Em torno da economia informal

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De minha parte, penso que não há o que censurar no sujeito que adere à informalidade. Pelo contrário. Em certas circunstâncias, evitar as garras do governo predador passa a ser um ato de legítima defesa.

Recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas calcula que o movimento da economia informal no Brasil, também conhecida como economia subterrânea ou paralela, atingiu o patamar de R$ 600 bilhões no ano de 2009.

O estudo, encomendado em causa própria pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), de São Paulo, ainda dá conta de que a economia informal, compreendendo toda a soma da produção de bens e serviços não declarada ao governo, acarreta “prejuízo” anual de cerca de R$ 200 bilhões aos cofres públicos. Ou seja, aproximadamente 18,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. (Em 2003, era na ordem de 21,5%).

Como não poderia deixar de ser, o governo perdulário corre como um louco furioso atrás do dinheiro da economia subterrânea, que hoje circunscreve (segundo dados estatísticos imprecisos) mais de 40 milhões de pessoas, entre as que trabalham por conta própria, além de empregados e empregadores das mais variadas atividades, sem falar nos que trabalham sem carteira assinada.

No cotidiano, cada vez mais ávida, a máquina arrecadadora do Estado não dá sossego à informalidade: ela procura atuar sobre o comércio informal por meio de sofisticados mecanismos de controle, entre eles o da temível nota fiscal eletrônica, ao tempo em que inventa instituições como o “Super Simples” (ilusória redução da burocracia tributária) e intensifica a sedutora propaganda governamental para atrair formalmente os integrantes da economia paralela com a promessa de créditos fabulosos e de baixo custo.

Não satisfeita, ao saber-se lograda, a hidra faminta desencadeia sobre ambulantes, atravessadores, tarefeiros, profissionais liberais, professores particulares, consultores, pequenos comerciantes e prestadores de serviços que escapam às suas garras uma perseguição feroz, fazendo de tudo para enquadrá-los e levá-los à formalidade.

Na ordem prática das coisas, todavia, a economia informal não se dobra nem se deixa seduzir. E por quê? – há de perguntar surpreso o interessado leitor. Bem, em primeiro lugar por uma questão de credibilidade: seus integrantes não depositam a menor confiança no governo. Em geral, por experiência própria, boa parte da população que compõe o vastíssimo universo da economia informal está farta de saber que uma vez alinhada no âmbito da economia formal ela será considerada apenas mais um número na rubrica da máquina arrecadadora oficial e condenada a pagar, ad eternum, tributos e mais tributos a um sócio, além de arrogante, predador.

O negócio não é fácil. Tal como me disse certa vez um camelô ao escapar do “rapa”, os informais fogem do governo como o diabo da cruz. Com efeito, para adotar conscientemente tal providência (tida como lesiva aos interesses do governo), convém ao leitor saber que milhões de pessoas hoje atuantes na economia informal já integraram o vasto mundo da economia formal, terminando por retornar à informalidade depois da amarga experiência, visto não terem obtido qualquer tipo de benefício no exercício da economia formal – salvo o de pagar, em escala crescente, impostos ao governo.

O próprio governo, ironicamente, tem sido o principal incentivador da informalidade. Por exemplo: no caso específico do mercado formal de trabalho, em que o empregador ao assinar contrato de trabalho com um hipotético empregado torna-se refém de uma legislação trabalhista inviável, sua prática, no histórico, só tem levado o empregador à falência e o empregado ao desemprego. Fato por demais conhecido, calcula-se em milhões o número de empresas que são largadas hoje no meio do caminho (ou simplesmente deixadas de lado após algum tempo de funcionamento) sem que os empresários postulantes tratem de fechá-las na forma da lei: é que além de impraticável, a tarefa sai mais onerosa e problemática do que abrir uma nova empresa – outra tarefa problemática.

Por outro lado, o caso da Previdência Social – no momento convivendo com um rombo financeiro superior a R$ 1 trilhão – é monstruoso. Só para ilustrar como se processa o descalabro, o segurado autônomo recolhe aos cofres do INSS durante 30 anos uma contribuição mensal proporcionalmente significativa para auferir, aos 65 anos, já com o pé na cova, o impressionante benefício de R$ 510 – em contraposição ao aposentado do setor público que ganha, às vezes com menos de 50 anos, dez vezes mais do que o aposentado do setor privado, havendo casos em que muitos deles (os célebres “marajás”, denunciados por Collor de Melo) chegam a receber aposentadorias mensais correspondente ao valor de até 80 salários mínimos.

Por causa de tal distorção, só para cobrir o rombo com despesas de aposentadorias e pensões de 900 mil funcionários públicos, o Tesouro Nacional desembolsou em 2009 cerca de R$ 47 bilhões, superando, em muito, a folha de pagamento de 28 milhões de aposentados pelo regime do INSS, que recebem, em média, 1 salário mínimo mensal.

(No campo da assistência médico-hospitalar assumida pelo governo o caso é bem mais daninho. Uma simples visita a um hospital público, em que pese os bilhões de reais neles investidos, nos leva a acreditar que descemos ao sétimo círculo do inferno traçado por Dante Alighieri na sua “Divina Comédia”: nele, nos deparamos com filas de arrasar quarteirões, corredores repletos de doentes crônicos, pacientes agonizantes à espera do atendimento de falsos médicos, equipamentos hospitalares contaminados ou danificados e, sobretudo, com a falta permanente de leitos e medicamentos indispensáveis ao atendimento dos pacientes).

De minha parte, penso que não há o que censurar no sujeito que adere à informalidade. Pelo contrário. Em certas circunstâncias, evitar as garras do governo predador passa a ser um ato de legítima defesa. Afinal, por que teria ele de pagar mais imposto a um tirano que adota o acosso fiscal como princípio e a corrupção como norma? Para permitir que Zé Dirceu exerça melhor o seu milionário ofício de lobista? Para garantir que Arnaldo Jabor faça filmes com cenas explícitas de puteiro por R$ 12,5 milhões arrancados do bolso do indefeso contribuinte? Ou para que a classe política, permissivamente bem paga, mas alheia ao interesse geral, recrie mais uma CPMF para espoliar a população?

Tá doido, meu. Nem que a vaca tussa!

 

Ipojuca Pontes, cineasta, jornalista, e autor de livros como ‘A Era Lula‘, ‘Cultura e Desenvolvimento‘ e ‘Politicamente Corretíssimos’, é um dos mais antigos colunistas do Mídia Sem Máscara. Também é conferencista e foi secretário Nacional da Cultura.

 

Arquivo MSM. Publicado em 14 de novembro de 2010.

 

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