Foto na revista Newsweek mostrando alguns dos inúmeros cartazes com a palavra “ASSASSINO” na Contrapalestra.
Há cinquenta anos, alguns amigos e eu tivemos a audácia de patrocinar o que chamamos de “Contrapalestra: uma visão alternativa”. Esta ocorreu na Universidade de Harvard em 26 de março de 1971 e se posicionava a favor do envolvimento americano na Guerra do Vietnã, uma posição quase tão abominável então no campus quanto defender hoje em dia que Israel deveria derrotar os palestinos.
Os avessos à guerra bagunçaram o coreto durante o evento. Foi aí que foi dado o pontapé inicial do movimento “cancel culture”, uma espécie de patrulhamento ideológico que se apoderou da vida no campus, tornando tanto faculdade quanto alunos alvos de investigação por câmaras cheias de estrelas da esquerda, antes de serem demitidos ou expulsos pelo pecado de abraçarem pontos de vista tido como errados. Analogamente, as palavras fortes e as ações tímidas da liderança de Harvard, na época, prenunciaram a conduta covarde dos administradores da universidade que falavam de maneira corajosa, mas agiam covardemente.
O Evento
A Contrapalestra se destacou como “o primeiro evento político significativo em Harvard a ser iniciado por estudantes conservadores em mais de cinco anos”, explicou o jornal estudantil, Harvard Crimson. Organizado pelos Estudantes por uma Paz Justa (SJP), nosso pequeno grupo de resistência convidou cinco palestrantes para explicarem porque as forças dos EUA deveriam apoiar o governo do Vietnã do Sul: Dolph Droge, um conselheiro da Casa Branca em assuntos relacionados ao Vietnã, Anand Panyarachun, embaixador da Tailândia nas Nações Unidas, Nguyen Hoan da embaixada do Vietnã do Sul em Washington, I. Milton Sacks da Brandeis University e Daniel E. Teodoru do Comitê Nacional de Coordenação dos Estudantes para a Liberdade no Sudeste Asiático. Lawrence McCarty, da American Conservative Union, concordou em moderar o evento.
Dois grupos se destacaram quanto à truculência: os Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS, nome completo: Estudantes por uma Sociedade Democrática-Aliança de Trabalhadores-Estudantes), defensores do sexo livre, drogas e rock ‘n roll e o praticamente esquecido Progressive Labour Party (PLP), apelidado de “maoistas com cortes à escovinha”, austero e cruel. Assim, a Nova e a Velha Esquerda se uniram em uma causa comum contra nós, os “reacionários”.
Juntamente com outros grupos de esquerda, eles se reuniram e decidiram interromper a Contrapalestra. Com panfletos que cobriram o campus antes do evento, o PLP sustentou que os “fantoches”, “açougueiros”, “lacaios” e “bajuladores” programados para discursar “tinham que ser esmagados”. Mais prosaicamente, o SDS meramente pediu que eles fossem “contidos e impedidos de discursar”. Alguns radicais justificaram essa resposta alegando que o governo dos Estados Unidos (e não um pequeno grupo de estudantes) havia trazido os palestrantes ao campus, um estudante até chamou a Contrapalestra de “complô entre Harvard e a Agência de Informação dos Estados Unidos para mostrar que o movimento contra a guerra estava acabado”.
Antevendo uma resposta massiva, os organizadores reservaram o Sanders Theatre, o maior salão de Harvard, com capacidade para acomodar 1.238 pessoas. Tanto o SDS quanto o PLP convocaram comícios para as 19h, uma hora antes do início do evento. Gordon D. Hall, estudioso do extremismo, escreveu no Boston Herald Traveller que a maioria do público não era de Harvard, à exemplo de grande parte da liderança radical da região. Tamanha foi a raiva em relação à nossa insolência em trazer o que ambos os grupos chamaram de “criminosos de guerra”, que o salão ficou lotado bem antes do início do evento. Muitos mais tentaram entrar, segundo o Boston Globe, “centenas de partidários do SDS… se aglomeraram nas entradas, tentando alcançar as janelas do segundo andar.”
