Eterna recorrência

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Por Jeffrey Nyquist, em 04 de maio de 2005.
Arquivo MSM.

 

Resumo: O presidente russo quer restaurar a URSS. Quer os americanos gostem disso ou não, este simples fato leva a uma nova Guerra Fria.

© 2005 MidiaSemMascara.org

Imagine o seguinte raciocínio: (1) o universo consiste em um número finito de partículas; (2) o arranjo variável dessas partícula também é finito; (3) toda vez que um arranjo for feito, o universo tão-somente repetirá arranjos anteriores. Portanto, à medida que caminhamos para o fim dos tempos também nos aproximamos do começo dos tempos. De acordo com a teoria da “eterna recorrência”, o futuro é o passado e o passado é o futuro. Todas as coisas recorrem eternamente. E parece que certos líderes mundiais têm suas próprias versões dessa tese. Eles crêem que a única maneira de progredir é regredir. Como um homem que se apega ao amor perdido, eles pautam-se naquilo que nunca mais poderá acontecer de novo. Eles glorificam o passado, incapazes de imaginar outras aventuras senão as desventuras de seus antecessores. Essa gente é tão pobre, tão reacionária, tão destituída de confiança na bleza misteriosa da existência, que se apega às tolices do passado para vislumbrá-las no futuro.

Pois o presidente russo Vladimir Putin é um sujeito assim.

Tenho constantemente alertado meus leitores sobre a Rússia. Há uma química perigosa naquele país. “O povo russo é um povo czarista”, dizia Stálin. E o ditado de Stálin ressoa agora, mas o homem que faz pose de czar não é mais aquele bandido do Cáucaso, mas um espião de Leningrado. O presidente Vladimir Putin não tem a mesquinhez de Stálin. Ele não se deixa levar por ódio, vingança ou inveja. Seu espírito é mais saudável. Portanto, ele é menos sutil, mais eficiente, mais perigoso. Putin não é um bêbado astuto como Khrushchev ou um beberrão como Yeltsin, nem um velho debilitado como Brezhnev, nem está paralisado por causa de problemas nos rins como Yuri Andropov, nem é um ator e reformador liberal como Gorbachev, perambulando pelo mundo com slogans vazios. Putin é diferente de todos os outros governantes russos. Ele representa uma nova espécie de réptil.

Num recente discurso na TV, Putin disse: “Temos de reconhecer que o fim da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século.” Imagine a cadeia lógica necessária para sustentar tamanha monstruosidade, em plena luz do dia. Os jornais americanos tratam os planos de Putin com desdém. Dizem que sua popularidade está caindo, que uma nova revolução democrática vai dar conta dele. Mas os ditadores são especialistas em fabricar popularidade. E eles até mesmo dispensam a popularidade se preciso. Sempre há aqueles professores ou chefes que dizem que “não estão competindo por popularidade”. Afinal de contas, os homens não obedecem a popularidade. Sua obediência vem dos hábitos, da esperança e do medo.

Aristóteles já observava que a ditadura de um depende dos esforços de uma oligarquia. A oligarquia que está por trás de Putin é a elite da velha KGB e do Partido Comunista. Acaba de ser lançado um livro que delineia, indiretamente, o problema por trás dessa oligarquia. (Mas antes de continuar lendo, entenda que as mudanças genuínas são raras. Os seres humanos são o que são e mudanças fundamentais não é o normal. Na verdade, elas raramente acontecem). Refiro-me a um livro intitulado Biological Espionage (Espionagem Biológica), escrito pelo ex-agente da KGB Alexander Kouzminov, que trabalhou para um tal “Departamento 12, Diretoria S”. Esta é a diretoria que cuidava dos “ilegais” de Moscou, isto é, os agentes russos que posavam de ocidentais, operando sob disfarce. Em uma entrevista ao California Literary Review, Kouzimov disse: “[O departamento 12 da KGB estava encarregado de] planejar e preparar atos de terrorismo biológico e sabotagem em território estrangeiro, levando-os a cabo em caso de guerra e/ou conflitos militares de larga escala….”

É digno de nota que Alexander Kouzminov mudou-se para a Nova Zelândia, a ilha mais remota do mundo, localizada no extremo sul do Pacífico Sul. De acordo com Kouzminov, o trabalho do Departamento 12 “tem crescido” desde o colapso da União Soviética. A engenharia genética desenvolveu novos horrores biológicos a serem lançados num evento chamado “Dia X”, que significa o início da próxima guerra mundial. Estudiosos militares soviéticos acreditam que tal guerra envolve o uso maciço de armas nucleares e também biológicas. “A fórmula ‘Dia X’ em nossos documentos significa o começo de uma guerra em larga escala no Ocidente”, explicou Kouzminov. O Departamento 12 e o Departamento 8 da KGB foram incumbidos de preparar “atos clandestinos de sabotagem biológica contra ‘alvos em potencial’ em território inimigo”. Esses alvos em potencial incluem laboratórios militares de pesquisa, unidades de combate, estoques de armas, reservatórios públicos de água, supermercados, depósitos de vacina, indústrias farmacêuticas e a economia do país-alvo como um todo. Esses departamentos também assassinariam autoridades ocidentais e “pessoas importantes” (onde “importantes” é um termo que será determinado pelas exigências da guerra). Ataques diversionistas também farão parte do Dia X. Kouzminov não admite que a Rússia esteja contando os dias para o Dia X. Ele fala como se a Rússia de Putin jamais contemplasse tal ataque. Apenas “Estados opressores” fariam uma coisa dessas. Embora Kouzminov – de todos os lugares disponíveis do mundo – viva na Nova Zelândia!

