Em defesa da linguagem
Por Jeffrey Nyquist. Publicado em 16 de julho de 2015.
Arquivo MSM.
“Eu e meu público nos entendemos perfeitamente. Eles não ouvem o que digo, e eu não digo o que eles desejam ouvir”.
Karl Kraus
Há tanta coisa acontecendo bem agora, com um possível terremoto financeiro na Europa, que estamos todos sujeitos a focar os efeitos ao invés das causas. Por muitos anos tenho me perguntado porque tantas pessoas inteligentes e aparentemente responsáveis são de algum modo incapazes de entender nossa falência coletiva. Suspeito que se deva a uma indecente preferência por atalhos intelectuais.
Em Reflexões Autobiográficas, de Eric Voegelin, encontramos um tributo a Karl Kraus (foto). Escreveu Voegelin: “Seu trabalho… deve ser entendido no contexto da fantástica destruição da linguagem alemã durante o período Imperial da Alemanha após 1870”. Hoje tendemos a associar nosso presente declínio às inovações da década de 1960, ou aos efeitos malignos dos totalitarismos de 1920 e 1930. Mas não, a degeneração real iniciou-se muito antes. Os males dos dias modernos não emergiram do nada. A Era Dourada do capitalismo liberal foi a verdadeira origem de nossa atual decadência – o terreno de nossos empreendimentos mais malignos. Aqui está o início da corrupção de toda linguagem, todo pensamento, todo espírito. “Quem recusa todo compromisso de linguagem”, disse Kraus, “recusa todo compromisso de causa”.
Devemos aprender com o fato de que a sociedade burguesa deu nascimento ao socialismo a partir das concepções de seus próprios filhos e estudantes, que sempre o nutriram. Mas isto é apenas meia verdade. Os filhos alienados da burguesia, educados em grau perigosamente alto, descobriram um profundo antagonismo entre a respeitabilidade da vida burguesa e o escândalo do pensamento independente. “O pensamento é uma criança mimada”, escreveu Kraus. “Na vida de classe média alguém encontra-se apenas com a opinião”. Entretanto, o garoto supereducado despreza seu pai empresário. O filho educado do homem trabalhador torna-se um revolucionário chamado “Stalin”. A educação torna-se um veneno para muitas pessoas; pois todos que são educados são, na verdade, educados pela metade. E o que poderia ser mais perigoso?
Este envenenamento da mente, como fruto da prosperidade e educação da classe média, tem conduzido a civilização ao fiasco do intelectual. Seres humanos, geralmente, não são pensadores competentes. Tendemos em direção à incompetência, e a excelência intelectual amplamente consiste em momentaneamente superar esta incompetência. Neste contexto, entretanto, permita-nos considerar a seguinte trajetória: a saber, que os intelectuais enamoraram-se pelo darwinismo, pelo marxismo e abraçaram a psicanálise. E como observou Karl Kraus, “a psicanálise é a doença mental da qual ela pretende ser a cura”. Podemos dizer também que o marxismo é a opressão política da qual pretende ser a salvação? E não falhou o homem em evoluir em dignidade desde A Origem da Espécies de Charles Darwin?
A degeneração de nossa linguagem moderna origina-se em nossa preferência por ideologias e ciências fraudulentas. Aqui são encontrados os fundamentos de nossa falsa consciência. Voegelin diz-nos que Karl Kraus resistiu à ideologia devido a ela ser a destruidora da linguagem, “quando o pensador ideológico perde o contato com a realidade e desenvolve símbolos para expressar não a realidade, mas seu estado de alienação dela”. Para combater isto precisamos restaurar a linguagem evitando o modismo do atalho intelectual. Mas isto não é fácil, pois as pessoas desejam uma fórmula. Elas desejam ouvir as cadências de Adolf Hitler: “Um povo, um império, um líder”. Elas preferem as nítidas linhas divisórias do conflito de classes, de pobres contra ricos, de nós contra eles. Julien Benda chamou a isto de “a traição dos intelectuais” na qual tudo é focado na organização do ódio político.
Estamos tornando-nos insanos e o politicamente correto está na raiz de nossa insanidade. Esta é uma verdade simples que parecemos incapazes de confrontar. A sociedade está gradualmente perdendo contato com a realidade, e o indivíduo está perdendo contato com a realidade, porque nossos líderes estão abusando da linguagem a fim de inverter a realidade. As coisas devem, mais uma vez, ser chamadas por seus nomes adequados. A progressiva desintegração de nossa sociedade não pode ser entendida sem primeiro compreendermos as consequências de nossa degeneração (ou violação) da linguagem. “O fenômeno de Hitler não se esgota em sua pessoa”, escreveu Voegelin. “Seu sucesso deve ser entendido no contexto de uma sociedade intelectualmente e moralmente arruinada na qual personalidades que de outro modo seriam grotescas figuras marginais, podem alcançar o poder público porque soberbamente representam as pessoas que as admiram. Esta destruição interna da sociedade não terminou com a vitória aliada sobre os exércitos alemães na Segunda Guerra Mundial, mas ainda continua”.
Não houve vitória real para a civilização em 1945. E a Alemanha não foi unicamente a culpada prévia a 1945. Toda a espécie humana civilizada está implicada num desastre que ainda continua. A destruição de nossa vida intelectual e espiritual continua ainda hoje, apenas falhamos em reconhecer os sintomas. Como Voegelin explicou mais de um quarto de século atrás, “não há ainda fim à vista na medida em que diz respeito à desintegração da sociedade, e consequências que podem surpreender são possíveis.
Simplesmente olhe a sua volta. Nosso mundo é um mundo em que homens são mulheres e mulheres são homens, no qual jovens sabem melhor que idosos, no qual princípios ancestrais são solapados por novos princípios mal madurecidos. O que era anteriormente vergonhoso agora é enobrecido. O que era anteriormente imoral, é agora moral. Nietzsche certa vez descreveu o desenlace da antiguidade como “Nero no trono e Deus na cruz”. Parece que o final de nossa civilização está tendendo na mesma direção.
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Tradução: Flávio Ghetti