticados petardos contra o que julgam ser a “estrutura dominante“ da sociedade industrial contemporânea. Um dos seus mais destacados mentores, Theodor Adorno (1903-1969) – que morreu de enfarte após uma aluna ter ficado nua na sala de aula para testar o grau de sinceridade do mestre pelas liberdades individuais por ele proclamadas – era taxativo em afirmar (“Dialética Negativa”, 1966), por meio da “ênfase dramática”, que o mundo e as consciências viviam alienados e não tinham mais salvação, apontando a concentração do capital, o planejamento burocrático e a máquina “reificadora” da cultura de massa como forças destruidoras das liberdades individuais (vindo daí, naturalmente, todo o arsenal crítico mais pretensioso contra Hollywood).

Hoje, em pese a suposta derrocada da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, além da falência de Cuba e o assentimento da China ao capitalismo de Estado, o “pensamento” de Marx, contra todas as evidências da insensata experiência comunista, permanece ativo e continua a causar estragos e até a apresentar-se como “hegemônico”, sobretudo no espaço retardatário da descarnada América Latina. É puro “non-sense”, mas pelo menos no Brasil é inquestionável a supremacia da dogmática marxista, pois o país tornou-se o espaço vital onde milhares e milhares de militantes esquerdistas, comandada por uma máquina bem-azeitada e nutrida nos fundos públicos (com recursos subtraídos a muque do bolso do trabalhador e dos empresários contribuintes), atuam sistemática e proficuamente dentro do aparelho do Estado, nas cátedras, parlamentos, púlpitos, quartéis, tribunais, mídias, associações civis e militares, sindicatos, prisões, ONGs, palcos, telas e até prostíbulos, com o objetivo único e irreversível de “socializar” a nação. Tal qual uma Cuba ou Coréia do Norte, o Brasil consolidou a imagem de ser uma economia das mais centralizadas do planeta, onde nada se faz sem o beneplácito do governo.

De fato, sob o ditame da mistificação marxista, o Brasil atolou-se na miséria física e espiritual, coisa que trataremos demonstrar no nosso próximo e último artigo sobre “Marx e o pensamento dos outros”.

 

Ipojuca Pontes, cineasta, jornalista, e autor de livros como ‘A Era Lula‘, ‘Cultura e Desenvolvimento‘ e ‘Politicamente Corretíssimos’, é um dos mais antigos colunistas do Mídia Sem Máscara. Também é conferencista e foi secretário Nacional da Cultura.

 

Arquivo MSM. Publicado em 20 de dezembro de 2010.

 

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