Kouzminov também menciona algo chamado “recrutamento de bandeira falsa”, que é muito importante no trabalho russo de espionagem. O recrutamente de bandeira falsa é importante para entendermos os movimentos políticos extremistas, os ataques terroristas, sabotagens e subversões. “O serviço secreto russo recruta as pessoas de tal forma que não se consegue descobrir que, na realidade, elas concordaram em trabalhar para o serviço secreto russo”, explicou Kouzminov. As pessoas podem achar que estão, de fato, trabalhando para fundamentalistas islâmicos ou para a MOSSAD, mas, em verdade, estão trabalhando para a KGB (SVR). A charada pode durar anos a fio. “A Diretoria S continuaria a preservar a crença da fonte de que ele ou ela está sendo controlada por [nome da sua causa ou país favorito]…e não por Moscou”.

Por causa dos recrutamentos de bandeira falsa, a história real dos últimos cinqüenta anos ainda terá de ser escrita. Descobrimos agora que Moscou ordenou o assassinato do Papa João Paulo II. Dado que a KGB não desapareceu e dado que seus arquivos permanecem fechados e trancados, os segredos mais profundos permanecem enterrados e por uma boa razão. Afinal, um agente da KGB é o chefe de Estado da Rússia. Então, a velha agenda torna-se a nova agenda já que o novo chefe lamenta o falecimento da velha União Soviética. As pessoas sempre se entregam. Hitler lamentava o fim do Império Germânico enquanto condenava os “criminosos de novembro”. Putin lamenta o fim da União Soviética enquanto condena os “oligarcas corruptos” e especuladores capitalistas. Para os incapazes de ler perigo nesses detalhes ou são ingênuos ou sofrem de algum bloqueio ideológico.

O universo é feito de um número finito de partículas e o cérebro de um indivíduo comum é ainda mais finito. O que aconteceu antes vai acontecer de novo. A insensatez que precedeu a última guerra mundial já é bem melhor do que aquele que precede a próxima guerra mundial. Aqueles que crêem que haja “paz em nossos tempos” se congratularão. Os ditadores se regozijarão em privado. Após a assinatura do Acordo Naval Anglo-Germânico em 1938, Hitler disse ao seu ministro das relações exteriores: “Oh, não leve isso tão a sério. Esse pedaço de papel não tem nenhum significado importante mesmo”.

Dá para imaginar que o tenente-coronel da KGB Putin valorize “esses pedaços de papel” mais do que Hitler?

Ao delinear a estratégia russa de longo prazo (ver The Perestroika Deception), o desertor da KGB, Anatoliy Golitsyn, escreveu: “O Ocidente falhou em compreender a natureza fraudulenta das novas estruturas ‘democráticas’ e ‘não-comunistas’ que foram introduzidas na URSS e no Leste Europeu.” Os comunistas, acrescentou, “foram bem sucedidos ao ocultar do Ocidente que a chamada ‘oposição política’ dos ‘dissidentes’ foi criada, construída e guiada pelos Partidos Comunistas e serviços secretos do Bloco durante o longo período de preparação para a ‘perestroika’. Os potenciais políticos e militares foram totalmente desenvolvidos para servir aos interesses dessa estratégia”.

Mesmo as revelações de aposentados da KGB na Nova Zelândia mascaram as camadas de desinformação, engodo e desorientação vindos de Moscou. Para entendermos de xadrez, temos de estudar e jogar o jogo. Um aprendizado de um mês ou um ano não é o bastante. É necessário um curso de muitos anos. Mesmo assim, a maestria é dada a poucos. Similarmente, é difícil para os americanos entenderem os muitos e sutis mecanismos do totalitarismo. De acordo com alguns cálculos, dois terços da população cooperou com a polícia secreta durante a era Stálin, delatando vizinhos, amigos e parentes. Dois terços foram corrompidos e dois terços levaram vantagem às custas dos poucos honestos que restaram. Os americanos não têm experiências similares para fazer uma comparação. Não entendemos o poder de organizações secretas livres dos sistemas de freios e contrapesos (checks and balances). Dedicamos palavras feias ao senador Joseph McCarthy (cuja conduta deixou muito a desejar) e muitos ainda insistem que Whittaker Chambers era mentiroso. Mas, agora, uma geração inteira cresceu ignorando Whittaker Chambers e seu Witness (Testemunha). Nos anos 50, os americanos descobriram que havia uma máquina secreta comunista operando em solo americano. Eles descobriram isso por meio de depoimentos de comunistas americanos como Elizabeth Bentley e Whittaker Chambers. Nos anos 60 e 70, o anti-comunismo foi ridicularizado pela cultura popular. Agora está completamente esquecido e não temos contexto – enquanto povo – para entender o tenente-coronel da KGB Vladimir Putin. Nossa pobreza de conhecimento nos deixa inábeis para captar o pensamento deformado de um homem que arrepende-se do destino da URSS. O presidente russo da KGB quer restaurar a URSS. Quer os americanos gostem disso ou não, este simples fato nos leva a uma nova Guerra Fria.

Em seu livro, Whittaker Chambers escreveu: “Por que, então, os homens deixam de ser comunistas? Uma resposta seria: Poucos deixam de sê-lo.” Os homens raramente mudam. A aparência de mudança, na maioria dos casos, é enganosa. As experiências pessoais ratificarão essa afirmativa na medida em que a história guardar testemunho de sua verdade. O que aconteceu antes vai acontecer de novo. Crises políticas, revoluções, guerras e destruição recorrerão continuamente. Talvez elas “recorram eternamente”.

 

Jeffrey Nyquist é formado em sociologia política na Universidade da Califórnia e é expert em geopolítica. Escreve artigos semanais para o Financial Sense (http://www.financialsense.com/), é autor de The Origins of The Fourth World War e mantém um website: http://www.jrnyquist.com/.

© 2005 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: Edward Wolff.

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