Muitos na plateia avassaladoramente hostil expressavam silenciosamente suas opiniões, com gestos fálicos, uso de bandanas, bandeiras do vietcongue e cartazes com a palavra “ASSASSINO” e outros slogans. Cerca da metade da plateia interrompia os discursos com assobios, vaias, cantos, xingamentos, gritos em megafones e palmas cadenciadas. Gritavam palavras de ordem, em especial “assassinos” e “EUA fora do Vietnã, açougueiros fora de Harvard”. Eles batiam as cadeiras de madeira da plateia em uníssono, abrindo-as e fechando-as, abrindo-as e fechando-as. Jogavam marshmallows no palco, pelotas de papel mastigado, cascas de frutas, moedas de um centavo e outros objetos menores.
Os palestrantes não tiveram a menor chance de falar. O alvoroço impediu os três que tentaram se dirigir à plateia: o moderador, um representante da universidade e o primeiro palestrante. (Para acessar a gravação de áudio de 41 minutos do evento, clique aqui.) Archibald Cox de 59 anos, ex-procurador-geral dos Estados Unidos (que mais tarde ganhou fama em relação ao Massacre da Noite de Sábado de Watergate), serviu como o solucionador de problemas de Harvard no evento. Representando a universidade em um admirado e citado parecer, ele implorou à multidão “deixe-me dizer algumas palavras em nome do presidente e dos fellows desta universidade em nome da liberdade de expressão”. Mas não deu certo e a balbúrdia continuou. Seu apelo: “se esta reunião for tumultuada… então a liberdade terá morrido um pouco”, ele foi ignorado e desprezado, mais tarde o PLP condenou o conceito de liberdade de expressão em si como “ideia apodrecida”.
O primeiro palestrante, Dan Teodoru, tentou combater fogo com fogo, a tática não vingou. Nas palavras do inquérito oficial de Harvard, “a algazarra continuou e vários ‘mísseis’ da plateia foram atirados contra ele, pelo menos um dos quais ele devolveu na mesma moeda.” Ele também tentou envergonhar a plateia xingando-a, também em vão, a balbúrdia e o caos continuaram por longos 45 minutos.
O inquérito de Harvard relata como tudo acabou: “na última parte da reunião, os que foram impedidos de entrar no teatro pela polícia da universidade quando o auditório parecia estar lotado começaram a marretar as saídas de incêndio procurando entrar e para tanto quebraram várias janelas, elevando a probabilidade de mais violência. Por volta das 8h45min, a reunião foi cancelada a pedido do professor Cox, em nome da universidade. Citando suas palavras: “em vista da multidão de pessoas, há um risco considerável disso degringolar para a violência. Peço que deem por encerrado a reunião.” Especificamente, o PLP relatou que um aríete estava sendo preparado para derrubar as portas do teatro.
Meia dúzia de policiais de Harvard escoltaram os palestrantes para fora do edifício através dos elaborados túneis subterrâneos da universidade, a exemplo do que aconteceu anos antes com o então secretário de Defesa Robert McNamara. Os organizadores do SJP encaminharam os palestrantes para a estação de rádio WGBH, que havia transmitido o evento, e ali, na calma do estúdio, iniciaram o bate-papo que tinha sido interrompido.
Se o auditório não estivesse repleto por uma multidão predominantemente hostil, é bom lembrar que os extremistas tinham um cenário mais violento em mente, conforme frisado por Hall, que coletou informações sobre os preparativos dos radicais: “caso houvesse um número menor de pessoas poderia se tornar necessário invadir o palco e assumir à força o controle da Contrapalestra.” Se este fosse o caso, a ideia dos radicais era a de tomar o palco de assalto, “o corre-corre e a gritaria tornaria difícil identificar alguém em particular. O caos também seria suficiente para silenciar os palestrantes, confundir a polícia e interromper a reunião.” Os palestrantes da Contrapalestra, de acordo com o PLP, eram “assassinos em massa (imperialistas!) e arquitetos de um sofrimento terrível que sequer tinham o direito à vida, muito menos discursar”. Em outras palavras, a noite poderia ter sido muito, mas muito pior.
Legítimo ou Condenável?
O tumulto botou para escanteio o debate sobre a política do Vietnã, substituindo-o por um confronto sobre as ações dos radicais e a natureza da liberdade de expressão.
