Afeganistão e Iraque: Construí-los como nações estáveis jamais daria certo
Por Daniel Pipes
Foto: Terroristas islâmicos do Talibã, que impuseram ao Afeganistão uma crise que soma 2,2 milhões de refugiados afegãos já vivendo nos países ao redor, e 3,5 milhões de pessoas deslocadas dentro do próprio país, devido aos combates e perseguições.
Os Estados Unidos não têm condições de reparar todos os seus inimigos
Para variar, após a Primeira Guerra Mundial, os vencedores saquearam os perdedores, em especial os alemães. Os vencedores exigiram o pagamento de gigantescas indenizações, segundo um programa os pagamentos a serem efetuados pelos alemães se estenderiam até 1988. Tal esquema mostrou ser catastrófico, em parte preparando o terreno para a carnificina ainda mais hedionda da Segunda Guerra Mundial.
Aprendendo com o erro, os líderes americanos fizeram as coisas de outra maneira em 1945: em vez de saquear, eles deram o passo radical, jamais visto, de reabilitar os países derrotados à imagem dos Estados Unidos.
A novidade deu espetacularmente certo, conforme o esperado, a Alemanha, Japão, Áustria e Itália se tornaram livres, democráticos e prósperos. (O que também inspirou a comédia de Peter Sellers de 1959, ‘O Rato que Ruge’, no qual um microestado empobrecido declara guerra aos Estados Unidos para se beneficiar de sua generosidade.)
Ajudar financeiramente inimigos derrotados também passou a ser incorporado, até mesmo como rotina da política americana e passou a ser conhecida como a regra do Pottery Barn: “quebrou, pagou.” Entre 2001 e 2003, quando as coalizões lideradas pelos Estados Unidos derrubaram dois governos hostis, o Talibã no Afeganistão e Saddam Hussein no Iraque, os americanos, como manda o figurino ocuparam os dois países, reescreveram suas constituições, armaram e treinaram suas forças, nutriram novos líderes e jorraram dinheiro em cima deles.
Mas 2001-03 difere fundamentalmente de 1945 em aspectos extremamente relevantes.
Primeiro, tanto os alemães quanto os japoneses em especial, foram carcomidos pela guerra total de anos a fio, destruídos por anos de carnificina sem limites, humilhados por ocupações prolongadas e derrotados como nações. Essa devastação levou à aquiescência na reforma pós-guerra de suas sociedades e culturas. Em contrapartida, afegãos e iraquianos saíram quase ilesos das guerras com os Estados Unidos, que duraram somente semanas e cujo objetivo era derrubar tiranos odiados ao mesmo tempo em que procuravam atingir o menor número possível de civis. Arranhados só de leve pelas breves hostilidades, eles se sentiram mais liberados do que derrotados e não estavam dispostos a obedecer às vontades das forças de ocupação. Determinados a estruturar o futuro de seus países, afegãos e iraquianos aceitaram o que atendia aos seus interesses e rejeitaram, por meio da violência e outras formas de resistência, o que não lhes fosse conveniente.
Segundo, os americanos lutaram por uma causa nobre na Segunda Guerra Mundial, a própria independência e liberdade, perder a guerra acarretaria incalculáveis consequências para os Estados Unidos. Por outro lado, os objetivos no Afeganistão e no Iraque eram limitados, meramente relacionados a alguns honrosos objetivos de política externa, naturalmente os americanos se importavam muito menos com o curso futuro destes países. Consequentemente, a diligência empreendida em 1945 de impor os valores americanos excederam em muito os de 2001-2003.
Terceiro, a Alemanha e o Japão não tinham vizinhos que continuaram com o conflito em 1945: nenhuma estação de rádio transmitia propaganda, nenhuma arma foi contrabandeada, nenhuma guerrilha infiltrada, nenhum ataque com homens-bomba. Contrastando, o Irã fica a oeste do Afeganistão e o Paquistão a leste, a Síria fica a oeste do Iraque e o Irã a leste e os três países lutaram ativamente contra a influência americana. O retorno do Talibã aponta para o flagrante sucesso deles.
Quarto, visto que são povos predominantemente muçulmanos, tanto afegãos como iraquianos rejeitam fortemente o governo de não muçulmanos, atitude esta inserida na genuína natureza do Islã, a mais politizada das religiões. Viver de acordo com as leis sagradas do Islã, a Sharia, exige que o governante seja muçulmano porque a Sharia inclui preceitos públicos de difícil execução (relativos a impostos, justiça, guerra, etc.) que somente um muçulmano implementaria em sua plenitude. De modo que, seja em tempos medievais ou modernos, seja por cristãos, judeus ou budistas, ser governado por não muçulmanos acaba gerando intensa resistência.
Esses fatores levaram quase todos os tarimbados em história americana e do Oriente Médio (menos, infelizmente, Bernard Lewis e Fouad Ajami) a preverem sem demora que “as grandes aspirações da coalizão para o Afeganistão e Iraque não dariam certo.”
Os americanos precisam reconhecer as excepcionais circunstâncias, para não dizer únicas, que possibilitaram a reabilitação dos inimigos do Eixo em 1945 e o fato de que tais circunstâncias são inusitadas. Em vez de partir do pressuposto de que qualquer inimigo poderá, por meio de esforço concentrado, tempo e dinheiro, virar amigo e aliado, chegou a hora de Washington se limitar a aspirações mais modestas, como acabar com as inimizades e evitar governos totalitários. Nesse espírito, propus em 2004 um homem forte com mentalidade democrática para governar o Iraque, alguém que assumiria o controle e, com o passar do tempo, encaminharia o país rumo à abertura política.
A mesma ambição modesta se aplica à maioria dos futuros inimigos derrotados, conforme Voltaire salientou: “se melhorar estraga.” É hora de seguir em frente; não é mais 1945.
Tradução: Joseph Skilnik
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes), formado no Harvard College em 1971, é o presidente do Middle East Forum.
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Acrescente-se um quinto ponto: no fim da Segunda Guerra Mundial, Japão e Europa Ocidental estavam vendo de perto a sombra do Exército Vermelho.