Moscou e o nazismo internacional
Por Jeffrey Nyquist. Publicado em 9 de junho de 2015.
Arquivo MSM.
A atual inexplicável aliança entre comunistas e nazistas na América do Sul é melhor compreendida como um jogo complexo que remonta à penetração do Terceiro Reich por agentes soviéticos durante a guerra.
Alexander Dugin, o teórico geopolítico russo e conselheiro do presidente Putin, tem dito que o século XX foi o “século da ideologia”. Foi um século no qual, como predisse Nietzsche, ideias (e ideologias) guerrearam umas contra as outras. As três facções em guerra foram, em ordem de aparição: liberalismo (da esquerda e da direita), comunismo (assim como a social-democracia) e fascismo (incluindo o nacional-socialismo de Hitler). Estas três ideologias combateram-se mutuamente até “a morte, criando, em essência, toda a dramática e sangrenta história política do século XX”. De acordo com Dugin, o liberalismo veio a vencer no final do século XX. Ainda que vitórias deste tipo raramente sejam permanentes. Na verdade, Dugin diz-nos que o liberalismo já se desintegrou na “pós-modernidade”. Dugin argumenta que, com seu foco no indivíduo, o liberalismo conduziu à globalização, e globalização significa que o homem é “libertado de sua adesão a uma comunidade” e de qualquer identidade coletiva…” Isto aconteceu porque a massa de seres humanos, “compreendida inteiramente por indivíduos, é atraída em direção à universalidade e busca tornar-se global e unificada”. Mesmo agora este ímpeto em direção à globalização coincide com a glorificação da liberdade total “e a independência do indivíduo de qualquer tipo de limite, incluindo razão, moralidade, identidade… disciplina, e assim por diante”. O resultado, diz Dugin, é o “Fim da História” de Francis Fukuyama. Mas não nos enganemos, explica Dugin. A história não termina realmente. O que realmente aconteceu, na verdade, é que a realização do triunfo do liberalismo tem sido o desastre da humanidade. É um desastre para o indivíduo, devido ao indivíduo ter perdido seu ancoradouro. É um desastre para a liberdade, porque agora estamos sob “a tirania das maiorias”. É um desastre para nossa economia, porque a espoliação é o princípio emergente do mercado. E aqueles que desejam preservar sua identidade racial, nacional ou religiosa são apontados como inimigos pelo politicamente correto tão iludido como desumano.
Aqui Dugin parece estar ecoando James Burnham, que uma vez explicou que o liberalismo era “a ideologia do suicídio do Ocidente”. O liberalismo destrói, como argumentou Joseph Schumpeter, sua própria “sustentação iliberal”. O livro de Dugin, The Fourth Political Theory (A Quarta Teoria Política), do qual a estratégia russa agora depende, é na verdade uma versão atualizada de uma velha fórmula estratégica que uma vez tomou forma sob o Pacto Molotov-Ribbentrop. É uma tentativa de reviver e combinar as ideologias fracassadas do comunismo e do fascismo para uma batalha final. Pela união de todos os comunistas e fascistas (fascistas islâmicos inclusive) no momento do mais forte impulso suicida do liberalismo, Dugin e seus chefes russos esperam construir uma coalizão global sem precedentes. Vale lembrar que Dugin não inventou esta “nova” abordagem totalitária, porque seus elementos estavam presentes no pensamento e planejamento soviético antes que Dugin nascesse. Stalin estava usando a Quarta Teoria Política em agosto de 1939, quando enviou as delegações britânica e francesa embaladas a fim de assinar um pacto com Hitler.
Relata-se que Stalin muitas vezes disse, em perfeita seriedade, “eu poderia ter conquistado o mundo com Hitler”. Por que ele disse isso? Porque os nazistas souberam como mobilizar o apoio público para sua causa e os comunistas não. O ministro da Propaganda nazista Joseph Goebells uma vez avisou que a força bruta era insuficiente. Ele disse: “é melhor fazer com que as pessoas te amem”. Esta inversão do dictum maquiavélico, de que é melhor ser temido que amado, foi a robusta adaptação nazista. O nazismo não dizia respeito apenas ao ódio. Dizia respeito também ao amor – amor ao Führer, amor à Pátria, etc… É o que fez Hitler tão perigoso. Ele podia levar pessoas a amar coisas, e morrer por coisas, e também a matar. Em 1940, quando Stalin conspirou para apunhalar Hitler pelas costas, ele cometeu o erro de subestimar os nazistas. Os desastres militares soviéticos subsequentes, que ocorreram no verão e outono de 1941, foram sem precedentes na história da guerra.
