A esquerda, a Pátria, a bandeira e a política

Por Percival Puggina

Por obséquio, faça silêncio. Afine o ouvido. Repense cuidadosamente sobre tudo que leu a respeito da decisão da juíza gaúcha com relação ao uso da bandeira do Brasil. Você lembra de algo que tenha sido dito ou escrito por alguém de esquerda contestando a estapafúrdia imposição da magistrada?

Pois é. Nem vai ouvir ou ler. A esquerda tem um problema com a ideia de pátria e, principalmente com o patriotismo. Daí o Foro de São Paulo; daí “La Pátria Grande” e seus desdobramentos, daí a Internacional Socialista, ou “a Internacional”, para os íntimos, que é como camaradas e companheiros a denominam. Marx, tataravô de todos, queria uma revolução mundial, uma fusão de revoluções. Para ele, o comunismo adviria do proletariado internacional em luta contra o sistema mundial do capitalismo.

A URSS dispunha de uma série de mecanismos para apoiar e definir estratégias com esse fim. Apostava nisso e se espantava quando não dava certo. Os líderes comunistas russos nunca entenderam, por exemplo, proletários finlandeses e alemães, em defesa de suas pátrias, pegarem em armas contra os camaradas soviéticos em 1939 e 1941.

Por outro lado, muitos de nossos esquerdistas sempre tiveram problemas com o amor à Pátria. Primeiro, porque precisam de um ânimo revoltoso como ponto de partida para qualquer ação política. Segundo, porque esse ponto de partida exige divisões que, nas últimas décadas, correspondem aos conhecidos conflitos identitários. Terceiro, por estarem convencidos de que o Brasil é uma excrecência criada por gente muito má. Gente que resolveu ocupar como coisa sua o suposto paraíso perdido e comunista da idílica Pindorama das praias e palmeiras. Além de guerrilheiros comunistas e militantes esquerdistas, não veem em nossa história figura alguma merecedora de reverência nacional.

Para eles, por fim, nosso país não foi descoberto, o 22 de abril de 1500 foi uma aberração histórica, o Sete de Setembro é uma ficção porque o Brasil nunca foi independente e São José de Anchieta foi um predador cultural. Ponto.

Ao sopro da mesma ideologia, bandeiras do Brasil servem, frequentemente, para fazer fogueira. Não obstante, vê-las nas mãos de adversários políticos e confrontá-las com suas bandeiras vermelhas e apátridas dói como pisada no calo.

Para quem tem memória curta, é bom lembrar que as bandeiras do Brasil passaram a ser usadas massivamente nas manifestações de 2013, exatamente para diferenciar dos arruaceiros e depredadores que então iam às ruas, no truculento estilo de sempre, protestando contra os 20 centavos a mais nas passagens de ônibus.

Sitiados pela mentira!
Vivemos sitiados pela mentira, muitas vezes apresentada sob o engenhoso nome de “narrativa”. Ora, a construção de uma versão que altere a essência de determinado fato não é um mero modo de relatá-lo nem questão de estilo. É mentira, pura e simples, construída com a intenção de iludir.

Quando Lula se afirma inocentado, está mentindo. Ele não foi inocentado nem descometeu os crimes pelos quais foi condenado por nove magistrados diante de robustíssimo volume de provas e evidências.

Quando Lula, que vive como multimilionário que é, fala dos pobres em seu governo, a mentira não encontra quaisquer limites. Recentemente, em entrevista à Rádio Metrópoles, reafirmou sua clássica frase segundo a qual, em seu governo, “os pobres andavam de avião, compravam carro e usavam perfume importado”…

Quando ministros do Supremo dizem que a democracia e as instituições estão sob risco, isso só não será mentira se for confissão de culpa.

Quando um ministro do STF busca para si méritos por haver impedido a volta do antigo voto em papel, ele deixou a verdade em alguma gaveta do gabinete.

Quando é dito que as condenações de Lula foram anuladas porque julgadas no endereço errado temos uma inversão dos fatos, o foro foi dito errado para que os processos fossem anulados. Tanto assim que o próprio ministro Fachin havia, em várias ocasiões, negado recursos nesse sentido formulado pelos advogados de Lula e de outros réus.

Quando verdadeira multidão de jornalistas repete, em descarado coro, anos a fio, que Bolsonaro é o responsável por todos os óbitos causados pela pandemia no Brasil, podemos sentir o atoleiro moral em que afundou imensa parcela da imprensa brasileira.

Quando um inquérito do fim do mundo, mantido em sigilo, fornece motivação para medidas de censura e prisões políticas que assombram a liberdade de opinião, e dele só se menciona certo telefonema ameaçador, a narrativa foge das suas consequências reais tanto quanto a verdade foge da mentira.

Quando um leitor me escreve, em bom português, dizendo que Lula é inocente e foi condenado num complô porque compraram uma testemunha e o juiz era militante político, ele está ao mesmo tempo afirmando que o desconhecido Fernando Bittar tinha o poder de levar para a reforma de seu sítio em Atibaia as duas maiores empreiteiras do Brasil. Está dizendo que essas empresas deslocaram equipes de obras em portos e hidrelétricas para reformar um sitiozinho! Está dizendo, por fim, que a admirável e prestativa OI subiu a Serra e construiu uma torre para o bom funcionamento do telefone e da internet de um certo Fernando Bittar.

Está afirmando por fim, em sua “narrativa” que o crime de Lula, no caso do sítio em Atibaia, foi de esbulho possessório…

A verdade pode, muitas vezes, não ser amável, mas sempre exigirá respeito.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário, escritor, colunista de dezenas de jornais e titular do site www.puggina.org, no qual os presentes comentários foram publicados originalmente. Autor dos livros ‘Crônicas contra o totalitarismo’; ‘Cuba, a tragédia da utopia’; ‘Pombas e Gaviões’e ‘A Tomada do Brasil’. Integrante do grupo Pensar+.

 

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