O fechamento da consciência brasileira
Por Filipe G. Martins. Publicado em 10 de junho de 2017.
Arquivo MSM.
Infelizmente, a frônese aristotélica parece não existir na esfera pública brasileira: normalmente, ou se adota a postura engessada de um true believer ou se adota um pragmatismo oportunista e completamente destituído de considerações de ordem moral.
O problema é que, por um lado, valores que predeterminam inflexivelmente as ações e as escolhas não são valores, mas sim fetiches, e, por outro, que o tal do pragmatismo oportunista amortece as sensibilidades, conduz à total atomização do comportamento e acarreta na dissolução dos padrões morais mais elementares, resultando num cinismo que trata com normalidade e indiferença as atitudes e as opiniões mais desprezíveis e repugnantes.
Nos dois casos, a raiz do problema é a inépcia, a falta de prudência, a completa ausência de sabedoria prática. O true believer nunca é capaz de analisar um fato concreto objetivamente e, diante de qualquer evento, parte para discussões abstratas e formalistas sobre os ideais, os princípios, as normas e os direitos, sem jamais buscar entender efetivamente o que aconteceu (ou está acontecendo) e o que está de fato em jogo; sua ambição é sempre a de transformar a realidade, jamais a de compreendê-la. O adepto do pragmatismo oportunista, por sua vez, nunca é realmente pragmático, já que, incapaz de atinar com a forma geral dos fenômenos e de compreender a relevância dos valores morais e das mentalidades, acaba aprisionado numa ilusão de poder que sempre se desmancha no ar.
No Brasil de hoje, a maioria das pessoas se encaixa em um desses dois grupos. O utopismo irresponsável, ante-sala da mente revolucionária, explica a revolta contra a realidade dos que desejam transformar um mundo que não compreendem: cabe aí toda uma gama de pessoas, indo dos idiotas úteis aos intelectuais orgânicos e aos ideólogos de alguma proposta abstrata de mundo melhor. O falso realismo, expressão do hedonismo materialista e da carnalidade, explica a mediocridade dos carreiristas e dos dinheirtas: cabe aí toda uma gama de pessoas, indo dos que colocam a subsistência no topo das suas preocupações aos mafiosos que acreditam poder controlar tudo e todos apenas com dinheiro e influência.
A crise e a miséria que vivemos no momento atual refletem, de alguma maneira, o fechamento do nosso horizonte de consciência, de modo que somos falsamente induzidos a acreditar que não há uma terceira opção: ou escolhemos o utopismo jacobino e destruidor dos true believers; ou escolhemos o cinismo do pragmatismo oportunista, aceitando a corrupção e o aparelhamento estatal como situações permanentes e insuperáveis.
É verdade que hoje não temos uma terceira alternativa, mas se formos capazes de reconhecer o estado atual das coisas, de refletir sobre nossos erros e de recorrer à nossa inventividade, poderemos encontrá-la ou mesmo criá-la. Em 2015, essa terceira alternativa existia, ainda que em germe, nas ruas. Ela foi sacrificada em nome da falsa esperteza e da mesquinharia, quando a hegemonia da capacidade de iniciativa foi devolvida à classe política e aos operadores da máquina estatal, que agora se digladiam em uma luta fratricida que tem tudo para acabar da pior maneira possível para nós, seja lá qual for o seu desfecho.
O Brasil chegou a uma situação insustentável. Aqueles que não são parte do conflito levaram um xeque-mate dos que são. A permanência do Temer no governo é imoral e politicamente ruim, sua saída também. A perspectiva de eleições indiretas não é nada animadora, a perspectiva de eleições diretas menos ainda. A manutenção da propinocracia é insustentável, a total destruição do esquema, por sua vez, criaria um vácuo extremamente perigoso. Não há soluções e os problemas se multiplicam dia após dia. Sem o resgate do que se perdeu em 2015 (e, mais ainda, do que está perdido há algumas décadas), esse ciclo vai continuar se repetindo por muitos e muitos anos e as principais vítimas serão as pessoas comuns, com sonhos e aspirações comuns, que desejam tocar a sua vida sem se preocupar excessivamente com a política e com a politicagem. É deprimente, mas esta é a situação em que nos encontramos.
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