Noticiário, fake news e política: Do ceticismo extremo à credulidade subjetivista
Por Cristian Derosa
Vivemos o resultado do fracasso da promessa da “era da informação”. Vivemos a era da descrença e do descrédito, do ceticismo. Isso é o que explica tanto o crescimento da tirania e da censura (pois sem meios de convencimento sobra a proibição) quanto o fenômeno que podemos chamar de “terraplanismos”, o descrédito de tudo o que é dito por grandes meios. Ambos representam duas faces da mesma moeda e se os céticos não acordarem para isso poderão estar cavando a própria escravidão e o fim definitivo das liberdades.
O fenômeno da descrença pode ter sido o resultado da falta de uma linguagem possuidora de credibilidade após décadas de manipulação e de distanciamento entre a opinião pública e a sociedade concreta, que acabou deixando como única alternativa dos grandes grupos a censura e supressão de informações. Para justificar esse processo foi inserida uma nova “emergência global”, as chamadas “fake news”, um resultado do aparecimento do descrédito sobre o conteúdo dos grandes veículos.
A mera descrença é vista como perigosa e ameaçadora da estabilidade dos discursos e consequentemente das soluções sociais.
Em um segundo sentido, vemos como essa descrença pode, de fato, ser prejudicial. Chamei de terraplanismos como uma figura de linguagem, sendo as teorias terraplanistas as que melhor exemplificam a dúvida total e irrestrita de tudo o que é dito por instâncias que representem o establishment. Ao lado da sua feição necessária e saudável, há o risco de ser radicalizada por uma resposta desmedida à censura, dando origem a uma postura que vai do ceticismo para a credulidade absoluta. Acaba sendo como uma fé gnóstica: a verdade está muito bem escondida por debaixo de um tecido de mentiras quase intransponível, exceto por caminhos difíceis que demandam ou estudos ou o simples acesso a informações que venham de canais vistos como confiáveis. Sem meios claros de aferição de credibilidade, porém, esse grupo aceita acriticamente toda informação que não provenha do establishment, caindo facilmente em pegadinhas que depois são usadas por grandes grupos como evidência do problema que desejam resolver.
Recebo diariamente notícias, links e “prints” de supostos fatos que não resistem à uma rápida busca na internet. Os compartilhadores rapidamente respondem que qualquer fonte que diga ser fake ou que duvide da informação é parte do sistema e por isso suspeito. Infelizmente, porém, esse tipo de compartilhamento acaba se tornando evidência da existência de um grave problema informativo que residiria num tipo de cultura da credulidade em certos fatos balizada pelo ceticismo em outros, tudo dependendo da fonte da informação.
Surge daí uma situação de fato preocupante: a justificativa para a existência do “fact-checking” é justamente a dificuldade de checagem que a maioria das pessoas têm acerca das informações que recebem diariamente. A causa disso, porém, nós sabemos: grande parte se dá pela absoluta ansiedade informativa existente na sociedade moderna, mas que foi construída lentamente e mantida todos os dias pelos grandes meios de comunicação, aliados de grupos que desejam submeter a sociedade a um ritmo frenético que impeça a reflexão. Mas a ironia de tudo isso está no fato de que o suposto cético do establishment que compartilha dados suspeitos que estariam sendo sonegados pela mídia está, ao mesmo tempo, apostando acriticamente em tudo o que recebe de terceiros, uma torrente tão volumosa de informações que praticamente impossibilita não apenas a checagem dos fatos como a própria reflexão mínima sobre eles.
A questão que fica é: será que precisamos mesmo receber e compartilhar tantas informações? Essa quantidade padrão de fatos sendo transmitidos pela corrente sanguínea das redes de mensagem tem mesmo uma necessidade urgente? Ou não seria o próprio ritmo de informações transmitidas que causou toda a situação iniciada pela dependência do fornecimento da grande mídia evoluindo depois para sua a rejeição completa? Será mesmo que estamos rejeitando a grande mídia quando apenas duvidamos do seu conteúdo mas aderimos acriticamente ao seu método informativo frenético gerador de ansiedades?
O problema reside ainda na verossimilhança e na confusão proposital entre os tipos de discurso que estão sendo despejados de maneira quase que individualizada. Há alguns anos, o Facebook anunciou que iria fazer a sua “intervenção algorítmica” para compensar a concentração de opiniões em determinado espectro político, de maneira a compensar o fechamento das chamadas “bolhas”. Trata-se da concretização do sonho de Walter Lippmann, para quem as “opiniões precisam ser organizadas para a mídia e não pela mídia”. Essa percepção, por outro lado, tem feito com que muitos usuários abandonem as redes tradicionais e migrem para aplicativos alternativos. De todos eles, o Telegram tem sido o mais agraciado por novos membros egressos das “zonas controladas”. Mas afastar-se dos grandes centros de discussão apenas porque eles estão sendo mais controlados pode ser uma opção perigosa em meio a uma guerra cultural.
A evasão acaba fortalecendo as próprias bolhas e tornando ainda mais difícil a reflexão e a checagem racional dos fatos. Embora o mundo virtual da internet pareça irreal e disposto a ser construído por seus usuários, quem foge do controle do establishment sobre a internet sabe da existência de um mundo fora dos computadores. E é justamente em nome disso que deve estar mais atento à realidade, tanto aquela que podemos tocá-la quanto aquela que nos atinge por ter sido construída pelas esferas detentoras do verdadeiro poder de determinação dos fatos sociais. Quero dizer que, ao invés de fugir, os céticos deviam saber que o seu ceticismo é mais importante quando está em conflito e em contato com os que realmente desejam extinguir o debate. A opção por um fechamento em redes seguras acaba confirmando o estereótipo que o establishment deseja criar e sobre o qual anseia por implementar uma perseguição que irá, em breve, passar dos perfis de redes sociais para as portas das residências.
Em outras palavras, fugir para redes aparentemente seguras pode ser uma boa maneira de adiar a própria submissão. Se os questionadores não exercitarem sua crítica onde ela é necessária, em breve não poderemos expor nossas opiniões nem dentro de nossas casas.
A opção por buscar meios termos não é suficiente. Entre o ceticismo extremo e uma credulidade subjetivista não há outra solução. Só a pesquisa cuidadosa e a certeza de que a verdade existe e é possível poderiam colocar uma mente no rumo. Sem tantas certezas, podemos optar pela qualidade delas ao invés de uma imensa quantidade de certezas suspeitas e apenas subjetivamente sustentadas. A objetividade depende de uma humildade perante o real: não podemos saber tudo e nem é necessário. Mas há questões obrigatórias que dizem respeito às nossas decisões. Essas precisam ser buscadas com vontade e principalmente a coragem necessária para quando ela vai contra as narrativas que orbitam nossos desejos.
Publicado em Estudos Nacionais.
Cristian Derosa é jornalista e escritor. Mestre em Fundamentos do Jornalismo pela UFSC e autor dos livros: “A transformação social: como a mídia de massa se tornou uma máquina de propaganda”(2016), “Fake News: quando os jornais fingem fazer jornalismo”(2019) e “Fanáticos por poder: esquerda, globalistas, China e as reais ameaças além da pandemia” (2020). Cofundador e editor-chefe do site Estudos Nacionais e editor adjunto do jornal Brasil Sem Medo. Aluno de Olavo de Carvalho desde 2009.