Os argumentos a favor da algazarra vieram exclusivamente dos minúsculos confins da extrema esquerda e se concentraram em duas questões: moralidade e poder. Moralidade: os palestrantes tinham sangue de inocentes em suas mãos e, portanto, não tinham o direito de se pronunciar. Poder: os palestrantes representavam autoridade e, bagunçar o coreto, escreveram dois alunos, “proporciona a oportunidade para os mais vulneráveis de influenciarem o curso dos acontecimentos no âmbito político”. Um pequeno editorial no Crimson desdenhou a balbúrdia como mera “transgressão das leis do protocolo e da ordem”.
Vozes das mais variadas vertentes políticas condenaram a algazarra. O Conselho Diretor da faculdade teceu duras críticas ao “esforço orquestrado e contínuo de silenciar” os palestrantes. Cerca de 60 professores de direito assinaram uma declaração expressando “extrema preocupação”, classificando o bafafá como um ataque à “genuína esperança de uma sociedade justa e benevolente”. O presidente de Harvard, Nathan Pusey, tachou o acontecido de “ocorrência repreensível” e “uma afronta abominável”. O presidente eleito, Derek Bok, considerou o ocorrido de “particularmente odioso”. O Boston Globe rotulou a baderna de “espetáculo vergonhoso” e retratou os radicais como “inimigos daquilo que faz a vida valer a pena de ser vivida”. Anthony Lewis, colunista do New York Times chamou os bagunceiros de “cabeças ocas”. Warren Burger, presidente da Suprema Corte, mencionou a baderna em tom recriminatório no decorrer de um apelo à civilidade.
Alguns analistas chamaram os baderneiros de totalitários. O historiador Oscar Handlin tachou a algazarra de “grito dos selvagens” e comparou o “ódio visível” nos rostos dos líderes ao “ódio que vimos em muitos outros rostos, em outras épocas e outros lugares, como por exemplo na Alemanha em 9 de novembro, 1938”, uma referência à Kristallnacht nazista. Na mesma linha, o repórter do Globe, Daniel J. Rea, informado do evento relatava “o vazio no rosto que personificava a Juventude Hitlerista dos anos de 1930 e da Guarda Vermelha de Mao na Grande Revolução Cultural”. Cornelius Dalton do Boston Herald Traveller comparou as táticas desagregadoras com “aquelas usadas pelas tropas de assalto nazistas” e chamou o incidente de “o golpe mais prejudicial à causa da paz em um longo período de tempo”.
Inúmeros professores enfatizaram a gravidade do caos implantado. O físico Bruce Chalmers, de 63 anos na época, observou: “a gravidade com que se enxerga este incidente vai depender muito da idade do observador. Quanto mais velho você for, mais grave será para você”. Cox salientou que “não dá para exagerar a gravidade com que enxergamos este incidente. Nada mais importante nem triste aconteceu aqui em Harvard durante muito, mas muito tempo.” John T. Dunlop, reitor da faculdade de Artes e Ciências e ex-secretário do trabalho, afirmou que “a baderna na Contrapalestra foi a coisa mais grave que aconteceu em Harvard desde que estou aqui”. (Ele havia chegado em 1938, 33 anos antes).
Num sinal do profundo constrangimento do corpo docente, o reitor Dunlop enviou aos seus membros um memorando incomum e provavelmente singular na história de Harvard, instando-os a levantar o tema da liberdade de expressão com os estudantes: “declarações públicas por si só não são o suficiente. Discussões serenas e arrazoadas com os indivíduos se fazem necessárias para influenciar nossos estudantes. Inúmeros estudantes e mesmo alguns integrantes do corpo docente não aceitam a proposição de que a liberdade acadêmica exige a livre expressão de quaisquer pontos de vista… Espero que vocês se deem ao trabalho e pautem imediatamente o debate com os alunos… sobre estas monumentais contendas.”
Punição?
No plano prático, os administradores universitários tomaram duas medidas contra os bagunceiros: impetrar queixa-crime contra dois estudantes em um tribunal de Cambridge e iniciar procedimentos internos contra eles por um órgão de Harvard conhecido como Committee on Rights and Responsibilities (CRR) Comitê de Direitos e Responsabilidades.