Os sucessores de Stalin tiveram anos para reconhecer a fragilidade de seu próprio sistema e as vantagens do sistema de Hitler. Portanto, não deveríamos estranhar que o bloco comunista começasse a experimentar aspectos do nacional-socialismo tempos atrás. Pela preservação de certas tradições, e através do apelo ao nacionalismo, as pessoas podem ser motivadas a lutar – e isto é o que Dugin está tentando explorar com sua Quarta Teoria Política. O renascimento do nazismo (em forma alterada) e o florescimento do antissemitismo tem sido antecipado por Moscou há muito tempo, e Dugin tem flertado com este renascimento. Afinal, o pêndulo político balança para frente e para trás entre os extremos. Por três gerações temos ouvido sobre o Holocausto e a perversidade de Hitler. Em resposta a isto, os analistas russos desconfiam ver o triunfo da negação do Holocausto e deificação de Hitler através de um deslocamento contrário na opinião da massa.
Dugin não se aproximou dos nacionalistas brancos e proto-nazistas da Europa pelo sincero desejo de ajudar a causa deles – não mais que Stalin aliou-se a Hitler em 1939 porque concordava com o Mein Kampf. Dugin é cauteloso, e evita a adoção direta de racismo explícito. Ele diz que racismo real é o racismo americano. E então, seu encorajamento aos nacionalistas brancos e nacional-socialistas tem sido muito dissimulado, e bastante indireto. Seu propósito era e é golpear o sistema de livre mercado liberal no Ocidente conseguindo que todas as forças anti liberais oponham-se ao capitalismo americano e, por padrão, apoiem Moscou. Era uma vez, os nazistas eram um poder em ascensão e sua energia foi aproveitada por Stalin para atacar o Ocidente. Hoje Moscou vê outra onda se aproximando, e uma vez mais espera aproveitar o poder da onda – tão perigoso quanto ele possa ser.
Muitos anos atrás, a sempre perspicaz Claire Berlinski escreveu Menace in Europe (Ameaça na Europa). Ela percebeu, em um nível psicológico muito profundo, que o antissemitismo e o nazismo nunca morreram. Estes impulsos apenas tornaram-se adormecidos, e podiam reaparecer no futuro. A “desnazificação” da Alemanha no pós-guerra portanto, apenas parecia ter sido bem sucedida. Com a mistura de multiculturalismo, defesa do homossexualismo, feminismo etc…, a Europa tem sido servida de um coquetel que parece concebido para uma coisa: a saber, reviver um novo tipo de nazismo. Adicione a imigração muçulmana a esta “poção de bruxa” e o que temos? Temos uma reação nacionalista branca.
Alexander Dugin e seus chefes no Kremlin estão observando a Europa. Eles sabem que o liberalismo será responsabilizado. E isto é tão importante que eles demonstram abertura à Frente Nacional na França e ao Golden Dawn na Grécia. E por que não deveriam? Estas organizações foram alvos de infiltração e manipulação por agentes russos há muito tempo. Aqui é onde isto ajuda a conhecer a história real de fascistas e nazistas na Europa. Estes não são verdadeiros anti-comunistas, mas têm sido satélites potenciais do comunismo há décadas. Há, de fato, na história da Segunda Guerra, uma massa de questões não examinadas e movimentos mal compreendidos conectados a isto. Mesmo os fatos mais simples a respeito desta guerra têm sido mal compreendidos. E Moscou gostaria de manter desta maneira, preservando a todo custo nossas falsas suposições.
