Elites vendidas: O Brasil diante do imperialismo chinês

Por Diogo Fontana

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Os políticos e a burguesia local se lambuzam, enchem a pança, e gozam, com a vulgaridade que lhes é peculiar, as delícias da amizade chinesa.

 

Ao longo da história a expansão comercial foi muitas vezes a ponta de lança da conquista territorial. Não foram poucos os impérios que usaram este expediente: primeiro os negócios, depois as armas.

Na Antiguidade, comerciantes romanos – os chamados negotiatores – prosperavam no território dos povos ainda não submetidos ou ainda não honrados com a “amizade” de Roma. Ousados e ardilosos, os mercadores precediam as tropas e estabeleciam vasta rede de relação comercial em terra estrangeira muitos anos antes da possibilidade de qualquer penetração militar. No momento oportuno, porém, a experiência desses pioneiros tornava-se preciosa fonte de inteligência para os generais agirem: a demografia, as rotas fluviais e terrestres, o clima, o sentimento popular, a situação política e diplomática, os recursos naturais, o parque manufatureiro, a capacidade militar, etc., – as mais variadas informações eram fornecidas ao exército conquistador pelos integrantes da vanguarda comercial. Mas não era só isso. Os vínculos instituídos entre os comerciantes estrangeiros e parte da elite local surtia efeito divisor e inclinava aqueles que lucravam com a presença romana a simpatizarem e até trabalharem ativamente em prol o invasor. Divide et impera.

Hoje, essa mesmíssima estratégia vem sendo implantada, com sucesso crescente, pelos imperialistas chineses, cada vez mais sedentos de domínio global. Em 2013, a fim de pavimentar o caminho para a hegemonia, o ditador chinês anunciou a Belt and Road Initiative, um gigantesco e ambicioso programa cujo objetivo declarado é “melhorar a conectividade e a cooperação em escala transcontinental”. O programa consiste em duas partes, ou duas rotas: a primeira, o Cinturão Econômico da Rota da Seda, que liga a China à Ásia Central e à Europa; a segunda, a Nova Rota Marítima da Seda, unindo a potência comunista aos países do norte da África, do Oriente Médio e do sudeste Asiático. A iniciativa é aberta a todos os países e inclui a volumosa concessão de empréstimos e um não menos impressionante investimento direto em infraestrutura e transporte. Em apenas quatro anos de vigência, de acordo com dados do Banco Mundial, o projeto já havia consumido 575 bilhões de dólares e envolvido ao menos 125 países, incluindo nações da Ásia, África e América Latina. Os entusiastas estimam que o comércio irá prosperar, e o custo e tempo de viagem diminuir ao longo dessa “nova rota da seda”. Mais comércio, mais riqueza, maior desenvolvimento para muitas regiões. Em suma, mais dinheiro. Consigo imaginar a piloereção dos liberais ao ler estas linhas. Perguntarão: “mas se todo mundo ficará mais rico, Diogo, qual é o problema?” E o chato aqui deverá responder: a armadilha se chama endividamento. E a consequência disso se chama submissão.

Entre 2003, ano da posse do Lula, e 2019, investidores chineses injetaram 72 bilhões de dólares no Brasil, superando os Estados Unidos. A China é a maior cliente para os nossos produtos e a maior investidora em nossa infraestrutura. Nada escapa à sua voracidade, compram de tudo, em todos os lugares. Já pertencem aos chineses 14 hidrelétricas e 11 parques eólicos; também possuem participação em 12 campos do pré-sal; administram o terminal de contêineres do porto de Paranaguá; controlam 100% do fornecimento de água da grande São Paulo; detêm uma cota de 23,7% da Azul Linhas Aéreas; são sócios majoritários da Belagrícola, gigante produtora de máquinas e equipamentos; comandam a filial mato-grossense da Fiagril, distribuidora de grãos e biodiesel; são donos da CPFL Energia, maior grupo privado do setor elétrico brasileiro; comandam o Nubank, maior banco digital do mundo; pretendem instalar uma fábrica de motos elétricas em Uberaba, Minas Gerais; e dominam mais uma carrada de outras coisas que eu ignoro e fiquei com preguiça de pesquisar, mas que, segundo consta em um relatório do Conselho Empresarial Brasil-China publicado em 2018, perfazem pelo menos 145 operações chinesas no Brasil. Digo “pelo menos” porque o volume total só Deus sabe, ou talvez só o Xi Jingping saiba, pois este próprio relatório afirma que “tendo em vista que não há um monitoramento abrangente o suficiente que garanta uma base de dados completa em relação aos investimentos chineses no Brasil, seja por parte do Estado brasileiro ou de outras instituições, é importante mencionar que as informações aqui divulgadas se tratam de uma amostra geral dessas transações”.