O Terceiro Tribunal Distrital recatadamente considerou dois estudantes culpados de causar tumultos e os sentenciou a passar um tempo no xilindró. As audiências e os vereditos do CRR foram de longe muito mais rigorosos, virando o principal campo de batalha, do momento que o Contrapalestra acabou em 26 de março até o CRR proferir os vereditos 70 dias mais tarde, em 4 de junho. Em um editorial, o Crimsom soltou o verbo em cima dos julgamentos do CRR classificando-os de “caça às bruxas” compostos por “evidências que deixam a desejar, depoimentos vagos, procedimentos descuidados e descompromisso com a verdade”. David Ignatius, futuro editor e colunista do Washington Post exortou que não houvesse “nenhuma punição”. Trinta e dois professores assinaram uma carta aberta comunicando que “qualquer punição por parte da Universidade seria inaceitável.”
Entre os favoráveis a punir exemplarmente os causadores do caos se encontrava Elliott Abrams, mais recentemente o enviado especial dos EUA para a Venezuela e o Irã, que escreveu: “devemos nos recusar a implorar por liberdade de expressão em Harvard. Devemos insistir nisto… ficar na nossa enquanto gangues de vândalos extremistas gritam e solapam a liberdade de expressão em Harvard é um crime moral… Devemos exigir a expulsão deles da nossa universidade. O futuro candidato à presidência, Alan L. Keyes, argumentou que os responsáveis pelo caos “devem ser punidos com o máximo rigor da lei com os meios disponíveis nas mãos da Universidade”.
Contrastando, o futuro líder da maioria no Senado, Charles Schumer, desdenhou, esnobando a Contrapalestra como “sem pé nem cabeça”, deplorando o que considerou um desdobramento mais importante: “o fim das organizações estudantis.”
No final, o CRR condenou apenas nove estudantes pelos distúrbios, ou seja: cerca de 1% dos que causaram a algazarra. Dos nove, quatro foram penalizados com suspensão temporária, três tiveram a mesma pena porém cancelada e aos outros dois foram dadas somente advertências. O SJP solicitou que os grupos de esquerda que planejaram a bagunça fossem permanentemente proibidos de usar as instalações da universidade, em resposta, a administração negou o pedido alegando que “não houve nenhuma conclusão de que essas ‘organizações’ proibiram o exercício da liberdade de expressão”.
Em outras palavras, as penalidades se limitaram ao simbólico, palavras ásperas, referências a princípios elevados e admoestações sobre o futuro não se traduziram em ação. A resposta de Harvard foi tão retoricamente dura quanto substantivamente fraca. Nesse sentido, Stephen P. Rosen, então calouro do SJP e agora Professor Kaneb de Segurança Nacional e Assuntos Militares de Harvard, previu corretamente, dias após o evento, que a onda de indignação logo passaria: “lembrem-se das minhas palavras, quando essa repentina onda de farisaica indignação passar, a universidade vai esquecer tudo sobre a Contrapalestra da última semana. Logo virá a primavera, o semestre letivo vai acabar e tudo estará como dantes no quartel de Abrantes, como se nada tivesse acontecido.”
Tive a experiência pessoal de passar por essa tibieza de espirito, tendo eu mesmo processado três alunos, Bonnie Bluestein, Martin H. Goodman e John McKean. A ação contra Bluestein foi memorável porque fui interrogado à exaustão por Alan Dershowitz, na época com 32 anos de idade. O futuro célebre professor de direito empregou com sucesso suas formidáveis habilidades jurídicas para convencer o CRR de que seu cliente era inocente quanto à bagunça que eu testemunhei pessoalmente. (Meio século depois, Dershowitz deu uma guinada de 180° no tocante às algazarras de estudantes.)
O terceiro acusado, McKean, era aluno da Escola de Pós-Graduação em Educação, portanto, os professores do corpo docente em questão realizaram a audiência, que foi ainda mais frustrante do que a do CRR. Protestei sobre o ocorrido junto ao reitor do departamento de Educação:
na audiência conduzida pela Comissão Disciplinar Faculdade/Estudante em 20 de maio, McKean não negou ter participado ativamente da algazarra, muito pelo contrário, ele se orgulhou de suas ações. Consequentemente, não optou por se defender dos pormenores das minhas acusações, justificando sua conduta em bases políticas, afirmando que a natureza da Contrapalestra exigia que ela fosse dissolvida. Fiquei desconcertado porque a Comissão Disciplinar quis ouvir os argumentos políticos de McKean enquanto minha acusação se baseava em um ato de má conduta que nada tinha a ver com política.
Minha petição não deu em nada, McKean não foi punido.
