Bonecos de gengibre

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Por Jeffrey Nyquist. Publicado em19 de outubro de 2015.
Arquivo MSM.

 

“A reestruturação da militarização inicialmente imitaria a cultura de massa de civilização desmilitarizada – com suas cabines de votação e seus símbolos de diversidade, sua hipocrisia social e seus enganos políticos –, tão competentemente quanto certa vez simulou a cultura aristocrática na Rússia. Então fomentaria um Guerra de Trinta Anos de milhares de Vietnãs locais, uma fragmentação pseudo-religiosa, pseudo-racial, pseudo-política, a qual um poder centralizado capaz de proporcionar a paz global seria a resposta gradual”.
Andrei Navrozov, The Gingerbread Race [pag. 339]

As pessoas estão perguntando a respeito dos movimentos militares da Rússia na Síria. Elas querem saber mais sobre os quartéis russos e iranianos sendo instalados em Bagdá. Elas perguntam se a anexação da Criméia pela Rússia no ano passado teve alguma coisa a ver com tudo isso. Melhor que tentar responder a estas questões urgentes, penso que seria melhor considerar o que foi escrito há tempos por um escritor chamado Andrei Navrozov.

No livro de Andrei, The Gingerbread Race: A Life in the Closing World Once Called Free, lemos a respeito do “boneco de gengibre”:

Onde um tipo ordinário de pão doce teria ficado na fôrma, ele fugiu de seus produtores.Fora da fôrma, fora do paraíso. Continuamente corria o boneco de gengibre Kolobok,o refugiado com olhos de passas, acompanhando um ponto suave ao qual ele chamou individualismo, e eventualmente, ele era a espécie. A espécie construiu catedrais, controlou navegação e engenharia, descobriu a cura para o escorbuto…

O boneco de gengibre era mais rápido que seus predadores. Eles não podiam alcançá-lo porque liberdade e individualismo deram a ele velocidade. “Ele era muito orgulhoso de seus registros”, escreveu Andrei,

os quais, ele acreditava, eram a história de sua espécie mais que a biografia de seus proscritos e mártires. Infelizmente! Isto era uma ilusão ignorante, e embora não pudesse ser logicamente reconciliado com a verdadeira história de sua origem, ele decidiu que daquele momento em diante tudo seria o melhor do melhor de todos os mundos possíveis”.

“Ninguém pode me alcançar”, disse o boneco de gengibre. Ele foi fortalecido pela economia de livre mercado, logo sua rapidez estava assegurada. Mas então, explica Andrei, nosso herói semi-confeitado encontrou um animal de caça chamado Chronos, “identificado no conto de fadas como uma raposa dissimulada… já famosa por ter atraído para a ruína todos os rouxinóis da floresta”. A raposa desejava conversar com o boneco de gengibre. Ele queria paz. Ele desejava boas relações. Então começou algo chamado diplomacia, ou talvez fosse détente ou glasnost, mas o boneco de gengibre continuava correndo, porque sua sobrevivência dependia de correr mais que a raposa.

Corra! Corra! Tão rápido quanto puder!
Você não pode me alcançar
Sou o boneco de gengibre!

Um dia a raposa disse ao boneco de gengibre que ela não estava na verdade perseguindo-o. Seu inimigo real era um galo de briga, talvez chamado ISIS. E talvez toda aquela corrida tenha levado-os à Síria, ou ao Iraque. Andrei não menciona estes detalhes, mas podemos vê-los hoje. De qualquer forma, a raposa era muito persuasiva. “Estou apenas fingindo que estou atrás de você, doce Kolobok!”, disse ela. De acordo com Andrei, “Kolobok acreditou naquela história fantasiosa, mas o instinto vestigial de auto-preservação disse a ele que continuasse correndo. Então a raposa tentou uma tática diferente. “Só estou correndo porque você está correndo. Não quero alcançar você, quero apenas conversar com você”.