Testemunhamos a ofensiva chinesa não apenas no setor de infraestrutura brasileiro. Eles também estão presentes na imprensa, onde inundam com seu dinheiro fácil grupos de comunicação moribundos quando não desesperados, tais como a Globo e a Bandeirantes, tendo sido a primeira beneficiada por meio de uma parceria tecnológica e a segunda com o fornecimento e produção de conteúdo. Obviamente, não serei eu leviano a ponto de insinuar que ambas emissoras, no futuro, hão de continuar guardando um silêncio obsceno acerca das perseguições étnicas e religiosas ou do brutal totalitarismo orwelliano já instalado em território chinês. Tal coisa eu jamais insinuaria, de modo algum, pois acredito na honra e no amor à verdade sempre exibidos por nossos respeitabilíssimos jornalistas da mídia tradicional.

Mas a coisa não pára por aí. As garras do imperialismo chinês atingem a educação, miram as nossas crianças. Já funciona no bairro de Botafogo a Escola Chinesa do Rio de Janeiro, a primeira instituição de ensino aberta pelos chineses no exterior, “uma organização educacional sem fins lucrativos criada com o apoio financeiro de empresários chineses que residem no Rio de Janeiro e empresas chinesas sediadas no Brasil, com a permissão e apoio do Consulado Geral da China.” A escola conta com professores chineses e livros didáticos chineses.

O que esperar disso tudo? A resposta está nos países onde o domínio chinês se consolidou. Por meio de subornos e contratos leoninos, em vários pontos do planeta, os chineses estão conseguindo anexar territórios ao seu império crescente.  No Sri Lanka, por exemplo, onde obtiveram o controle, por 99 anos, de uma de área de 63 hectares anexa ao porto de Colombo, capital do país, já se fala abertamente em “colônia chinesa”. O governo local isentou os investidores estrangeiros de cumprir a legislação nacional. A região representa, na prática, uma zona especial fora da jurisdição do país. É um entreposto chinês no Sri Lanka.

Onde quer que se instalem, os chineses comprometem parte da elite local, política e empresarial, enriquecendo-a obscenamente por meio de parcerias que garantem um aluvião de propinas, bugigangas, e empréstimos baratos. Os políticos e a burguesia local se lambuzam, enchem a pança, e gozam, com a vulgaridade que lhes é peculiar, as delícias da amizade chinesa. E se algum interlocutor desagradável tiver a pachorra de levantar questões morais, preocupado com a segurança e a soberania nacional, receberá certamente como resposta algum argumento técnico do tipo “não é bem assim” ou “é complicado”.  E a coisa ficará por isso mesmo. Afinal, quem deles, em meio à farra de vinhos e jatinhos, aflito por quitar a fatura do cartão da esposa que comprou mais uma dúzia de bolsas de grife, terá cabeça para pensar em coisas tão abstratas como a desindustrialização da pátria ou o desemprego maciço dos trabalhadores?

Se nós brasileiros não dermos um basta imediato ao assalto chinês aos nossos recursos, em breve, muito breve, seremos uma colônia ou um protetorado. Então, sofreremos calados, por muitas gerações, a humilhação de receber ordens arrogantes de um dos impérios mais desumanos que o mundo já conheceu.


Publicado no site da Editoria Danúbio.

Diogo Fontana nasceu em Curitiba em 1980. É escritor, editor e tradutor. Publicou a novela “A Exemplar Família de Itamar Halbmann” (Danúbio, 2018). Escreveu artigos para o jornal Gazeta do Povo e para os sites Brasil Sem Medo, Senso Incomum, Estudos Nacionais e Mídia Sem Máscara. Mora em Santa Catarina com a esposa Gabriela e o filho Constantino.

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2 Comentários
  1. Mauro Diz

    Ótimo artigo. Se Lula ou qualquer “amigo” dele vencer no ano que vem com certeza a situação vai piorar muito.

  2. Jorge Luiz Diz

    A “Tchaina Town” brasileira será na Bahia ? Ficarão os “flango flito” com o subsolo de esmeraldas do Brasil à revelia da estupidez tacanha do senado federal e da Câmara das deputadas recalcadas?
    OU
    Dorian Gray entregará a cabeça do povo paulista numa bandeja de prata, ao sabor da putrefação da assembleia legislativa e de deputados fake news?
    Este será o legado da pizza hereditária criada em Pindorama?
    A decadência neo colonial não acaba?

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