Tomemos um evento simples da guerra que mostra quão indiferente nossos melhores historiadores têm sido. Incontáveis livros têm sido escritos a respeito da morte de Hitler, mas nenhum tem feito as perguntas certas. É bem conhecido que a União Soviética ocultou todas as sólidas evidências da morte de Hitler do restante do mundo. O que os historiadores têm tido o sentido de perguntar? Na verdade, o próprio Stalin encorajou o rumor de que Hitler escapou de Berlim em Abril de 1945. Mais recentemente os russos apresentaram um esqueleto de mulher como sendo o de Hitler, com uma perfuração por bala no lugar errado. Por que eles fizeram isto? É muito simples. De um ponto de vista estratégico, o mito da sobrevivência de Hitler foi estrategicamente útil a Moscou e, como veremos, isto tem a ver com o fato de Moscou ter adquirido controle da Internacional Nazista antes do fim da guerra. Pete Bagley, um antigo oficial da CIA com acesso a documentos da KGB, escreveu:
“O fato repugnante é que… a KGB secretamente infiltrou o êxodo nazista da Alemanha (em 1945), tomou controle de uma ou mais organizações de exílio nazista, e manipulou-as numa clássica operação “falsa bandeira”, como ferramenta despercebida em sua Guerra Fria contra o Ocidente”.
Em Spymaster (pag. 145), Bagley nos conta de uma reunião clandestina próxima a Viena entre oficiais da KGB e o antigo chefe da Gestapo Heinrich Mueller em 1945. De acordo com a informação de Bagley, Mueller teria sido pego pelos Soviéticos ao fim da guerra, “mas ao invés de puni-lo como o pior dos criminosos de guerra”, escreveu Bagley, “eles o tomaram para o trabalho clandestino e moveram-no para a América do Sul”.
Aqueles que estão interessados nos desenvolvimentos recentes na América do Sul deveriam ter especial interesse nisto. A atual inexplicável aliança entre comunistas e nazistas na América do Sul é melhor compreendida como um jogo complexo que remonta à penetração do Terceiro Reich por agentes soviéticos durante a guerra. Para compreender a profundidade destas penetrações, é útil examinar o testemunho do chefe da agência de inteligência, Walter Schellenberg, cabeça da inteligência estrangeira (Ausland – SD) de 1941 a 1945. De acordo com Schellenberg, após a derrota do Sexto Exército em Stalingrado veio à existência dentro da hierarquia nazista uma poderosa “facção oriental”. Estes eram nazistas que sabiam que a guerra estava perdida, e que decidiram começar a trabalhar secretamente para a União Soviética como meio de assegurar a sobrevivência futura. Um dos mais proeminentes destes vira-casacas, do ponto de vantagem de Schellenberg, foi o braço direito de Hitler e chefe do partido Martin Bormann. Outro foi o chefe da Gestapo Heinrich Mueller, que pode ter trabalhado para Moscou desde 1937. Schellenberg escreveu:
“Minha primeira suspeita séria sobre a sinceridade do trabalho de Mueller contra a Rússia foi despertada numa longa conversa que tive com ele na primavera de 1943…, imaginei porquê era tão tarde, que ele tinha estado bebendo, quando disse que queria conversar comigo”.
Schellenberg não bebia, e era um rival burocrático de Muller. No início da “conversa”, Mueller lembrou a Schellenberg que a influência soviética não existia apenas dentro da classe trabalhadora isoladamente. Era também forte entre pessoas educadas. Mueller então disse: “vejo nisso um inevitável desenvolvimento histórico de nossa era, particularmente quando se considera a “anarquia” espiritual de nossa cultura ocidental, na qual incluo a ideologia do Terceiro Reich”.
Schellenberg foi tomado de surpresa. “Mueller estava ‘falando como um livro’”. E Mueller supostamente não lia livros. Mas a próxima declaração de Mueller foi ainda mais surpreendente, porque foi traiçoeira. “O nacional-socialismo”, disse Mueller,
“não é nada mais que um tipo de esterco neste deserto espiritual (da Europa Ocidental). Em contraste com isto, vê-se na Rússia uma revolução mundial, espiritual e material, unificada e inflexível, que oferece um tipo de carga elétrica positiva ao negativismo do ocidente”.
Como Schellenberg explicou:
“sentei-me aquela noite em frente a Mueller num cismar profundo. Aqui estava o homem que tinha conduzido o mais implacável e brutal esforço contra o comunismo em todas as suas formas, o homem que em sua investigação da Orquestra Vermelha não tinha deixado pedra sobre pedra para descobrir as últimas ramificações daquela conspiração. Que mudança!”