Qual o mal em conversar, especialmente quando se encontra um rio largo? Talvez este rio fosse denominado Europa, como Andrei sugere, ou talvez seja chamado Oriente Médio. Qualquer que seja o nome, constitui um problema mútuo que a raposa pretende resolver. É claro, um boneco de gengibre não pode nadar. Ele se desintegraria no decurso da travessia. “Salte em minha fábula”, disse a raposa. Por que não, afinal? Usar um predador perigoso para cruzar um rio faz todo sentido para alguém com cérebro de gengibre:

“Então ele saltou na fábula da raposa, e a raposa começou a descer a margem do rio e entrou na água. Novamente, muitas palavras foram usadas para descrever este processo, termos acadêmicos como desarmamento bilateral, détente (relaxamento) ou coexistência necessária, e muitas explicações de suas utilidades foram apresentadas. Algumas vezes o boneco de gengibre falou em novos mercados, justificando seu curso de ação em fundamentos econômicos. Ou ele diria simplesmente que o mundo era um lugar pequeno e todos devem trabalhar juntos. Às vezes ele falou mesmo em impedir uma catástrofe ecológica… Mas desde que os livres-pensadores da espécie tinham sido silenciados e apenas bajuladores institucionais permaneceram, ninguém ousava dizer que isto era arrogância ignorante e que a ambição cega o fazia decidir embarcar na viagem suicida. E então a raposa dissimulada fingiu, como só as raposas podem, que ela estava indisposta. Eles agora estavam entrando em águas rasas, e Kolobok ainda poderia saltar de volta à terra. “Estou positivamente desmoronando”, disse a raposa. “Você é pesado demais para minha cauda! Como você provavelmente sabe, o estado de minha economia, quer dizer minha saúde, é propaganda dissimulada. Salte em minhas costas”. Os bajuladores, que sempre concordavam com tudo, concordaram que a raposa sempre tinha sido única para propaganda dissimulada. Então o boneco de gengibre saltou nas costas da raposa. Oh, ele estava mais orgulhoso que nunca de sua nobre espécie. Ele sentiu-se eufórico. Ele tinha que se sentir eufórico, porque esta era a última chance de retornar. Ornamentados acordos foram assinados, orquestras tocaram músicas patrióticas, fogos de artifício iluminaram o céu, e a reunificação, como foi chamada, de predador e presa foi celebrada por todo o mundo. Para os espectadores eles pareciam inseparáveis, um tipo de centauro mítico avançando através do fluxo da existência… uma realização de algum sonho ancestral do leão e do cordeiro, até que repentinamente a raposa disse bruscamente: “Não adianta. Você é pesado demais para minhas costas. Se você não saltar para o meu nariz eu vou me afogar, e você vai se afogar comigo”. Repentinamente assustado, o boneco de gengibre fez o que a raposa disse. “Mundo estranho”, suspirou Kolobok para si mesmo, momentaneamente inquieto. O tempo pareceu parar, e embora não fosse um pensador, ocorreu-lhe agora, a propósito de nada como era, que medo suficiente pode relativizar a história como certamente velocidade suficiente pode relativizar o tempo. “Bem, não foi tão ruim, foi?”, disse a raposa para tranquilizá-lo, e acrescentou, para distraí-lo daquele penetrante sentimento de impotência que ele nunca havia experimentado: “Não muitos de sua espécie viajaram no nariz de uma raposa!” Isto evitou sua inquietação. Quando alcançaram o outro lado, o boneco de gengibre sentiu-se lançado no ar. Por um momento ele pensou que era um acidente, preocupado apenas que sua dignidade tinha sido comprometida, embora o famoso sorriso Arcaico não tenha abandonado seus lábios de passas mesmo então. Mas os dentes da raposa estalaram. “Oh querido”, disse o boneco de gengibre, “meus bajuladores se foram”, porque, bastante estranhamente, os bajuladores são sempre os primeiros a partir em tais situações. Então ele gritou: “Meus livres-pensadores se foram!”, porque em tais situações os livres-pensadores não estão tão longe atrás dos bajuladores. E após aquilo, o boneco de gengibre não disse nada mais, porque ele estava dentro da raposa e a raposa era o mundo”.

Tal foi a versão da história de Andrei. E é para isto o que a história tem sido conduzida. Apenas o boneco de gengibre de hoje está perguntando, “Por que não permitir que os russos combatam o ISIS?” Pouco a pouco o boneco de gengibre é manobrado da cauda para o nariz da raposa. Pense nisso como segue: a Europa depende do óleo do Oriente Médio, e a América defende aquele óleo. E se ao invés, a Rússia estivesse defendendo aquele óleo? O que aconteceria com o dólar?