Eu também entrei com o único processo contra um membro do corpo docente. Eu vi Hilary Putnam, professor de filosofia e membro do PLP (que o elogiava como um “comunista revolucionário”), gritando para interromper a Contrapalestra. Depois, ele endossou a baderna como um “genuíno ato de internacionalismo”. Minha acusação provou ser uma batata quente demais para a administração da faculdade segurar, que a enterrou em um labirinto burocrático da qual nunca saiu. Frustrado com a falta de resposta, escrevi ao presidente Pusey, informando-o de que “eu testemunhei um professor, o Dr. Hilary Putnam, fazendo algazarra durante o encontro”. Um assistente do presidente de pronto respondeu com uma carta, garantindo que “Pusey verá a minha carta quando retornar ao escritório”. Inês é morta, e ponto final. Vale notar que, em seus últimos anos, Putnam foi, a bem da verdade, um importante e profundo pensador, tanto que no obituário do New York Times, constam as atenciosas palavras de que “ele cortou os laços com o PLP e declarou ser um erro sua adesão.”
A Contrapalestra continuou sendo tema de debates, aparecendo numa Audiência na Câmara dos Representantes em 1971 sobre o PLP na Comissão de Segurança Interna. Em seu livro de 1998, Harvard Observe, John T. Bethell classificou o incidente de “grotesca violação da liberdade acadêmica.” Em um estudo, ‘Passing on the Right: Conservative Professors in the Progressive University’, de 2016, sobre o viés anticonservador nas universidades, Jon A. Shields e Joshua M. Dunn Sr., citam um professor de história sem identificá-lo, que quando aluno se inclinou para a direita após confrontar a intolerância política da esquerda do campus na década de 1960. Ele e seus amigos tentaram organizar uma “Contrapalestra” sobre a Guerra do Vietnã… e não deu nada certo. “Fui importunado”, salientou ele. “Foi uma experiência e tanto que vai ficar na memória.” No último ano, ele relutantemente admitiu que não tinha mais um lugar na esquerda.
Quem Ganhou, Quem Perdeu?
Qual lado ganhou e qual perdeu na Contrapalestra?
No curto prazo, os radicais obtiveram um sucesso tático por terem terminado com o evento, do que botaram banca abertamente: para o PLP, “forçar esses canalhas imperialistas a saírem com o rabo entre as pernas é uma tremenda vitória”. O SDS classificou a algazarra de “uma clara derrota política para o governo dos Estados Unidos e para a administração de Harvard”. No mesmo mês, os radicais produziram um filme comemorativo intitulado “Sanders Theatre Victory”.
Visto sob uma perspectiva mais ampla, emergiu um consenso mais abrangente na primavera de 1971, segundo a qual a má conduta acabou prejudicando a causa dos radicais, ajudando o lado pró-guerra. Conforme escreveu um estudante para o Crimson, graças à baderna, os organizadores do evento “se beneficiaram muito mais da algazarra do que se beneficiariam de seus discursos”. Na verdade, é isso mesmo. Extensos e eruditos artigos apareceram juntamente com uma referência à primeira página do New York Times. Na plateia um espectador desanimado falou em nome dos participantes que permaneciam em silêncio, lamentando a bagunça porque ele foi lá para ouvir e aprender, o que lhe foi negado pela esquerda. Ele concluiu que “a única coisa que a esquerda pode ter alcançado ao bagunçar o coreto foi a de alienar alguns dos interessados cujas opiniões ainda não estavam formadas.” O New York Times reportou que “a maioria dos alunos pareceu sentir que a algazarra foi algo deplorável tanto como ato imoral quanto como erro tático”.
O sociólogo Barrington Moore Jr. concordou, dando um puxão de orelhas nos radicais por ajudarem, involuntariamente, “uma causa falida, tanto política quanto moral”. Aryeh Neier, presidente da American Civil Liberties Union, rejeitou as “táticas perigosas e contraproducentes” da balbúrdia. Neste espírito, a revista Newsweek qualificou a vitória dos radicais de “vitória de Pirro”. O colunista Lewis do New York Times ressaltou que os apoiadores da guerra no Vietnã “previam tais excessos”. O Boston Globe concluiu que os arruaceiros “prejudicaram enormemente” o esforço de acabar com a guerra dos Estados Unidos no Vietnã.