Que mudança, de fato! Mueller estava provavelmente fazendo a mesma exposição de recrutamento a outros altos oficiais nazistas. E quem ousaria denunciá-lo? Ele era o cabeça da Gestapo! Ele podia negar a conversa, ou dizer que estava testando a lealdade do interlocutor. Schellenberg estava assombrado. “Você sabe, Schellenberg”, disse Mueller,
“isto é realmente estúpido, esta coisa entre nós. No início pensei que nos daríamos bem em nossa relação pessoal e profissional, mas não aconteceu. Você tem muitas vantagens sobre mim. Meus pais eram pobres, eu me fiz sozinho. Eu era um detetive de polícia, comecei nas batidas e aprendi na dura escola do trabalho ordinário da polícia. Agora, você é um homem educado. É um advogado, possui retaguarda cultural, você viajou. Em outras palavras, você impôs-se facilmente num sistema petrificado de tradição conservadora. Pegue, por exemplo, homens como aqueles da Orquestra Vermelha – Schulze-Boynsen ou Harnack – você sabe, eles eram intelectuais, mas de um tipo inteiramente diferente. Eles eram intelectuais puros, revolucionários progressistas, sempre procurando por uma solução final. Eles nunca se atolaram em meias medidas. E eles morreram acreditando ainda naquela solução. Há muitas concessões no nacional-socialismo para que ele ofereça uma fé como aquela, mas o comunismo espiritual pode”.
Durante sua declaração, Mueller também referiu-se a Martin Bormann como um homem “que sabe o quer”. Previamente, Mueller tinha se referido a Bormann como nada mais que um criminoso. Schellenberg estava ficando nervoso, enquanto Mueller virava um conhaque atrás do outro descrevendo a decadência do ocidente nos termos mais rudes. Schellenberg percebeu que Mueller deveria possuir informações comprometedoras de todos os altos líderes nazistas. Tendo escutas telefônicas por toda parte, Mueller conhecia os segredos sujos de todos. A apreensão de Schellenberg cresceu até que ele pensou:
“O que Mueller deseja, este homem que estava tão cheio de rancor e ódio, repentinamente ‘falando como um livro’?” Para quebrar o monólogo Schellenberg recorreu ao humor: “Certo camarada Mueller, vamos todos começar a dizer “Heil Stalin!” agora mesmo, e nosso pequeno líder Mueller se tornará o cabeça da NKVD”.
Mueller então olhou para Schellenberg com um lampejo malevolente em seus olhos. “Isso seria bom”, ele disse, “e você realmente estaria no grande salto, você e seus amigos burgueses conservadores”. O grande salto, é claro, referia-se a lançar-se do cadafalso com uma corda no pescoço. Schellenberg concluiu que Mueller era um agente soviético. O conceito de Estado e de indivíduo do chefe da Gestapo, raciocinou Schllenberg, “desde o início não tinha sido nem germânico nem nacional-socialista, mas na verdade comunista. Quem sabe quantas pessoas ele influenciou e atraiu, naquela época, para a “facção oriental”?
E então devemos ver o reavivamento recente das ideias nazistas, do antissemitismo, do nacionalismo branco – da tão propalada Nova Direita Europeia e da Nova Direita Norte-americana – como um possível coadjuvante do poder russo. Pois neste fenômeno não estamos apenas lidando com o reavivamento nazista. Podemos estar lidando com uma operação russa de “falsa bandeira” com enorme e inexplorado potencial terrorista. Há a possibilidade, é claro, de que este “movimento” escape dos russos. Mas então devemos considerar o significado do Pacto Ribbentrop-Molotov de 1939. O que quer que tenha sido, o nazismo foi inimigo da América e da liberdade no mesmo sentido que o é o fundamentalismo islâmico. Quando Alexander Dugin propõe sua Quarta Teoria Política, ele está propondo nada menos que a combinação de todas as forças anti-americanas num punho fechado.
A seguir, mais deste assunto.
http://jrnyquist.com
Tradução: Flávio Ghetti