Hannah Arendt
Por Nivaldo Cordeiro. Publicado em 28 de julho de 2013.
Arquivo MSM.
Hannah Arendt não percebeu que o único antídoto contra o totalitarismo é o retorno ao direito natural. Ou seja: o fim do Estado moderno como ele é. Não estamos livres dessas forças. O Estado atual torna-se mais e mais policialesco e um homem diante dele nada vale.
O filme de Margarethe Trotta sobre Hannah Arendt é sublime. Um relato conciso e fiel da vida da filósofa, centrado no caso Eichmann. A atriz que vive Arendt é ótima. A narrativa é muito boa, não cansa. Mas o espetacular é dizer que Hannah quis fazer a reportagem/livro. A obsessão de Arendt é a minha: explicar o mal. Tenho colocado minhas energias inteiras nisso, tanto ao grande mal quanto àqueles do cotidiano. Não é possível falar do mal sem falar das grandes guerras, do nazismo e do comunismo. Ali forças cósmicas interagiram para maximizar a morte.
É especialmente sensível em Hannah Arendt sua visão de que o mal está tanto do lado dos opressores como das vítimas. Sofreu calúnias por isso. Não obstante a genialidade de Hannah Arendt, ela falhou ao explicar a origem do mal. E, pior, perdeu-se na proposição de como preveni-lo. Sua ideia dos direitos humanos como meio de prevenção é romântica e errada. E fraca. Vemos hoje esses direitos serem transformados em opressão. Na verdade, a ideia de direitos humanos fundada no jus-naturalismo é parte do problema. Está na gênese do mal político. O mal é o Estado moderno. Não podemos compreender nem o nazismo e nem o comunismo sem que estudemos a verdade histórica. Ambos filhos do esteticismo alemão. O esteticismo alemão, por sua vez, é filho da Reforma e das ideias neoplatônicas do Renascimento.
A emergência do Estado nacional se dá aí. O poder de Estado foi separado de sua fonte transcendente e compreendido como amoral. O desvalor da vida humana acontece nesse instante. O novo Estado fundou o novo direito abstrato moderno, em suas variações. O jus-naturalismo foi precursor do positivismo jurídico radical. No nazismo e no comunismo o poder Executivo se confunde com o Legislativo. Tanto Hitler como Stalin avocaram a si a Vontade Geral. Legislaram. Claro, legislaram movidos pela visão demoníaca de que estavam possuídos. A morte era o objetivo único, o resto era meio. O mal absoluto.
A inspiração primeira de toda a tragédia está na obra de Goethe. Penso que, com ironia, a diretora pôs um personagem que fala do pai que o cita. Citação de Mefisto: “Sangue é um extrato muito especial”. É só isso que Satã sempre quis, massacrar os homens, e no século XX conseguiu. Nisso Hannah Arendt estava certa, em responsabilizar todos. Vemos que os generais nazistas e comunistas mandaram seus povos à morte. Impiedosamente. E o fizeram porque tanto fazia quem seria tornado defunto. O livro de Jonathan Littell (AS BENEVOLENTES) é espetacular sobre isso.
Hannah Arendt não percebeu que o único antídoto contra o totalitarismo é o retorno ao direito natural. Ou seja: o fim do Estado moderno como ele é. Não estamos livres dessas forças. O Estado atual torna-se mais e mais policialesco e um homem diante dele nada vale. A impiedade amoral de Eichmann eu vejo todo dia em policiais, fiscais da Receita e no Judiciário. O homem é apenas um cliente de suas taras. Uma narração da psicologia dessas gentes tomadas pelo instinto de morte pode ser vista no livro TEMPESTADE DE AÇO, de Ernst Jünger. Este autor foi combatente alemão na I e II Guerra Mundial. Matar e morrer para os fanáticos do front era a mesma coisa. Morria-se dos dois lados da trincheira. Aterrador saber que, de uma hora para outra, forças podem ser liberadas para a matança, em larga escala. Com a tecnologia atual, muito eficiente. Os mesmo elementos que aturaram antes atuam agora. Governantes amorais, satanistas ou, no mínimo, ateus, movem os cordéis. Zumbis de Satã. De novo está tudo pronto para uma Shoah, a grande calamidade, em larga escala. E não apenas judeus serão queimados. Destruição em massa. É preciso ver o filme e tentar, no mínimo, entender o legado da grande Hannah Arendt. Para mim, uma heroína.