Muito poucas pessoas apreciaram o “conto de fadas” de Andrei à época. Mas agora podemos olhar para trás, e piscar para os bajuladores da hora (que parecem chocados com os eventos na Ucrânia e na Síria). Mas alguns de nós não estão chocados. Temos esperado algo deste tipo por muitos anos.

Em 7 de janeiro passado Andrei escreveu um artigo para Chronicles sobre “levantamento” (stock taking). Como residente da Sicília ele comentou sobre a “primeira queda de neve” desde 1956. É o tipo de estranheza meteorológica que Tito Lívio poderia ter registrado em sua história romana, talvez como um presságio para o ano seguinte. Talvez fosse um bofete no Aquecimento Global. Deixando o clima politicamente incorreto da Sicília, Andrei passou à prospecção dos anos futuros: “Tudo que posso desejar da civilização em 2015 é que ela continue na inclinação enganosa para a escravização aproximadamente na mesma velocidade do ano passado e do ano anterior, sem acelerar a marcha ou ruir precipitadamente”.

Andrei considerou um “esperança perversa e irrealística desejar algo mais radical ou radiante”. Sem tempestades de lollipops, sem oceanos transformados em limonada, sem conversão de impostores políticos em anjos. Ele não desejou nada fantasioso ou impossível. Ele explicou que a Rússia iniciou a produção do mais avançado tanque de batalha – o Armata – “uns vinte anos a frente do mais avançado dos tanques americanos – o que pode se provar decisivo na progressiva “Finlandização” da Europa. (NT: Merriam-Webster, Finlandization refere-se a uma política externa de neutralidade sob a influência da URSS, ou a conversão a esta política). Então ele destacou:

“2015 marca trinta anos de minha associação ao Chronicles, e os leitores que se lembram de minhas primeiras colunas nas páginas desta revista concederão que minha perspectiva da junta governante da Rússia, suas intenções, e seu provável papel no destino da Europa, não mudou desde 1985 – pelo motivo racional de que a origem, a composição e o modus operandi da junta ter do mesmo modo permanecido consistente. Recentemente deparei-me com uma entrevista que gravei para um programa de rádio apresentado por J. R. Nyquist, um verdadeiro patriota americano cujo website merece tanta atenção hoje quanto merecia décadas atrás, quando Jefrrey descobriu-me em meu esconderijo Siciliano. E, de minha parte, descobri que ainda posso subscrever cada palavra que saiu de minha boca durante nossa discussão.”

Andrei depois observou que estive com ele não dez, mas aproximadamente vinte e cinco anos atrás, “depois que Roger Scruton em seu Claridge Press em Londres tinha publicado um pequeno livro… intiludado The Coming Order: Reflections on Sovietology and the Media”. Este livro, escrito por Andrei, era sobre as mudanças enganosas que ocorreram na Rússia naquela época. Em algum lugar de meus escritos Andrei tinha e encontrado referência a seu pequeno livro, e como ele se tornou objeto de uma conversa que tive com o candidato presidencial Patrick J. Buchanan em 1992. A conversa ocorreu em Newport Beach, Califórnia, onde os apoiadores de Buchanan estavam oferecendo uma pequena festa. Tendo recebido um convite para comparecer, e sabendo que Chronicles era a revista favorita de Buchanan, esperava mencionar o trabalho de Andrei. Quando veio minha chance de mencionar o assunto, Buchanan foi desdenhoso. Eu estava desapontado com a resposta de Buchanan porque era certo que a análise de Andrei seria confirmada com o tempo. Também senti a injustiça da resenha de Arnold Beichman, igualmente desdenhosa do livro de Andrei. Foi uma forma errada desdenhar algo deste tipo sem uma discussão adequada. Não é o que se espera de um homem inteligente. A respeito de minha tentativa fracassada de levar um escritor célebre e um político a pensar uma segunda vez, Andrei generosamente escreveu:

“Se pessoas como Jeffrey não existissem, suspeito que eu teria deixado minha cadeira de balanço muito tempo atrás. Eles fazem o tipo levantamento no qual – felicitações à estação do ano – estou agora satisfazendo, possivelmente a alguma extensão decorosa. Sem seu contínuo interesse, um grito no deserto seria indistinguível do protesto de um tagarela ignorante”.

