O homicídio é sempre uma antecipação da morte, que é inevitável.
Mas seja uma antecipação de alguns anos, seja de alguns minutos,
não deixa de ser homicídio.
No dia 16 de dezembro de 2021, fiz as exéquias de um menino chamado José. O bebê nasceu prematuro (com 21 semanas e seis dias) no dia 14, às 13h51min e foi batizado pela avó, que estivera na sala de parto. Faleceu poucos minutos depois, como filho de Deus.
A mãe de José foi internada no dia 11. No dia 12, ela e seu marido receberam fortíssima pressão para que o filho fosse abortado. Segundo os profissionais de saúde, a mãe padecia de corioamnionite, ou seja, as membranas que envolviam José (o córion e o âmnio) sofriam inflamação aguda. A bolsa ainda não se tinha rompido e José tinha o coração pulsando forte: 140 batimentos cardíacos por minuto. No entanto, a morte de José estava não apenas prevista, mas decretada pela equipe médica.
[A paciente] se recusa a prosseguir com o tratamento indicado, que é a indução do parto para resolver a infecção. […] Possibilidade de evolução da infecção para um quadro séptico […] O mais indicado é a indução, visto que esse feto é inviável […] O quadro é muito grave […] A vida dela está em risco […] Conduta: iniciar antibioticoterapia potente e indução do parto. […] Peça para o esposo vir ao hospital para deixá-lo ciente do quadro.
No dia 13 a pressão continuou:
Paciente permanece irredutível quanto à indução do parto. Ciente dos riscos para ela e que é uma gestação inviável.
No dia 14, por volta de 01 hora da madrugada, a mãe entrou naturalmente em trabalho de parto. José nasceria às 13h51min.
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Pelos trechos do prontuário acima descritos, percebe-se que José nunca é chamado de bebê ou criança ou filho, mas de feto e “feto inviável”. O aborto de José nunca é chamado de aborto, mas de “indução de parto”. Por vontade da equipe médica, a mãe teria recebido, por via vaginal, um comprimido de misoprostol, 400 miligramas, de três em três horas, até expelir o bebê (que morreria em razão da expulsão). Conhecida por seu nome comercial, Cytotec, o misoprostol é uma droga usada para induzir contrações no útero e causar aborto.
Será correto dizer que os profissionais desejavam apenas “induzir o parto” e não provocar um aborto?
A questão acima já foi respondida pelo Santo Ofício em 1895. Um médico, sob o pseudônimo de Tício, perguntou se era lícito praticar aborto para salvar a mãe de uma morte certa e iminente. Em sua pergunta, Tício tentou justificar-se dizendo que costumava empregar meios e operações que não eram por si e imediatamente tendentes a matar o feto no útero materno, mas tendentes a removê-lo de lá vivo, se possível, ainda que logo depois ele morresse por causa de sua imaturidade. Seria lícita sua conduta? A resposta do Santo Ofício veio no dia 24 de junho de 1895, e foi negativa [1].
Portanto, a expulsão prematura de uma criança tendo por efeito sua morte constitui um aborto diretamente provocado. O médico não pode dizer que “não queria” a morte do bebê embora o tenha feito morrer. Assim explicam M. Zalba e J. Zobal:
É que a intenção do médico, ainda que explícita e reflexamente quereria salvar também a criatura, implícita e diretamente aceita e ainda escolhe matá-la, ao executar livremente a ação que em semelhantes circunstâncias é um atentado real contra aquela vida incipiente. Ineficaz e afetivamente quereria salvá-la; eficaz e efetivamente quer matá-la ao querer a ação que leva em si a morte [2].
A equipe médica mais de uma vez disse que o “feto” era “inviável”, ou seja, que a criança morreria de qualquer maneira, por sua imaturidade, com ou sem “indução” ou “antecipação” de parto. Que diferença haveria, pensavam os médicos, entre deixar a criança morrer por si mesma e fazê-la morrer um pouco mais cedo?
Uma enorme diferença! Quem espera a criança morrer respeita a vida da criança. Quem causa a morte da criança é um homicida.
O homicídio é sempre uma antecipação da morte, que é inevitável. Mas seja uma antecipação de alguns anos, seja de alguns minutos, não deixa de ser homicídio.
Além disso, é falso dizer que a partir de uma fase da gestação não é mais possível falar-se em aborto, e sim de uma “antecipação de parto” não abortiva.
Se, por exemplo, em uma gestação já avançada, uma criança gravemente deficiente (como o bebê anencéfalo) é expulsa artificialmente do ventre materno e morre, estamos diante de um verdadeiro aborto! Quanto maior a dependência da mãe (como ocorre em bebês deficientes), mais claro é o nexo de causalidade entre a expulsão da criança e sua morte. É esse nexo que caracteriza o aborto, qualquer que seja a etapa da gestação.
Qual deveria ter sido a conduta médica? Em vez de torturar incessantemente o casal ameaçando a gestante de morte e apresentando o aborto como a única solução para a infecção que se iniciava, a equipe médica deveria:
1º) referir-se à criança como um filho digno de respeito e cuidado.
2ª) injetar antibiótico na veia da gestante e monitorar a evolução do quadro infeccioso e a saúde do bebê.
3ª) em caso de ruptura da bolsa, continuar aplicando antibiótico e monitorar os batimentos cardíacos da criança.
4ª) somente após a morte certa da criança, expulsá-la do útero.
5ª) ocorrido o nascimento espontâneo da criança (como se deu com José), providenciar imediatamente o Batismo, jogando água na sua cabeça enquanto se pronunciam as palavras “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
6ª) permitir a presença do marido na sala de parto, em obediência à Lei 11.108/2005, que obriga a “permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”.
Para os médicos, o aborto direto deve não apenas ser proibido; deve ser impensável.
Notas:
[1] Cf. M. ZALBA – J. BOZAL, El magisterio eclesiastico y la medicina., Madrid: Razon y Fe, 1955, p. 74. A resposta também está em Denzinger – Hünermann (DH), n. 3298.
[2] M. ZALBA – J. BOZAL, El magisterio eclesiastico y la medicina…, 86.
O Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz é o presidente do Pró-Vida de Anápolis, em cujo website o presente artigo foi publicado originalmente.
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