Mas visto através da ótica de 50 anos atrás, as coisas parecem bem diferentes. O nível excepcionalmente alto de badalação da Contrapalestra, na qual o maior auditório da mais importante universidade do país foi reservado para debater a questão mais debatida da década, significa que a impunidade, quase total, quanto à balburdia, teve um enorme impacto. Ela deu um poderoso recado para a esquerda, recado que ela incorporou em sua plenitude e daí se ergueu. Seguindo as palavras de Saul Alinsky (cujo livro Rules for Radicals foi coincidentemente publicado em 1971), “mantenha a pressão, jamais desista.” Como resultado, no ambiente de hoje, um evento como aquele, defender publicamente no campus uma causa malvista, estaria fora de questão, mandada para o espaço antecipadamente pelos administradores por motivos técnicos ou logísticos.
A maneira dos radicais hoje enxergarem uma instituição como Harvard mostra esta mudança. Em 1971, eles retratavam a universidade como inimiga de um jeito que seria inconcebível em 2021. O PLP declarou que “Harvard, assim como todas as universidades, serve apenas aos interesses dos detentores do poder”. O SDS concordou: “a universidade defende o ‘direito’ dos açougueiros”, como Henry Kissinger, Samuel Huntington e Richard Nixon. O PLP colocou um anúncio no Crimson perguntando: “a Universidade de Harvard é um fórum aberto para o debate de ideias, como afirma a administração ou um posto de comando do imperialismo? Quem deveria ser expulso?… Nós dizemos: expulse criminosos de guerra como Huntington e Kissinger.” O PLP e o SDS acusaram a administração da universidade de querer “liberdade para si mesmo para que ela possa continuar explorando e oprimindo o mundo”. Conforme o PLP coloca, “Harvard atua aqui (em Cambridge) e ao redor do mundo no sentido de privar os trabalhadores de tudo, incluindo suas próprias vidas.” Odiar o capitalismo e alheio aos fatos, o PLP até se referiu aos “reitores bilionários” de Harvard, retratação bizarra de uma época em que os Estados Unidos não tinham bilionários e a própria Fundação Harvard acaba agora de passar a marca de um bilhão de dólares.
Hoje nenhum esquerdista faria tais declarações, pois as universidades alimentam as ideias da esquerda e servem como seu arsenal. Assim, aquele evento antigo ajudou a abrir caminho para a universidade esquerdista, monocromática de hoje. O co-líder do SJP, Arthur Waldron, hoje Lauder Professor de Relações Internacionais da Universidade da Pensilvânia, observou astutamente em 1971 como “o espírito repressivo da esquerda levou muitos professores a se ‘ajustarem às circunstâncias’.” Isso provou ser um duradouro padrão que explica em muito a covardia do professorado de hoje.
Charles Lipson da Universidade de Chicago observa que ninguém no campus, hoje em dia, defende genocídio, escravidão ou abuso sexual infantil, contudo defendem “visões malvistas sobre tópicos do tipo matrículas com base no mérito, sistema de cotas, competição transgênero em esportes femininos, aborto e apoio a Israel.” Embora todos esses temas sejam legítimos no país como um todo, “não é bem assim nos campi universitários, onde as ‘visões erradas’ não são apenas opiniões de minorias. Elas estão proibidas, assim como as pessoas que ousam expressá-las. Desafiar essa conformidade repressiva representa um convite à condenação, fim de amizades e ameaças às carreiras. Não causa espécie que poucos se disponham a desafiá-la.”
Poucos dias após o relatório do CRR ter sido publicado,Nathan Pusey proferiu seu último discurso como presidente de Harvard a uma turma de formandos. Em 1945, ele lembrou as grandes expectativas para as universidades e suas realizações, em seguida, salientou uma observação sombria:
Assim sonhamos e assim trabalhamos. O esforço não resultou exatamente naquilo que esperávamos. Pelo menos até o momento. Mas agora houve uma mudança e, como vira e mexe acontece com o tempo, a mudança veio acompanhada de tempestades. As universidades não são mais universalmente admiradas. Na realidade, alguns passaram a considerá-las menos salvadoras e mais fonte dos males dos quais a sociedade deve ser salva. O público em geral mostra menos estima pelo corpo docente da universidade… Não há a menor sombra de dúvida que estamos entrando em uma nova era, bem diferente e, ao que tudo indica, bastante conturbada no ensino superior.