Quando todos dizem que você está errado, e não têm uma discussão adequada com você, o que acontece? Um vácuo se forma em torno de você. E neste vácuo você é deixado sozinho, questionando a si mesmo. Afinal, como poderiam 300 milhões de Americanos estarem errados? Como Arnold Beichman e Patrick Buchanan poderiam estar errados? Neste momento deveria estar claro que eles estavam errados. Muitas absurdidades sobre paz e prosperidade foram acalentadas em 1992. Mas o pequeno livro de Andrei, e seu livro sobre o boneco de gengibre, foram ignorados à época.

“Eu pensei que Arnold Beichman pôs Navrozov em seu lugar”, disse-me Buchanan. Embora o a crítica de Arnold Beichman a Andrei não fosse nem remotamente honesta. Uma pessoa decente não escreve aquele tipo de resenha. E lá ficou Buchanan diante de mim, o herói/erudito/político, tomando a “resenha” do pequeno livro de Andrei pelo valor de face. Onde estava a famosa decência de Buchanan – aquela mente brilhante, aquela grandeza interior? Perdida num instante! Desparecida numa palavra!

Caro leitor, tente imaginar a coragem necessária para escrever sobre o assunto Rússia em 1991/93. Imagine experimentar a rejeição dos sábios e famosos. Imagine o desdém, o desprezo, a consideração, o olhar doente de uma galáxia intelectual com todas as suas estrelas, planetas e satélites menores. E lá está você, um meteoro passante jogado no esquecimento de algum planeta desolado. Pouco fez Andrei suspeitar à época, na coluna de 7 de Janeiro, que 2015 também seria o último ano de sua associação com a Chronicles. Porque deveria ser assim, não sei dizer. Ele era o editor europeu da revista. Mas agora ele se foi. Nenhuma explicação foi oferecida pela Chronicles de porque Andrei foi demitido. Permanece algo de mistério, ou talvez prenúncio – como a neve caindo em Palermo em tempos de “aquecimento global”.

É interessante descobrir que exatamente uma semana após a coluna de Andrei ter aparecido em 7 de janeiro, uma mudança mais que significativa ocorreu no Rockford Institute (que publica a Chronicles). Em 14 de janeiro de 2015, Tom Piatak foi nomeado presidente do Rockford Institute pelo conselho de diretores, em substituição a Thomas Fleming. Num só golpe o amigo e editor de Andrei (Fleming) foi substituído pelo antigo defensor e líder da campanha de Patrick J. Buchanan em Ohio. Piatak também foi “Diretor Executivo da The American Cause, uma organização sem fins lucrativos presidida por Buchanan”. De acordo com o anúncio oficial da Chronicles: “o Sr Piatak está confiante que o Rockford Institute e sua principal revista mensal e website estão preparados para um crescimento significativo e expansão da influência unicamente conservadora que a Chronicles tem ampliado por aproximadamente 40 anos”.

No mês de maio lemos sobre “novidades sísmicas na ‘paleosfera’”. A manchete do The Conservative Heritage Times (CHT) declarava: “Thomas Fleming afasta-se do Rockford Institute/ Revista Chronicle, e funda a Fleming Foundation”. Uma onda de trepidação seguiu-se:

“Lendo as entrelinhas dos comentários de sua página (de Fleming) no Facebook, este afastamento não foi planejado. Isto coloca a CHT numa posição incômoda. Temos sido sempre amigáveis em relação ao Dr Fleming e ao novo presidente do Rockford Institute, Tom Piatak, e desejamos assim permanecer em relação a ambos. (Nós nem mesmo sabemos se há qualquer ressentimento, apenas que o afastamento não foi planejado). Estamos apenas registrando a notícia aqui, e não tomando partido. Nós prevemos tratar com condescendência ambos os sites, e permanecer amigáveis com todos os envolvidos”.

E então, os escritos do Sr Navrozov aparecem agora no website do Fleming Institute, onde ele redigiu um artigo intrigante que foi – como todos os artigos do tipo – recebido com incompreensão. Não houve alternativa senão redigir uma pequena resposta que pode ser lida na seção de comentários que se segue ao artigo de Andrei intitulado “O Hitler de Putin”.

 

http://jrnyquist.com/

Tradução: Flávio Ghetti

 

 

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