Sobre a invasão russa na Ucrânia: Conservadores, atenção!

Por Percival Puggina

Foto: Putin e Xi Jinping já se encontraram 38 vezes enquanto chefes de estado.
As constantes demonstrações de amizade e afinidades comuns já incluíram trocas de presentes, festas de aniversário, eventos sociais e atividades de lazer diversas e compõem um caso único e incomparável na história mundial recente.

 

Alguns conservadores brasileiros compraram pelo preço de capa as manifestações em que Putin se apresenta como crítico do desmonte cultural, espiritual e moral do Ocidente. Essa convergência, porém, não faz de Putin um Dostoievski. Ele é um ex-agente de segurança soviético e russo que se vê como versão atualizada do “líder genial dos povos” (povos eslavos, bem entendido), investido da missão de reconstruir a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sem Soviete Supremo e com menos socialismo.

Por ter sido antes aquilo que foi, ele conhece o apoio que os neomarxistas da Escola de Frankfurt receberam da URSS para fazerem das ciências sociais os modernos mísseis e tanques da guerra cultural. É exatamente por saber quão letais são essas “armas” que ele não as quer na Rússia. Mas isso não o converte num aliado do Ocidente, ou dos conservadores e/ou liberais do lado de cá.

O negócio de Putin é poder e quanto mais decaído for o Ocidente, quanto mais esquerdistas os Estados Unidos se tornarem, quanto mais tolerantes e molengas se fizerem Reino Unido e França, quanto mais os alemães se confiarem a pessoas como Mutti Merkel, melhor para ele. Tomem isto por autoevidente.

Quando Putin defendeu nossos direitos sobre a Amazônia brasileira, ele estava a defender, também, os direitos deles sobre a floresta russa, duas vezes maior do que a área total da Amazônia em nove países da América do Sul. Alguns dos maiores inimigos da Amazônia brasileira estão aqui mesmo, fabricando e fornecendo munição para os ataques determinados por aqueles que a cobiçam.

As relações brasileiras com a Rússia e com Putin devem preservar nossos interesses comerciais. Isso é uma coisa. Outra é o que Putin está a fazer, empurrando as próprias fronteiras sobre a Europa à custa de uma nação independente. A Ucrânia, sentindo-se ameaçada, tendo observado o que aconteceu na Crimeia, lendo nos jornais do mundo inteiro que um dia seria invadida pela Rússia, buscou abrigo na OTAN. Esse foi o motivo simbólico da invasão, mas a causa real é outra: o projeto pessoal de Putin.

Ser conservador, querer segurança jurídica, ter princípios e afirmar valores, exigir punição para quem rouba um telefone celular, é incompatível com aceitar que uma potência militar tome para si, na mão grande e violenta, uma nação inteira.

“Ninguém é santo nesse jogo”, dizem alguns. Sim, e daí? Daí o povo ucraniano, que lutou por democracia e liberdade no inverno de 2014, paga o pato?

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Putin e as razões do lobo

Enquanto escrevia estas linhas, representantes ucranianos e russos estavam reunidos em Belarus para um papo entre lobo e cordeiro. Nas últimas 48 horas, cerca de 350 mil civis haviam cruzado a fronteira com a Polônia, abandonando o país. Desde os tempos de Lênin, a Ucrânia tem sido o cordeiro da fábula em suas relações com a Rússia. A história é sempre a mesma, a Ucrânia tem razão e perde; a Rússia está errada e ganha. A reunião se revelou inútil.

Não surpreende, então, que os ucranianos queiram ficar no agasalho do artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, espécie de todos por um e um por todos em caso de agressão externa. Putin considera isso inaceitável em suas fronteiras. Aliás, o tirano russo considera inaceitável tudo que o desagrada. Convenhamos, a propósito: aqui no Brasil tem gente exatamente assim, sentada em cadeira de espaldar alto e caneta de ouro na mão.

Assisti, há bem poucos dias, uma entrevista em que Putin se conduz como o lobo da fábula. Na perspectiva dele, a Ucrânia  está servindo às estratégias da OTAN. Esta, através da Ucrânia, está sujando a água do lobo. A Rússia, no caso ele, seu tirano há duas décadas, não pode permitir armamento da OTAN em suas fronteiras.

Essa eu acho que posso ensinar para o Putin. Quem é natural de uma fronteira, como eu sou, tendo nascido em Santana do Livramento (fronteira com o Uruguai), entende de fronteira. Fronteira tem dois lados, Putin. Não existe zona neutra, terra de ninguém, numa fronteira. Ao invadir a Ucrânia, Putin empurra a própria fronteira e instalará nela bases militares.  Com esse avanço, a Rússia passará a fazer fronteira com Polônia, România, Hungria  Eslováquia e Moldávia.

Ademais, Belarus, ou Bielorrússia, é nação amiga da Rússia. Em plebiscito encomendado, aprovou a presença de armas nucleares em seu território. Pouco se fala  nisso, mas com tais relações, a Rússia estende suas fronteiras militares até a Polônia e a Lituânia, avançando ainda mais na direção do leste europeu. E da OTAN, obviamente.

Mesmo se o presidente da Ucrânia for um Danilo Gentilli globalista, com cabecinha de Felipe Neto, apoiado pela esquerda do Ocidente, isso não alterará a natureza do perigo que está se formando na Ásia com a tirania de Putin e o totalitarismo do Partido Comunista Chinês.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário, escritor, colunista de dezenas de jornais e titular do site www.puggina.org, no qual os presentes comentários foram publicados originalmente. Autor dos livros ‘Crônicas contra o totalitarismo’; ‘Cuba, a tragédia da utopia’; ‘Pombas e Gaviões’e ‘A Tomada do Brasil’. Integrante do grupo Pensar+.

 

3 Comentários
  1. TONES Diz

    Excelente observação! Não deixando espaço para complementações.

  2. Guilherme Saeger Diz

    Perfeito como sempre!

  3. Ilario Diz

    O artigo consegue expor, de maneira suscinta e sem leviandades militantes, situação das mais decisivas e complicadas.

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