Pusey concluiu observando que “como muitos atualmente questionam o valor das universidades… seria fácil ficar deprimido em relação às suas perspectivas.” E muitos destes estariam certos.
Adendo
1. Para acessar mais documentação da Contrapalestra: (a) uma gravação de áudio de 41 minutos, clique aqui, (b) vídeo de três minutos de Harvard sobre o evento, clique aqui; (c) documentação escrita, incluindo recortes de imprensa, declarações da universidade, panfletos, cartas, clique aqui; (d) meu relato detalhado do evento no dia seguinte, clique aqui.
2. Charles Schumer ridicularizou os baderneiros que tentaram se esquivar das consequências de seus atos: quando em processos judiciais, “a maioria dos baderneiros concentra sua indignação moral em questões jurídicas inexpressivas; quando acusado de entoar palavras de ordem às 20h22, o manifestante saiu do sério porque na realidade estava berrando às 20h24. “O PLP concordou com ele, também condenando a covardia de alegar “‘eu só gritei’ deixem os açougueiros falarem’, ‘ou negou que eles tivessem gritado muito alto ou coisas do gênero.”
3. Contrastando com os dias de hoje, a esquerda de 1971 praticamente não citava Israel, nem os palestinos, nem o Oriente Médio, nem o Islã. Muito pelo contrário, um panfleto do PLP usava uma linguagem completamente bizarra em relação a de hoje, como por exemplo “Ditadura do Proletariado é a Única Solução”. Outra clamava “a classe trabalhadora internacional e suas aliadas a destruírem por completo a classe burguesa”. Objetivos clássicos como ditadura do proletariado ou a destruição da classe burguesa deram lugar a objetivos que soavam ser mais razoáveis e sedutores como direitos dos transgêneros e Black Lives Matter.
4. A resposta insípida à interrupção em março de 1971 contrastou com dois anos antes, quando Pusey chamou a polícia par expulsar os ocupantes de um prédio administrativo em abril de 1969. Os reitores forçados a deixarem seus escritórios claramente importavam muito mais do que debater a guerra do Vietnã. Waldron vê nesse contraste o colapso da missão da universidade.
“Suponha que, em vez de atropelar a liberdade de expressão, a multidão tivesse tentado invadir o museu para quebrar vasos antigos e cortar pinturas renascentistas; a reação da universidade seria muito mais dura. Mas certamente destruir direitos é pior do que destruir artefatos. Já mudou em 1971, e essa mudança então continuou firmemente. Não existem mais instituições verdadeiramente intelectuais.”
5. Muitas personalidades de envergadura se envolveram com questões levantadas pela Contrapalestra. Conforme observado, Derek Bok, Warren Burger Archibald Cox, John Dunlop, Oscar Handlin, Anthony Lewis, Barrington Moore, Aryeh Neier, Nathan Pusey e Hilary Putnam se manifestaram publicamente sobre elas, bem como o historiador da Rússia Richard Pipes (ele ridicularizou o argumento a favor da baderna). Entre as figuras que se destacariam no futuro se encontram Elliott Abrams, David Ignatius, Alan Keyes, Stephen Rosen, Charles Schumer e Arthur Waldron. Alan Dershowitz e Harvey Silverglate defenderam os baderneiros. (Harvey Silverglate diz agora que, embora ele os veja como mal comportados, defende seu posicionamento de tê-los representado.)
6. Por outro lado, me deparei com algo estranho nas pesquisas para a elaboração deste artigo, como a descoberta de que uma série de indivíduos badalados na época da Contrapalestra desapareceram logo após o tumulto. Por exemplo, o nome de John T. Berlow e Daniel E. Teodoru em quase todos os mecanismos de busca apresentam resultados que datam de 1971 ou ao redor desta época.
7. Laszlo Pasztor, Jr. e Arthur N. Waldron copresidiram o SJP. Peter Barzdines, Douglas Cooper, Frederick Holton, John Moscow, John Preston e Stephen P. Rosen também faziam parte do grupo. Eu era o tesoureiro e posso afirmar que todo o empreendimento custou US$564,26, não era muito, mesmo para 1971.
Original em inglês: Harvard’s Counter Teach-In, 50 Years Later
Tradução: Joseph Skilnik
Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes), formado no Harvard College em 1971, é o presidente do Middle East Forum.
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